Os setores progressistas precisam de aula de liderança com Gabigol, por Roberto Bitencourt da Silva

Nas redes sociais não foram poucas as críticas a uma pretensa inércia popular, críticas especialmente oriundas das hostes politicamente progressistas.

Agência Brasil

Os setores progressistas precisam de aula de liderança com Gabigol

por Roberto Bitencourt da Silva

O presidente Jair Bolsonaro faz abertas e sucessivas pregações golpistas, com o propósito de fechar ainda mais o regime político a qualquer laivo de intervenção decisória dos de baixo nos destinos do país. A sua última pregação dirigiu-se despudoradamente ao mundo, por intermédio de uma conferência com embaixadores de outras nações.

As reações dos setores políticos da oposição e de demais formadores da opinião pública, que divergem em maior ou menor medida de Bolsonaro, orientaram-se por manifestações de preocupação com o processo eleitoral. Igualmente, com eventuais riscos à preservação das instituições e do ordenamento jurídico.

A ex-presidente Dilma Rousseff exigiu ação firme das instituições. O presidente do TSE, Edson Fachin, conclamou a sociedade civil para dar uma resposta. O jornalista Reinaldo Azevedo questionou o silêncio das entidades representativas do capital (CNI, Febraban etc.).

Nas redes sociais não foram poucas as críticas a uma pretensa inércia popular, críticas especialmente oriundas das hostes politicamente progressistas. É importante frisar que amplas faixas progressistas são constituídas por adeptos de uma percepção bastante depreciativa sobre o povo brasileiro. Não raro, este é tomado como um aglomerado de sujeitos inertes, passivos e incapazes.

Trata-se de antigas e reacionárias categorias de avaliação sobre a nossa gente, que ainda guardam bastante força simbólica. Elas são exploradas acriticamente, inclusive, sob a forma de contrabando, por segmentos da sociedade que se dizem comprometidos com as causas nacionais e populares.

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Muitos destes, fantasiados de vermelho e autodeclarados progressistas, deitam falação a favor de algum tipo de ação coletiva contra o golpe a vir. Mas, como dão a entender, essa ação não ocorre porque “o povo não sabe das coisas”, é “manipulado pela religião e a mídia”, “o pobre de direita é gado” etc… Com efeito, um povo de “segunda categoria” nada faz, eis o não dito.

Nesse sentido, não é demasiado lembrar alguns fatos. Já teve golpe em 2016 e outros microgolpes vieram na sequência, reconfigurando dimensões dos direitos coletivos e trabalhistas da população e do perfil de intervenção do Estado na economia. Reconfiguração sempre lesiva aos interesses do país e do povo.

A respeito, o mais importante a destacar: nesse intervalo de tempo, nunca, em nenhum momento, as elites políticas pretensamente progressistas, politizaram, esclareceram e convocaram o povo para a ação! Dilma foi deposta sem sequer fazer um pronunciamento em cadeia de rádio e TV, de sorte a elucidar os interesses envolvidos no processo golpista, as ameaças que então incidiam sobre a Pátria e os trabalhadores etc. Saiu do governo quieta.

Isso porque a aposta, lançada particularmente desde o início da experiência lulopetista de governo, perdurando até os nossos dias (senão mesmo sendo reforçada), foi uma aposta política que sempre se deu e tem se dado na transação interelites, fechada em gabinetes, apoiada exclusivamente nos gestos e nas práticas eleitorais. A transação pelo alto, de que nos falava o professor Florestan Fernandes.

Umas ponderações adicionais, mas rápidas sobre o tema:

  1. Não cabe desconsiderar limitações realmente existentes, em que muito daquilo que o filósofo Álvaro Vieira Pinto chamava de consciência ingênua se insinua no comportamento e nos esquemas de interpretação da vida em expressivos segmentos das classes trabalhadoras e médias.
  • 2. Mas, ao contrário da convencional e reacionária visão depreciativa que diminui o povo enquanto agente político dotado potencialmente da capacidade de escolha e ação, sobretudo os trabalhadores agem na esteira de firmes convicções e de uma agenda clara de lutas e reivindicações. Agenda e convicções enraizadas em suas economias morais e materiais. Agir deve ter como suporte convicção e senso prático. Cumpre indagar: existem fortes convicções que impulsionem a ação da maioria, não somente para refutar o nefasto presente, como também projetar futuro alternativo?
  • 3. Assim, elucubrações abstratas como “democracia versus fascismo” (que democracia? Qual seu conteúdo material e sentido prático no cotidiano?), tendem somente a sensibilizar faixas das próprias classes políticas e mui timidamente no seio do povo.
  • 4. A última e mais retumbante demonstração da capacidade de ousadia e iniciativa da nossa gente se deu em potente e bem organizada greve geral ocorrida 5 anos atrás. Ela envolveu inúmeras categorias profissionais do país inteiro e, efetivamente, incomodou o poder. Durante o dia inteiro canais de televisão mostravam as lamúrias de empresários que alegavam perdas de receita.
  • 5. Contudo, os “magos” que encabeçaram o vigoroso movimento paredista, nas centrais sindicais especialmente satelizadas pelo petismo, resolveram abortar o movimento e negociar com o poder. A frustração imperou entre os grevistas e os direitos trabalhistas e sindicais, por óbvio e em decorrência, foram mutilados.
  • 6. As classes dominantes domésticas patrocinaram o golpe de 2016 e já deram não poucas mostras de que irão aderir e promover qualquer nova empreitada golpista que for benéfica aos seus interesses estratégicos. Viver às custas da superexploração do trabalho e da entrega das riquezas e dos patrimônios nacionais para o imperialismo e o capital estrangeiro é o modus operandi da burguesia tupiniquim.
  • 7. Exemplo mais recente de capacidade de liderança e de estímulo à mobilização de massa quem deu mesmo foi um personagem alheio ao terreno político. Refiro-me a Gabigol. Semanas atrás, pela Copa do Brasil, após um revés do Flamengo contra o Atlético-MG, o craque rubro-negro saiu de Minas apelando francamente para a participação da torcida no jogo da volta no Maracanã. Usou até um instigante slogan mobilizatório: no Rio “eles vão ver o que é pressão e o que é inferno”.
  • 8. Em termos políticos, isso significaria identificar um antagonista, convocar a participação das suas bases sociais no processo decisório, fortalecer o engajamento e a identidade da própria base, não temer o exercício da contradição, do enfrentamento, da criação de pressão e mal-estar sobre os oponentes. Gabigol deu aula de liderança. Muita gente boa de lamentação infrutífera, mas débil de ação e olhar projetivo de Nação, poderia inspirar-se no artilheiro e rever certas ideias e hábitos políticos.

Roberto Bitencourt da Silva – cientista político e historiador.

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Redação

1 Comentário

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  1. Srs., fico admirado que um jornal com pretensão de seriedade tenha visão menor, relativizando uso de intimidação e violência, como apedrejamento de ônibus de delegação adversária, foguetório em hotel, ganhar com gol cuja bola não entrou, entre outras barbaridades, para se referir a mobilização popular.
    É sério msm !

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