Prefeito de Poços de Caldas se autoincrimina e revela jogadas em licitação

O prefeito tomou uma série de medidas suspeitas, atropelando todos os procedimentos e requisitos legais. Provocado, o promotor não agiu.

Nos últimos anos, o prefeito de Poços de Caldas, Sérgio Azevedo, comportou-se como dono absoluto da cidade. Funcionário público, alçado à política por obra do ex-deputado Carlos Mosconi, valendo-se do espírito anti-política dos últimos anos, tomou uma série infindável de medidas arbitrárias.

Poços de Caldas é uma cidade histórica, com espaços tombados pelo patrimônio estadual. Cortou árvores históricas, expulsou carrinhos de comida de locais públicos, montou licitações suspeitas, sem que se observasse um movimento sequer do promotor Renato Maia, do Ministério Público Estadual de Minas Gerais. 

Mas acabou se entregando em uma pitoresca auto-delação, que ajudará a jogar luzes sobre todas as demais suspeitas que pairam sobre a prefeitura.

O Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais estava atrás de indícios de atuação de uma quadrilha que atuava em licitações de linhas de ônibus urbanos no Estado. Enviou um pedido de informações à Prefeitura de Poços.

A intenção era apenas analisar a licitação para verificar a possível existência de documentos, arquivos e e-mails que corroborassem provas que o MPC possuía sobre o modus operandi da quadrilha investigada.

Quando os documentos foram enviados, a Prefeitura acabou entrando no olho do furacão: lá havia provas concretas de que a própria prefeitura participara das jogadas.  O MPC encaminhou à Câmara de Vereadores uma representação suspendendo os contratos de concessão das linhas de ônibus.

O documento é duro para com a gestão Sérgio Azevedo:

“O material enviado pela Prefeitura de Poços de Caldas, além de robustecer as provas de atuação do Cartel de Empresas de Ônibus na Concorrência Pública n 131/2008 (realizada pelo Município de Belo Horizonte) também revelou farto conjunto probatório de fraude à concorrência pública no 007-SMA/2019, (realizada no município de Poços de Caldas)”.

A licitação sofreu um sem-número de impugnações. O documento constatou que as reclamações conseguiram fazer com que o Edital fosse republicado duas vezes, “sempre com alterações benéficas para a futura concessionária contratada”. Mas apenas uma empresa participou da licitação, consolidando a suspeita de fraude.

Da jogada participou inclusive o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Poços de Caldas.

O MPC lembra episódio semelhante em Governador Valadares, que levou à prisão do presidente do Sindicato e do proprietário do grupo empresarial que participou das licitações.

O documento do MPC identifica os principais atores desse jogo, incluindo funcionários do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, contratado para elaborar estudos e a minuta do edital de licitação.

Conclui o MPC:

“Necessário registrar que a fraude à Concorrência Pública n. 007-SMA/2019  ocorreu sob o olhar das autoridades municipais e de servidores dedicados às atividades licitatórias da Prefeitura:

* Sérgio Antonio Carvalho de Azevedo — Prefeito Municipal de Poços de Caldas: definiu o modelo a ser utilizado no serviço de transporte público de passageiros”.

Em seguida inclui Rafael Tadeu Conde Maria, Secretário Municipal de Defesa Social, Ana Alice de Souza, Secretária Municipal de Administração e Gestão de Pessoas, , membros da Comissão de Licitação.

A licitação do circular

Segundo a Coluna Bastidores, blog do jornalista Rodrigo Costa, assim que o edital foi publicado, houve 26 intercorrências, pedidos de esclarecimentos à comissão de licitação, impugnações e recursos administrativos, em vão.

Quem venceu foi a Floramar, que pertence ao mesmo grupo empresarial vencedor da última licitação, a Circullare, que atua há décadas no município. E foi a única concorrente.

Para dar a impressão de disputa, umas das concorrentes, a Seletrans, impugnou administrativamente o edital, impetrou mandado de segurança, e apresentou duas denúncias ao Tribunal de Contas do Estado.

Era apenas jogo de cena. No cadastro de pessoa jurídica, o e-mail de contato é o mesmo utilizado pela Floramar, com o domínio @conartes.com.br.

Conartes é uma empresa de Engenharia a Edificações que tem como sócios proprietários Fábio Couto de Araújo e Mirian Cançado de Andrade, que são proprietários da Auto Omnibus Circulares e da Auto Ônibus Floramar. O proprietário da Seletrans Ltda é Francisco Correa Duarte, síndico do Edifício Flávio de Araújo Cançado, um dos sócios da Circullare.

O caso da Alameda Poços de Caldas

Não é o primeiro caso suspeito envolvendo o prefeito Sérgio Azevedo.

Nos últimos tempos, o prefeito tomou uma série de medidas suspeitas, atropelando todos os procedimentos e requisitos legais. Provocado, o promotor não agiu.

Sorte da cidade é possuir uma sociedade civil organizada que, através da Associação Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC) levou os casos ao Ministério Público Federal, sediado em Pouso Alegre, e ao Ministério Público das Contas. Ambos atuaram rapidamente, interrompendo as jogadas do prefeito e ordenando investigações sobre as irregularidades cometidas.

É uma quantidade infindável de irregularidades

A obra, em questão, tem 700 metros quadrados de área, com 12 nichos de alvenaria, em, em área de preservação permanente (APP). 

Irregularidade 1 –  Há um fundo municipal, o FUNDEPHACT (Fundo Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural e Turístico de Poços de Caldas), com recursos destinados à revitalização de obras. A nova construção foi tratada como “revitalização”, para ter acesso aos recursos do fundo.

Irregularidade 2 – A construção será realizada em área tombada, o que exigiria da prefeitura buscar autorização em dois órgãos distintos: o CONDEPHACT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Cultural e Turístico de Poços de Caldas), municipal, e o IEPHA (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais), estadual. Em 2019 foi apresentado um projeto básico, que recebeu várias sugestões de ambos os órgãos. O projeto deveria ter retornado com as alterações sugeridas, mas nada foi feito. Deixaram de lado observância às normas sanitárias, o regular escoamento de resíduos, além da preocupação com o meio ambiente e estética da Praça tombada.

Irregularidade 3 – desrespeito ao meio ambiente.

Segundo a ação proposta, “há discussão de dano ambiental sob três diferentes aspectos: o primeiro, a construção margeando o Ribeirão da Serra, sem o recuo previsto naLegislação pertinente – o Código de Florestas; a segunda infração refere-se ao fato e que o município não submeteu o projeto da obra a ser executada ao CODEMA (Conselho Municipal de Defesa e Conservação do Meio Ambiente), órgão consultivo e deliberativo; a terceira infração, refere-se ao corte de árvores (nativas e exóticas), no local”

Irregularidade 4 – Em 18.10.2022, a Prefeitura abriu edital para execução da obra. O Pregão ocorreu em 23/11/2022; o fechamento do pregão em 15.12.2022.

No edital não havia projeto básico ou executivo, nada foi disponibilizado aos eventuais interessados na licitação. E o prefeito decidiu pelo único concorrente, alegando ter preços satisfatórios, sem sequer determinar o que seria construído.

Como mencionado na ação, “como poderia o vencedor da licitação ter ciência prévia do que iria construir, sendo que não constava, no momento da abertura do certame  identificação dos projetos com seus anexos?”

Irregularidade 5 –  o coautor das especificações técnicas.

Um dos co-autores é o engenheiro Paulo Henrique Gonçalves Ribeiro, lotado no Departamento de Manutenção, Comunicação e Informática, para um projeto de outro departamento, atropelando os princípios da segregação de funções no serviço público.

A atuação dos órgãos estaduais

A atuação da sociedade civil acabou colocando em cena dois personagens externos ao jogo político da cidade.

O Ministério Público Federal, com sede em Pouso Alegre.  O procurador Túlio Fávaro Beggiato despachou uma Extrajudicial Civil Tutela, com a seguinte ementa>

1CCR. OBRA REFERENTE À “ALAMEDA POÇOS”. VÍCIOS NO PROCESSO LICITATÓRIO POR DESVIO DE FINALIDADE. 

ILÍCITOS AMBIENTAIS PELA SUA LOCALIZAÇÃO. 

POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE MALVERSAÇÃO DE RECURSOS ORIUNDOS DO FUNDEPHACT. 

OBRA LOCALIZADA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. 

OMISSÃO NA OBTENÇÃO DE LICENÇAS AMBIENTAIS PARA REALIZAÇÃO DA OBRA.

Como não envolvia recursos federais, o MPF declinou da ação. Mas o alerta obrigou o promotor Renato Maia a sair da inação anterior.

Enviei um e-mail ao promotor pedindo explicações sobre a falta de atitudes contra os abusos da Prefeitura. Chegando os esclarecimentos, serão publicados.

Luis Nassif

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