Brasil Tropicália, por Carolina Maria Ruy

Mas a tristeza de Caetano com a infeliz coincidência deve residir não no uso inapropriado de uma palavra calorosa, mas sim em sua ironia.

Reprodução Redes Sociais do Quiosque

Brasil Tropicália

por Carolina Maria Ruy

O nome do Quiosque, palco do crime que vitimou o jovem Moïse Mugenyi intriga pela contradição entre um conceito aprazível e uma realidade brutal. Caetano Veloso, um dos expoentes do tropicalismo, disse que o Quiosque chamar “Tropicália” aprofunda sua dor em constatar que um refugiado da violência a encontra no Brasil.

Mas a tristeza de Caetano com a infeliz coincidência deve residir não no uso inapropriado de uma palavra calorosa, mas sim em sua ironia. Isso porque em 1968 o álbum manifesto Tropicália já apontava para o sacrifício do componente humano no perfil industrial que definia o Brasil moderno. Não à toa a extensão do nome do álbum, que aparece de forma sutil, quase como um negativo do nome principal, é “ou panis et circenses”.

Os tropicalistas pegaram no ar e traduziram de forma metafórica as contradições que basearam a globalização do país a partir dos anos de JK.

Já naquela época, há mais de 50 anos, eles refletiam sobre como a violência, neste contexto, é banalizada e manipulada por uma mídia que a espetaculariza. Na música Parque Industrial fica claro como isso passa a fazer parte da paisagem nas cidades massificadas pela máquina de moer industrial. Seu trecho final diz:

“E tem jornal popular que

Nunca se espreme

Porque pode derramar

É um banco de sangue encadernado

Já vem pronto e tabelado

É somente folhear e usar

É somente folhear e usar

Porque é made, made, made

Made in Brazil

Porque é made, made, made

Made in Brazil”.

O Tropicália onde se compra cerveja na orla da Barra da Tijuca pode até vender uma imagem de país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza.

Mas é, na verdade, expressão do Tropicália Pão e Circo exprimindo no assassinato de Moise por outros jovens negros, as contradições da modernização brasileira, o desequilíbrio entre elite e povo e a raiz escravista e colonizada que sustenta o avanço industrial.

Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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