Se foi golpe? Ora (direis) ouvir…Fake News!, por Antônio João

A eficácia da guerra híbrida exige a coordenação precisa, e a orquestração da performance dos muitos atores.

Se foi golpe? Ora (direis) ouvir…Fake News!

por Antônio João

Em meio à desinformação e hysteria é difícil haver clareza, mesmo assim, já passa da hora de ser oferecida ao povo brasileiro uma explicação sobre as razões da turbulência política em que caímos a partir da deposição da presidenta Dilma. Todos pegos de surpresa: quem acompanhava a política no Brasil, não conseguia compreender, como um deputado do baixo clero, que nunca se destacara, num estalar de dedos, chegava à presidência da República.

A compreensão vem quando se percebe que não só houve um golpe de estado, mas o pior é que não se tratou de um acontecimento interno à sociedade brasileira, mas foi elaborado para servir interesses estrangeiros. Mesmo especialistas: jornalistas, comentaristas, intelectuais, ou analistas políticos, que comentam o assunto, demonstram, ou não terem compreendido o que aconteceu, ou estarem a fingir desconhecimento, por não haver o desejo de esclarecer algo que incomoda. Enquanto se interpreta o golpe como coisa nossa, estrategicamente se encobre a intervenção externa. Houve o golpe, e mais do que isto, vindo do exterior, e em seguida houve o golpe dentro do golpe que elegeu o senhor Bolsonaro.

São dois momentos, e dois grupos de conspiradores: o primeiro ligado aos democratas estadunidenses, e formado pela elite liberal brasileira, com políticos de vários partidos, liderados pelo PSDB;  empresários, procuradores de justiça, as grandes empresas de comunicação de massa, militares, juízes, ‘com Supremo com tudo’, segundo a frase do senador Romero Jucá. O golpe foi aplicado por uma potência estrangeira, auxiliada por políticos e funcionários públicos, entre outras categorias, como a dos empresários, como o senhor Joesley Batista, que no dia 19 de maio de 2017, declara em alto e bom som, na TV, que havia dado 30 milhões a Cunha para comprar os deputados. (1)

O segundo grupo nasce do apoio dos republicanos, numa sequência em que os democratas patrocinam o golpe: em 12 de maio 2016, Dilma se afasta, e Michel Temer assume interinamente o cargo. Mas nesse mesmo 2016, enquanto no Brasil se procedia ao empeachment, aconteciam as eleições presidenciais nos EUA, a deposição de Dilma é concluída em Agosto, no final do ano, Donald Trump é eleito, e toma posse em 20 de janeiro 2017.

Deu tudo errado quando a Hilary perdeu a eleição; com a inesperada vitória de Trump, o golpe de inspiração democrata desmoronou: o republicano, no poder, passa a apoiar o candidato de extrema direita. A desorganização, e a debacle, entre os que promoveram o primeiro golpe, em aliança com os democratas, deixa claro a condução externa.  A conspiração se desorganiza pela ausência do gerenciamento norte americano. A ligação entre os vários grupos se fazia por essa centralização. Se assim não fosse a mudança de regime no país estrangeiro não afetaria tanto o andamento do que fora projetado, e o candidato peessedebista se elegeria. Mas não é o que acontece lá, com a virada política nos EUA viabiliza-se o golpe dentro do golpe, em que entram Steve Bannon e os algoritmos da Cambridge Analítica (a mesma que orientou o Brexit), com a eleição da extrema direita no Brasil em 2018.

Inclui-se ainda Olavo de Carvalho, instalado na Virginia, a poucos passos de Langley, a sede da CIA, e que atuou como aliciador de agentes para o projeto, caso do chanceler, Augusto Araújo, o ministro da educação Abraham Weintraub, o do meio ambiente Ricardo Sales; esse grupo, na medida em que o governo se aproxima do ‘centrão’, vai ser descartado.

Guerra Híbrida

O projeto inicial não teria partido dos brasileiros; os conspiradores atendiam pleito norte americano, no período do governo do democrata Barack Obama (2013-2016). O discurso teria a petroleira Petrobrás por tema: ‘- Face à situação da empresa, listada na bolsa de Nova York, e tendo conhecimento dos desmandos, e da alta corrupção entre a diretoria, somos obrigados a intervir, e queremos sua colaboração.’

Antes de fugir para a Rússia, Edward Snowden se disse abismado de que as comunicações governamentais no Brasil não passassem por criptografia; tendo atuado como integrante da NSA (National Security Agency), o ex- membro da empresa de vigilância de dados sabia o que dizia. O conjunto de dados contábeis das diversas diretorias da Petrobrás teria sido o coringa, usado para impor o projeto. O modo como se cooptou a elite politico administrativa brasileira a se aliar ao golpe.

Mas esses argumentos oficiais ocultavam os reais interesses geopolíticos da nação interventora, cujo objetivo maior não seria declarado, não se limitando à empresa de petróleo; o Brasil estava saindo da órbita do poderio norte americano, o distanciamento brasileiro ficara claro ao associar-se à Índia, China, Rússia e África do Sul, se engajando com o B dos Brics. O país parecia ter encontrado o seu destino, avançava para a África, e para o entorno da América do Sul, e Caribe, as descobertas do pré-sal vieram coroar essa perspectiva de autonomia e riqueza.

Em sentido contrário, o golpe incluía a destruição do núcleo dinâmico da economia brasileira. Os dados hackeados da Petrobrás são passados ao procurador geral, Rodrigo Janot, o qual libera a ação da força tarefa, previamente treinada nos EUA: Moro, e a equipe de procuradores, seriam as pontas de lanças do projeto; municiados com informações quanto a políticos, adversários, no poder, empresas fornecedoras, ou prestadoras de serviços, para a estatal.

A eficácia da guerra híbrida exige a coordenação precisa, e a orquestração da performance dos muitos atores. Enquanto jornais e TV repercutem as denúncias do Ministério Público, jornalistas se engajam na campanha, com manchetes e artigos comprometedores, incluindo a hilária atuação de humoristas televisivos treinados para afrontar, e ridicularizar, personalidades políticas do regime, desmoralizando os agentes públicos no poder.

Num terceiro nível vêm os grupos treinados para se infiltrarem entre os movimentos jovens que já existiam; transformando manifestações pacíficas em agitações violentas, incitando os manifestantes, e promovendo os confrontos de rua (black blocs). A logística inclui alimentação para os manifestantes (as kombis das quentinhas), financiada por empresários aliados. No dia, e hora, aprazados, os atos convergem ao objetivo maior de produzir confusão e desordem social.

A modelagem minuciosa do projeto conspiratório torna lícito pensar que até mesmo o 7 a 1, frente à Alemanha, poderia ter sido encomendado; para completar a desmoralização dos brasileiros, quebrando o orgulho nacional. De 12 de março a 26 de novembro, o país do futebol sedia a Copa do mundo de 2014; vem a frustração, e nesse clima de desmoralização se procede ao empeachment e à mudança de governo. A desorganização política do país se inicia aí, a economia, que vinha num crescendo, perde a direção, com o resultado da destruição de empresas, o desemprego, e o recuo à situação anterior de subordinação.

A Lava Jato desmorona quando surge o hacker de Araraquara, em 09 de junho de 2019 o The Intercept inicia a publicação dos vazamentos, mas isto já é outra história. O Walter Delgatti parece sim, alguém jogado no meio de uma luta geopolítica muito grande para ele, não demonstrando compreender a importância da sua própria ação; não seria impossível se aqueles mesmos, no centro da inteligência que realizou a conspiração, com a mudança de governo nos EUA, em 2017, tenham recebido a ordem de detonar com o golpe dos democratas no Brasil, vazando os dados, para favorecer os seus aliados da extrema direita.

(1) Entre outros media, a notícia foi dada no ‘O Estado de São Paulo’, no dia 20 de maio de 2017.

Antônio João é jornalista e escritor, publicou ‘Corações Divididos’ em 2010; ‘Contracultura’, 2018; e ‘O Significado da Vida’, 2023.

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