Xadrez do PCC em São Paulo e os promotores omissos, por Luís Nassif

Em São João, os contratos com OSs suspeitas passaram sem fiscalização, apesar da notória especialização do promotor em lavagem de dinheiro.

Peça 1 – PCC e prefeituras

Investigações da Polícia Federal mostraram o PCC (Primeiro Comando da Capital) atuando em prefeituras de três estados: São Paulo, Minas Gerais e Paraná. A intenção seria a montagem de empresas para lavagem de dinheiro do tráfico e desvio de recursos públicos.

O recente caso do PCC atuando no transporte público em São Paulo mostrou a abrangência da organização. E esse trabalho se espalhou por muitos municípios, especialmente em locais em que o promotor estadual atua de modo displicente.

No caso do transporte público, as primeiras suspeitas de interferência do PCC são de 2003, quando o Ministério Público Estadual (MPE) denunciou 25 pessoas por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e concussão.

21 anos depois, o PCC domina as principais linhas de ônibus de São Paulo.

Processo semelhante ocorre nos municípios com as Organizações Sociais, o veículo preferencial de atuação do PCC. Com a diferença de que, enquanto promotores corajosos enfrentam o PCC em sua área mais forte – a dos transportes -, propmotores omissos permitem a proliferação de contratos suspeitos pelas cidades do estado.

Segundo a Lei nº 9.637/1998, há diversas hipóteses em que a licitação é dispensável para as OS, como:

Contratação de pessoal: As OS podem contratar e demitir funcionários sem a necessidade de realizar licitação, seguindo as normas previstas em seu estatuto e na legislação trabalhista.

Aquisição de bens e serviços: A licitação pode ser dispensada para a aquisição de bens e serviços de pequeno valor, conforme os limites estabelecidos na lei e no contrato de gestão.

Contratação de empresas terceirizadas: As OS podem contratar empresas terceirizadas para a execução de atividades específicas e complexas, desde que a empresa contratada seja especializada na área e a terceirização esteja prevista no contrato de gestão.

Celebração de parcerias: As OS podem celebrar parcerias com outras entidades públicas ou privadas para a execução conjunta de projetos, sem a necessidade de licitação, desde que a parceria seja formalizada por meio de contrato ou termo de parceria.

É por aí que se dá a corrupção das prefeituras.

Dois órgãos externos são fundamentais na fiscalização dos contratos:

Tribunal de Contas do Estado (TCE): O Tribunal de Contas do Estado é o órgão responsável por fiscalizar os recursos públicos dos municípios, estados e da União. O TCE pode realizar auditorias nos contratos das prefeituras e aplicar sanções em caso de irregularidades.

Ministério Público: O Ministério Público atua na defesa dos direitos da sociedade e pode investigar casos de irregularidades na execução de contratos públicos. O MP pode propor ações civis ou criminais contra os responsáveis por atos ilícitos. No caso dos municípios, a atuação é do Ministério Público Estadual.

O próprio Ministério Público Estadual de São Paulo alertou sobre infiltração do PCC não apenas em empresas de ônibus, como empresas de lixo e organizações sociais de saúde. Mas a fiscalização dos contratos, em última instância, cabe aos promotores alocados nas cidades. E aí reside o perigo: promotores neglicgentes que fecham os olhos para contratos suspeitos, e são blindados pelo espírito de corpo da corporação.

Peça 2 – Sarrubo, o Secretário Nacional de Segurança Pública

Mário Sarrubo foi nomeado Secretário Nacional de Segurança Pública pelo Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. Seu principal desafio será o combate às organizações criminosas, dentre as quais a mais influente é o PCC (Primeiro Comando da Capital).

Sarrubo foi Procurador Geral da Justiça, portanto responsável pela atuação do Ministério Público Estadual de 2022 a 2024.

Vamos analisar dois casos explícitos de golpes nas terceirizações em duas cidades: Poços de Caldas, subordinada ao Ministério Público Estadual de Minas Gerais; e São João da Boa Vista, na área de atuação do Ministério Público Estadual de São Paulo, na época presidido por Sarrubo. E comparar as duas atuações.

Peça 3 – o caso de Poços de Caldas

Em 2 de agosto de 2023, o Jornal GGN já publicava reportagem mostrando as suspeitas que envolviam empresas de ônibus e o prefeito municipal de Poços de Caldas, Sérgio Azevedo.

Uma CPI da Câmara Municipal identificou irregularidades de monta nos contratos firmados com Organizações Sociais de Saúde. Foi contratado um trabalho da auditoria Grant Thornton, que apurou um sem-número de irregularidades.

A CPI analisou 10 contratos firmados entre a Prefeitura e empresas privadas para prestação de serviços de saúde, identificando diversas falhas e indícios de irregularidades.

Diante das irregularidades encontradas, o relatório recomendou o envio do caso ao Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Tribunal de Contas da União e Tribunal de Contas do Estado para que as devidas providências fossem tomadas.

E aí, se revelou a primeira das distorções trazidas pelos novos ventos políticos: a ascensão de novos políticos, na onda bolsonarista, fechando apoio integral ao prefeito. Dos 17 vereadores, apenas 7 votaram a favor do relatório.

Ao mesmo tempo, o prefeito procedeu a uma poda de árvores centenárias, sob o  olhar complacente dos promotores estaduais, que só se moveram quando grupos da sociedade civil foram até Pouso Alegre pedir o apoio do Ministério Público Federal.

No caso da CPI da Saúde, a saída encontrada foi entregar o relatório à Polícia Federal, em Brasília. Foi também entregue ao Tribunal da de Contas da União e ao Tribunal de Contas de Minas Gerais. Algumas das OSs eram as mesmas que participaram dos escândalos da saúde no Rio de Janeiro.

Carlos Mosconi e Sérgio Azevedo

A Polícia Federal abriu inquérito um dia após receber o relatório da CPI. Estão sendo investigados o prefeito Sérgio Azevedo e o ex-Secretário da Saúde Carlos Mosconi, padrinho político do prefeito.

Tempos depois, explodiu um novo escândalo, com a contratação, na surdina, da Santa Casa de Misericórdia de Salto de Pirapora, uma semana depois da prefeitura daquela cidade romper contrato com a instituição depois de fiscalização do Tribunal de Contas de São Paulo. O convênio, no valor de mais de R$ 60 milhões, foi feito com dispensa de licitação, sem nenhum chamamento público e nem consulta a outras entidades, órgão ou empresas.

Não foi uma denúncia fácil, como admitiu o seu autor, vereador  Flávio Togni de Lima e Silva, até então líder do prefeito na Câmara Municipal, mas que rompeu após detectar as fraudes: “Um amigo mostrou uma mensagem de um amigo comum que diz: fala para o Flavinho não mexer nisto porque isto dá cemitério ou cadeia”.

Peça 4 – o caso de São João da Boa Vista

Já em São João da Boa Vista, uma enorme sucessão de contratos suspeitos passou em branco pelos promotores – um deles, Nelson O´Really, claramente alinhado com a prefeitura e com setores bolsonaristas, como o deputado e ex-promotor estadual Fernando Capez.

O GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público Estadual de São Paulo, em conjunto com o TCE, elaborou uma lista de organizações sociais suspeitas.

Mesmo assim, São João da Boa Vista fechou contrato, sem licitação e sem consulta aberta, com uma das empresas apontadas como suspeita, o Instituto Rita Lobato.

O caso foi julgado pelo TCE e resultou em condenação da prefeita. No artigo “TCE de São Paulo abre investigação contra Prefeita bolsonarista de São João da Boa Vista” contamos sobre o caso.

“Como foi dito no artigo “O CNMP e o desafio de combater os abusos de promotores estaduais”, o contrato com a prefeitura foi de R$ 47,9 milhões de reais. Segundo o voto do relator do julgamento, o contrato estava eivado de irregularidades. O contrato não especificava custos unitários de serviços. O contrato admitia novos serviços, com um aumento significativo do custo do projeto, repassando para a Rita Lobato todo o trabalho de saúde.

Mas o plano de trabalho era genérico. A Prefeitura reduziu o número de empresas competidoras, evitando a divulgação das condições do contrato.

“O presidente da sessão do TCE constatou aumento no valor do ajuste, sem crescimento proporcional no atendimento. A quantidade de profissionais contratados aumentou 4% contra 60% do custo. E o aumento foi só em serviços acessórios, consultorias e tudo o mais.

Encaminha ao MP a multa à prefeita Terezinha de Jesus Pedroza. A condenação foi por unanimidade”.

Não apenas isso.

Outros contratos suspeitos foram fechados na área de limpeza urbana, com empresas com histórico de problemas. E a esposa do promotor Nelson O’Really foi contratada como fornecedora de produtos de limpeza das empresas suspeitas.

Peça 5 – a blindagem dos promotores

Além de fechar os olhos a todas as irregularidades praticadas pela prefeitura de São João, no material recolhido pelo CNMP, o promotor aparece em postagens atacando os Ministros do Supremo e as eleições e promovendo perseguição implacável a seus críticos.

Foi alvo de uma correição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), comprovando todas as acusações de abuso de poder, perseguição a adversários. Mas todas as denúncias haviam sido arquivadas no MPE-SP.

O segundo promotor, Ernâni de Menezes Vilhena Junior teve uma trajetória curiosa. Foi o promotor que ameaçou os vereadores caso votassem pelo aumento do perímetro urbano. Antes disso, atuou como promotor em São Sebastião da Grama.

Na semana passada, Ernâni foi nomeado para um grupo de trabalho da Procuradoria Geral da República, com o objetivo de “Prevenção e Enfrentamento em Defesa da Probidade Administrativa”. Na Escola Superior do MPST, Ernâni é professor do curso “Capacitação para a Formação de Agentes de Investigação”.

No entanto, foi encaminhada uma reclamação ao presidente do Conselho Nacional do Ministério Público, PGR Paulo Gonet, com as seguintes informações:

“O referido Parquetiano era o titular do MPSP durante quase todo o mandato do ex-prefeito da cidade de São Sebastião da Grama, Estado de São Paulo, qual seja Emílio Bizon Neto, condenado por desvios de recursos públicos e fraudes à licitações além de improbidade administrativa, tendo sido condenado a um sem número de anos de reclusão e devolução dos malfeitos ao erário, desvios estes que coincidem exatamente com o período do mandato como Promotor de Justiça da referida comarca qual seja: Dr. Ernani de Menezes Vilhena Junior. O referido Promotor ARQUIVOU todas as denúncias que a ele chegaram, conforme extrato fornecido pelo próprio Ministério Público, alegando, dentre outros argumentos utilizados em sede Judicial que não achou os desvios de dinheiro público porque o ex-prefeito hoje condenado colocava os bens em nome de “laranjas”, somente sendo retomadas as investigações com a chegada de novo Promotor de Justiça.”

Em São João, todos os contratos com OSs suspeitas passaram ao largo da fiscalização, apesar da notória especialização do promotor em lavagem de dinheiro.

Ernêni Vilhena e Nelson O´Really

Ao mesmo tempo, Roberto Câmara – cidadão são-joanense – através de seu advogado, Maurício Betito Neto, entrou no CNMP com reclamação disciplinar contra o Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Fernando José Martins, e o Sub Procurador Geral de Justiça Jurídica, Wallace Paiva Martins Junior.

O promotor Ernâni – parceiro de O`Really em São João – também atuava como assessor direto do Subprocurador Geral de Justiça Jurídica Estado de São Paulo, Dr. Wallace Paiva Martins Junior.

A reclamação se devia ao fato de todas as denúncias contra Nelson O`Really terem sido liminarmente arquivadas pelo MPSP, com Ernâni Vilhena como assessor do Subprocurador Geral de Justiça, 

A represália veio rapidamente. O advogado Betito foi acusado e denunciado pelo Promotor de Justiça Substituto, Bruno de Souza Marques, por calúnia, injúria e difamação, tomando por base a própria peça apresentada ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

“Segundo o apurado”, diz a peça, “o denunciado protocolou junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, um habeas corpus (…) imputando falsamente às vítimas a prática de crimes de perseguição, abuso de autoridade, prevaricação, ameaça e corrupção passiva”.

Segundo a denúncia, os “dizeres ofensivos à honra”, foi acusar os promotores de “perseguidores que acusam pessoas inocentes e atuam por capricho pessoal, instinto de vingança e sadismo profissional”.

Todas essas acusações constam da correição feita pelo CNMP na cidade.

Peça 6 – o poder do PCC

Aí se entra em um tema espinhoso.

1. Os vários contratos irregulares de São João da Boa Vista se enquadram no modelo de exploração do PCC. A ponto de empresas identificadas como suspeitas pelo GAECO conseguirem entrar na cidade.

2. Os promotores da cidade fecharam os olhos para os contratos. E o MPE-SP passou pano à omissão dos promotores.

O que se depreende disso?

Suspeita 1 – aliança política com a prefeita, fechando os olhos para seus malfeitos.

Suspeita 2 -aliança com os titulares das OSs que conquistaram os contratos da cidade.

Seja qual for o motivo, ou Sarrubo atua decisivamente sobre essa parceria entre promotores e partidos políticos, ou o CNMP enquadra os MPEs – da mesma maneira que o Conselho Nacional de Justiça enquadrando o TRF4 – ou, em breve, o México será um rascunho do Brasil. 

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Novo caso SJBV 

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. A respeito de lavagem de dinheiro por contratados para serviço público, uma medida poderia dificultar a prática antes que os crimes apareçam. Acredito que criminosos usem dinheiro ilícito para pagar custos das empresas contratadas. Os lucros contábeis decorrentes podem ser disfarçados por manobras grosseiras nos livros, além do que muitos destes serviços públicos contas com isenção de IRPJ. A lei de licitações deveria exigir que somente empresas abertas, auditadas e sujeitas a controle público, possam participar das licitações e executarem os contratos. Deveria ser previsto que os Tribunais de Contas deveriam aleatoriamente auditar os custos dos prestadores para garantir que sejam pagos com recursos das próprias receitas.

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