Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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O uso midiático eleitoral do governo de Nicolás Maduro, por Maíra Vasconcelos

O uso midiático eleitoral do governo de Nicolás Maduro

por Maíra Vasconcelos

O caótico e autoritário governo de Nicolás Maduro na Venezuela tem sido utilizado como material de campanha contra as candidaturas de esquerda, em mais esta eleição. A GloboNews e seus comentaristas, munidos de nenhum comprometimento com a informação, há semanas, discutem rasteiramente a “ditadura de Nicolás Maduro”, “o ditador Maduro”, quando seria bem-vindo alertar para um desejado esforço de união dos países da região em busca de soluções aos problemas políticos, sociais e humanitários do país, para afastar a ameaça de intervenção militar. Mais de 2 milhões de venezuelanos já deixaram o país, desde 2014.

Na GloboNews, na última semana, disseram que a Venezuela soma 8 mil mortos em conflitos gerados pela situação política, nos últimos anos, e que este número seria igual ao de mortos pela ditadura argentina – poxa, são 30 mil mortos e desaparecidos reivindicados todas as quintas-feiras, às 15h30, pelas Mães da Praça de Maio, que ali se reúnem, desde 1977, com este propósito. Como 8 mil, Gerson Camarotti? Isso é a desinformação sem limites.

A Globo é um dos grandes responsáveis por ter incentivado o antipetismo que hoje define boa parte da política brasileira. E a “ditadura de Maduro” está intimamente ligada à propaganda anti-PT, trabalhada há anos pela emissora.    

Se o governo Maduro é ou não é uma ditadura, o que é discutível e acredito que o debate é válido e rico, não há qualquer resquício de um jornalismo responsável e interessado em trazer essas visões à tona e um aprofundamento sobre a realidade venezuelana. Afinal, isso não ajudaria a sustentar a grosseira associação, que já virou popularesca, da Venezuela de Maduro com um possível novo governo de centro-esquerda no Brasil.

A mera informação comprometida sobre a realidade venezuelana, ainda mais se se sustenta que hoje há uma ditadura, deixaria o madurismo muito longe de qualquer possibilidade de comparação que o público mais leigo pudesse vir a fazer com um eventual governo petista, representado pela chapa Haddad-Manuela, ou mesmo com os 13 anos de governo de centro-esquerda do PT.

Para além dos planos de governo e políticas partidárias, há um abismo que separa as realidades históricas e políticas, sociais e econômicas do Brasil e da Venezuela. E, por mais que isso seja óbvio, parece ser hoje necessário explicar e reexplicar. Comparações entre países são, geralmente, simplistas e reducionistas, quando não toscas.

O grau de assimilação da desinformação difundida sobre a Venezuela já virou medo real de que governos vermelhos comedores dos privilégios sociais, que levam o nome de PT, assumam novamente o país. Quem hoje não tem ao menos um amigo ou familiar com medo de comunistas?

Em época de eleição presidencial liderada pela extrema direita, conservadora, racista e truculenta, dos candidatos militares do PSL e PRTB, capitão e general, Bolsonaro e Mourão, amantes da ditadura e do general Ustra, alguém explique: por que o medo da ditadura não recai sobre o bruto e cascudo discurso do bolsonarismo? A ditadura é sempre a do outro?

Há ou não há democracia no governo de Maduro?

Estima-se que 2,3 milhões de venezuelanos já deixaram o país, entre janeiro de 2014 e junho de 2018. Brasil e Colômbia têm sido os principais destinos dos refugiados. Não há como negar a crítica situação política, econômica e humanitária que recai sobre o governo de Nicolás Maduro, sem chance de escapatória de se responsabilizar as decisões partidárias, de medidas extremas de autoritarismo, nos últimos anos, e que colocam em questão se o país ainda vive ou não em uma democracia.

Calar meios de comunicação e manter um nível precário de liberdade de expressão, propor uma eleição polêmica da Assembleia Constituinte e ter como parceiro o poder judiciário no controle do Legislativo. Essas são algumas das razões daqueles que afirmam ser o madurismo uma ditadura. E até que ponto definir que os extremos autoritarismos de Maduro, considerando-se a grave crise de refugiados, são uma ditadura ou não.  

Para Marcelo Falak, editor-geral de Internacionais, do jornal argentino Ámbito Financiero, o governo de Nicolás Maduro é uma ditadura, ainda que a discussão esteja sujeita a posturas ideológicas, o jornalista prefere se ater aos fatos que, para ele, expõem o governo de Maduro à falta de democracia.  

Na minha opinião, a Venezuela caiu em uma ditadura considerando-se vários fatores. As eleições acontecem em contextos não pluralistas, se vincularam a ajuda social através do uso do “cartão da pátria” e, no caso da última constituinte, romperam com o princípio “uma pessoa, um voto”, ao incluir representação de coletivos, o que fez que alguns venezuelanos votassem duas vezes”, afirmou Falak.

“Também vejo um aparato repressivo que viola sistematicamente os direitos humanos.

O poder judiciário que avançou sobre atribuições do Legislativo ao declarar inconstitucional uma lei de anistia, além do mais, com argumentos absurdos. A liberdade de expressão está severamente limitada por ataques físicos a meios privados e por uma política de asfixia econômica ou de cancelamento de licenças. O espaço dos meios desalojados foi ocupado por meios estatais e nestes não existe o devido pluralismo”.

Segundo Falak, para uma forte corrente de opinião, dizer que na Venezuela não há democracia tem servido de estímulo a ideias de intervenção militar estrangeira. “Lamento essa manipulação. Não existe direito a nenhum tipo de ingerência e, em todo caso, a região deve comprometer-se seriamente por buscar uma saída negociada ao conflito político na Venezuela, que permita evitar maior sofrimento à população”, ponderou.  

 

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

7 Comentários

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  1. Cade o contraponto??
    A oposição boicotou as 3 últimas eleições

    Observadores internacionais aprovaram as eleições

    Ha uma hiperinflação no pais, similar a nossa de ate 1994

    Canais de tv sabotam o governo, alias como aqui também

    Venezuela tem petroleo que os eua querem tomar, alias como aqui também

    Donos de supermercados sao presos por esconder produtos e subir preços, alguém lembra dos fiscais do sarney ou do plano cruzado?

    A direita venezuelana é 100x pior que a nossa, não que isso represente vantagem pra nos. Ela quer terra arrasada, igual a Aecio, Cunha e Sergio Moro

    Apenas falta um Lula La.

  2. Namorando com a barbárie.

    Esta semana  Alckmin conseguiu, em seu discurso altamente “articulado” ( e enfadonho) , acusar o  PT  como sendo por um lado  o bolivarianismo Maduro da Venezuela  com sua mega crise economica, e por outro um seguidor do neoliberalismo de Macri que levou à derrocada da economia Argentina. Alias a Argentina que nas palavras de  Waack,  era o exemplo de vitória do neo liberalismo contra o populismo de Kirchner agora é culpa do populismo Petista. A argentina sumiu dos noticiário. Aquele argentino que comenta a Venezuela na Globo News,  parece não mais estar em Buenos Aires, e nem  na dura realidade das Calles Portenhas, onde o povo sofre e vê  a  Argentina de cócoras solicitar ajuda ao FMI. Ele agora é comentarista internacional. Mais uma vez os argentinos    vitimas de um ataque cambial, vêem a condição de vida indo i ladeira abaixo, e o Mercado ladeira arriba. Provavelmente os  fundos Abutres que alimentaram Macri vão bem obrigado. Alckmin nosso brilhante analista  agora quer colocar no mesmo saco Maduro e Macri.

    Assim de frente para um fascista criado e incensado por eles mesmos, Alckmin prefere buscar um inimigo externo e atacar Haddad. Por sua vez a classe alta, dita mais esclarecida segue seus líderes, os grupos empresariais que flertam abertamente com a barbarie e com o fim da democracia.E os cabeças de planilha  dizem que vivemos na era do fim das ideologias,  Logo logo , namorando com a baŕbarie estarão recitando Mein Kampf em saraus regados a champanha.

    1. Mas que disse besteira, disse sim

      Realmente não dá para culpar o PT pela crise na Venezuela. Mas que Lula disse uma grande besteira até hoje lembrada, isso disse, sim: “Na Venezuela há democracia até demais”

      O homem é o senhor de seus silêncios e o escravo de suas palavras.

    2. Alckmin e sua retórica

      “por um lado  o bolivarianismo Maduro da Venezuela  com sua mega crise economica, e por outro um seguidor do neoliberalismo de Macri”

      O Alckmin é ruim nesses malabarismos intelectuais. Em 2006 ele conseguiu a façanha de dizer que a política econômica do governo petista era, a) muito ruim, e, b) integralmente copiada da política econômica do PSDB.

      E depois ainda não sabem como conseguiu ter menos voto no segundo turno do que no primeiro.

      Pelo visto, não aprendeu a lição. Continua na turma do “tem que aumentar o preço da gasolina por que ela está cara demais”. Vai ficar longe do segundo turno.

  3. maduro

    ha dois componentes importantes omitidos no artigo.

    1) a desvalorixação do barril de petroleo, 

    2) bloqueio e sançoes comerciais dos americano

  4. A Democracia venezuelana

    Jogar toda a culpa pelo que vem ocorrendo na Venezuela sobre os ombros de Nicolás Maduro, ou do chavismo ou do atual governo, sem destacar o papel desempenhado pela oposição, pelo imperialismo, pelo bloqueio econômico, pelo golpe de 2002 e pelas tentativas de golpe posteriores é de uma irresponsabilidade inadmissível, é vender desinformação com o pretexto de disponibilizar informação.

  5. Venezuela
    Quando Lula disse que a venezuela tinta democracia até demais, ele quiz dizer que a soberania popular plenamente se realiza, com plesbicito, referendos, eleições de 2 em 2 anos. Considerar a a reação do governo Maduro a uma oposição, golpista, violenta, radical e intrangigente é um gesto desonestidade intelectual.

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