Modelo de Segurança Pública foi principal aliado para ascensão do PCC, explica pesquisador

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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Autor do livro “A fé e o fuzil: Crime e religião no Brasil do século XXI”, Bruno Paes Manso fala ao GGN

Jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso, autor do livro “A fé e o fuzil: Crime e religião no Brasil do século XXI”. | Imagem: Reprodução/TVGGN

Um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), explorado pelo jornalista Luís Nassif em reportagem publicada no GGN, aponta que a guerra ao tráfico de drogas custa, além de mortes, R$ 50 bilhões anuais aos cofres públicos. Mas, apesar de tanto investimento, as facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), expandiram economicamente de forma exorbitante nos últimos anos.

A luz desses dados e da investigação do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que revelou a infiltração do PCC em negócios do Estado, o jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso contou como o modelo de segurança pública brasileiro, como foco no proibicionismo e no encarceramento em massa, contribuiu para essa ascensão.

O  PCC vem ganhando muito dinheiro nesse comércio justamente por ser ilegal e por ter lucros muito elevados. O PCC deu o grande salto a partir de 2010 e acessou os mercados de produtores de drogas além das fronteiras na América do Sul e deu entrada no mercado atacadista de drogas. A partir daí ele passou a atuar com um volume incomparável com o que tinha anteriormente. Segundo as estimativas do próprio Ministério Público, que apreende documentos com contadores e tesoureiros do PCC, em meados de 2010 eles faturaram cerca de 40 milhões de dólares por ano e hoje já se fala em mais de 1 bilhão de dólares por ano. Então há uma multiplicação desse comércio a partir do momento que eles acessam os mercados de consumidores que pagam em dólar nos outros continentes. Ou seja, é um mercado muito lucrativo por ser ilegal”, explicou Manso.

As declarações do autor do livro “A fé e o fuzil: Crime e religião no Brasil do século XXI”,  foram dadas em entrevista ao programa TVGGN 20h, exibido na noite da última quarta-feira (17), no Youtube. Justamente no último capítulo dessa obra, Bruno Paes Manso, apontou como empresas que prestam serviços aos estados, como as de transporte, além de organizações sociais, times de futebol e até fundos de investimento privados, foram tomadas pelo PCC, porque o fato da organização está “faturando mais de 1 bilhão de dólares por ano fez com que tivesse que sofisticar o esquema de lavagem de dinheiro”. Entenda:

Modelo de Segurança Pública 

De acordo com o pesquisador, o modelo de segurança pública brasileiro, com foco na guerra às drogas, foi desenhado a partir dos anos 70 e 80, de forma desregulada e sem planejamento, com bastante influência do estado de São Paulo, por meio da estigmatização de bairros da periferia, considerados majoritariamente perigosos.

Teve toda aquela cena de medo dos anos 70 e 80 desses bairros que estavam sendo formados e estigmatizados como perigosos e a segurança pública passou a se articular pelas polícias militares, que fazem o patrulhamento ostensivo nesses locais. O foco no trabalho da Polícia Militar nesses territórios tem como resultado a violência policial, mas junto com isso – a partir do aprimoramento da tecnologia de comunicação e de patrulhamento – houve um crescimento das prisões em flagrante, principalmente ao longo dos anos 90 e 2000”, pontou.

Dos anos 90 a 2010, São Paulo passa de 40.000 presos para mais de 230.000 presos. O Brasil passa de 90.000 presos para mais de 800.000 presos. Esse processo de aprisionamento acaba superlotando as prisões, que sempre tem a metade de vagas para quantidade de presos. Justamente nessas prisões superlotadas que as gangues de base prisional passaram a fazer o controle do interior das prisões. Quanto mais prendia, mais fortalecia as gangues prisionais e mais criava massa de manobra para eles trabalharem a partir do interior das prisões. Com isso, o Brasil passou a ter mais de 70 facções atuando no tráfico de drogas”, acrescentou o pesquisador.

Por dentro do PCC

Não à toa, a maioria dos membros do PCC em São Paulo estão presos. Bruno Paes Manso explicou ainda como essa estrutura contribui para o seu modelo, que é “algo inovador do ponto de vista de gestão“.

O PCC é uma grande rede horizontal de parceiros. O núcleo duro do PCC é de 11.000 pessoas em São Paulo, boa parte deles – cerca de 8.000 – estão presos e existem outros 30.000 membros espalhados pelo Brasil. Se calcula em torno de 40.000 filiados. Só que a rede que atua junto com o PCC é muito mais vasta”, ponderou.

Se faz nessa horizontalidade uma série de parcerias que, mesmo esse parceiro não sendo filiado ao PCC, ele faz parte do networking do grupo e esse networking é muito fechado e compromissado com as leis do crime, com uma credibilidade na venda de drogas que dá essa força pro PCC e essa agilidade de fazer uma série de contatos com máfias internacionais, com fornecedores em outros continentes”, disse.

Combate

A partir do pânico popular sobre as drogas, perpetuado por ideias conservadoras, Manso apontou ainda caminhos para o combate a este problema, que não resultem em tantos gastos sem retorno significativo. 

As pessoas têm muito medo da liberalização das drogas, do que pode acontecer com os consumidores. De uma forma geral, temem a droga, que é associada à loucura, a escravidão do desejo, a perda de sentido de vida e isso é muito forte na conversa do dia a dia, mas tentamos argumentar justamente por esse outro lado: como o fato de ser ilegal permite que os lucros sejam dessa monta. E ao mesmo tempo é um produto que não entra em crise, é um produto com o qual a gente precisa lidar de outras formas, não pela guerra constante contra os traficantes, que só aumentam o preço desses produtos. Precisamos lidar de formas alternativas, com saúde, educação, arte e etc”, afirmou.

Desenvolvemos esse processo de guerras drogas, mas não trabalhamos da forma que se trabalha as boas polícias, que é justamente compreender o funcionamento da indústria da droga, compreender o mecanismo de compra, não só da indústria da droga como da indústria do crime de uma forma geral, de quem faz a receptação, quem faz a lavagem de dinheiro, o esquema do dólar, esquema de exportação. Entendendo o funcionamento da indústria, podemos atuar de forma mais estratégica inclusive, derrubando esses grupos financeiramente, mas isso foi sendo deixado de lado porque se aposta na violência”, completou.

Assista a entrevista na íntegra:

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1 Comentário

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  1. Antes, muito antes o modelo de segurança pública imitada e importada de Washington, “war on drugs”, a farsa da CIA de Departamento de Estado para, ao mesmo tempo, criminalizar a pobreza nos EUA e no continente, financiando as intervenções militares geopolíticas, como Nicarágua, El Salvador.

    No rastro, fenômenos como a cartelização dos grupos colombianos, ou o aparecimento de mercados secundários, como Brasil.

    As primeiras facções surgem nos presídios do Rio (Ilha Grande), o CV.

    E todas as demais também nascem lá dentro das cadeias, incluindo o PCC.

    De um lado, a violência policial escalou, para agradar a classe média e a agenda política do terror, que por sua vez, fez crescer as vendas indústria bélica, não só para o Estado, mas para criminosos.

    A medida que o mercado ia se sofisticando, mesmo com a vocação varejista fragmentada, cresceram o estranhamento e infiltração com as forças de estado.

    O PCC foi uma novidade típica do maior estado do país, da maior economia.

    Um oligopólio, que manteve estável a curva de violência, após sua chegada a hegemonia.

    Agora há um conflito de transição no RJ.

    As narcomilícias querem uma fatia, e há negócios muito mais rentáveis que só vender narcóticos.

    Há serviços e imóveis.

    Em SP, essa noção já foi compreendida.

    Se bem que o jogo do bicho já tinha dado a dica antes aos manos do partido.

    O unico problema é o produto carnaval e futebol já estão saturados como ramos legitimadores.

    Mas sempre tem alguma coisa.

    Igrejas?

    Arte?

    Quem sabe?

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