Para historiador, eficiência da justiça de transição argentina é mito

Jornal GGN – Em entrevista ao Jornal GGN, o historiado argentino, Osvaldo Coggiola, professor da faculdade de história da USP, questiona a simbologia por trás da condenação e morte do ditador Jorge Rafael Videla, encontrado na sua cela na manhã da última sexta-feira (17). Para Coggiola, a prisão do ex-general foi apenas simbólica, e a grande maioria dos culpados pela repressão direta sequer foram ouvidos.

“A prisão de Videla é uma ilusão. Assim como a prisão de Luciano Benjamín Menéndez, foi muito tardia e devido a uma forte pressão dos movimentos de familiares de desaparecidos. Em alguns casos conseguiu-se um mínimo de satisfação” afirma o historiador, exilado no Brasil desde a ditadura em seu país. “Os (repressores) que já morreram o fizeram na cama, este morre na cadeia, e outros estão por aí, felizes e tranquilos, passeando”.

A morte de um símbolo

“Este é o momento de destacar que ele não atuou sozinho. Agora Videla está morto, e como está morto vão dizer: estamos livres do fantasma dele. Mas ele não foi sozinho, foram milhares de oficiais, foram partidos políticos que o apoiaram, foram as centrais empresariais, todos os que estão ganhando dinheiro e fazem da Argentina o que ela é hoje, foram os que apoiaram Videla. Agora eles estão com cara de anjinho olhando para outro lado, dizendo que estão felizes com a morte de Videla, quando a seu momento eles o usaram para seus interesses (…) quando ele cometia todos seus crimes, razão pela qual sua morte é comemorada, estava apoiando o governo militar”.

O pedido de golpe

“Eu morei na Argentina naquela época [antes do golpe militar]  e me lembro perfeitamente  de uma sessão de gala no teatro Colón. Todos os líderes políticos da Argentina aplaudiram de pé quando Videla, Massera e Agosti, que formariam depois a junta militar, chegaram e ocuparam um camarote. Toda a Argentina pensante aplaudindo de pé, em um momento de grave crise política, era como dizer: deem um golpe e façam o que quiserem. É óbvio que um golpe de Estado não acontece sem uma grande cumplicidade, meia dúzia de militaras não fizeram tudo. Isso foi feito por muita gente”.

Todos apoiavam o golpe

“Durante a guerra das Malvinas, ou melhor, a Ocupação das Malvinas, os militares convidaram os representantes dos partidos políticos para subirem em um avião para viajarem juntos às ilhas. Quem não subiu nesse avião? Os partidos estavam presentes, até o partido comunista viajou. Só não viajaram os perseguidos, mas os peronistas, radicais, etc. foram com os militares dizendo: Nós recuperamos as Malvinas.”

Crimes durante o regime militar

“Todos os crimes, sequestro, mortes, já eram conhecidos durante a ditadura militar, e esses grupos seguiram apoiando. Quando foi feita a campanha pelos direitos humanos na Argentina, foram distribuídos adesivos de carros dizendo Os Argentinos somos Direitos e Humanos. Defendendo o governo militar”. Para Coggiola todos os que apoiaram o governo militar sabiam o que estava acontecendo. “Minha mãe fez partos de desaparecidas, era enfermeira de um hospital público e fez partos com uma metralhadora na cabeça, de gente que era trazida de algum lugar, e depois levavam a mãe e a criança. Os partos eram feitos em hospitais públicos, a mulher era levada vendada, faziam o parto e depois os levavam na frente de todo mundo”.

Operação Condor

“Se a operação Condor for verdadeira, porque não prendem Henry Kissinger como cúmplice? Ele não vai pra cadeia porque isso é apenas uma cortina de fumaça. Existiu uma Operação Condor, sim, provavelmente existiu algum tipo de tentativa de coordenação e tudo isso, mas qualquer que seja o momento no qual tenha começado a Operação Condor, não explica Augusto Pinochet no Chile, não explica Juan Maria Bordaberry no Uruguai (…) dizem que a Operação Condor começou em 1974, 1975, mas Pinochet não estava matando em 74, ele começou em 1973”.

“Pinochet não esperou nenhuma ordem, nenhuma Operação Condor, nem nada para começar a matar. (Os militares latino-americanos) não eram tão estúpidos para esperar um norte-americano que os viesse coordenar desde fora, eles conseguiam se coordenar sozinhos. Sequestrar gente na Argentina e matá-la no Brasil, ou vice-versa, o que fizeram nessa época faziam sozinhos, não havia nenhuma necessidade de que os norte-americanos lhes dissessem o que fazer, ou que lhes dessem apoio logístico. Eles tinham como fazer isso sozinho”.

 

Revelações

“Teve um (militar) que falou, Adolfo Scilingo, e entregou os outros. Ele foi uma exceção absoluta, ninguém obrigou (os repressores) a falarem nada. Não foram interrogados sobre isso. Foram interrogados apenas sobre sua responsabilidade, e os que foram a julgamento foi uma minoria, cujo julgamento foi feito exclusivamente em torno dos fatos materiais. Todos os patrões que foram coniventes com o sequestro de trabalhadores dentro da fábrica não responderam a nada na justiça, e são tão responsáveis pelos desaparecidos e suas mortes quanto aqueles que efetivamente os mataram. As centrais patronais, das grandes empresas automotivas, já que muitos dos trabalhadores mortos não foram sequestrados em casa, foram levados de dentro das fábricas, chamados pelas patronais. As pessoas que fizeram isso onde estão? A justiça os teria condenado, mas sequer foram convocados para declarar”.

Governo Kirchner

Para o professor da USP o governo de Cristina Kirchner não deve fazer uso da morte do ex-ditador para fins políticos, “ela busca o voto conservador, existem grupos que apoiaram a Videla e que hoje a apoiam. O governo não deve lamentar a morte de Videla, mas também não vai falar que está contente com sua morte. O que teria que ser esclarecido, e que vai além do governo Kirchner, é se foi feita mesmo a justiça na Argentina”.

Os condenados

Para Coggiola, a grande maioria dos que participaram do aparato repressivo se salvou, sequer foi perseguida. “O único que matou e que está condenado é Luciano Benjamín Menéndez. Videla provavelmente não matou ninguém, não se envolvia nesse ponto. Já Menéndez matou um dirigente sindical na frente de todos os oficiais, no que ele chamou de Pacto de Sangue, com um tiro na cabeça. Vocês viram são tão responsáveis quanto eu, afirmou”.

 

Veja abaixo a palestra A guerra das Malvinas e a ‘democratização’ da América Latinade Osvaldo Coggiola, que fez parte do Cultura na SEDUFSM, em março de 2012:

 

 

 

Redação

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