Indenização por “terra nua” deve ser acrescido ao PL do Marco Temporal, agora no Senado 

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Com o voto do ministro Alexandre Moraes, o PL perde força no que tange a tese do marco temporal, mas acaba de ganhar uma alternativa

Mídia Ninja

Os povos indígenas passaram as duas últimas semanas mobilizados em Brasília, ou nos rituais, em suas aldeias, atentos à tramitação da tese do marco temporal embutida em um Projeto de Lei, no Congresso Nacional, e no julgamento de uma reintegração de posse, no Supremo Tribunal Federal (STF).

Na Câmara Federal, o PL 490/2007 foi aprovado e seguiu para o Senado como o PL 2903. No STF, o julgamento mais uma vez foi paralisado por 90 dias pelo pedido de vista do ministro André Mendonça. 

Antes do pedido de vista, Moraes votou e refutou a tese do marco temporal, acompanhando o ministro relator, Edson Fachin. Ocorrer que Moraes trouxe também em seu voto uma proposta controversa. 

Ele defende a indenização por “terra nua”, ou seja, pagar não apenas pelas benfeitorias, mas também pela terra aos ocupantes de boa-fé que estejam dentro de critérios pré-estabelecidos numa espécie de marco temporal para o pagamento de indenizações. 

No Senado, é bem provável que a bancada ruralista acrescente ao PL a indenização por “terra nua”. Com o voto do ministro Alexandre Moraes, o PL perde força no que tange a tese do marco temporal.

No entanto, o PL não trata apenas do marco temporal e prevê flexibilização do usufruto exclusivo da terra, medidas para abri-las à exploração de empreendimentos, mineração e turismo. Colocá-las no mercado.  

“O PL pode ter vida própria sem o marco temporal, e essas propostas vão mudando com o tempo. É bem possível que a bancada ruralista acrescente a indenização por terra nua ao PL, agora no Senado”, explica o advogado do povo Xokleng, Rafael Modesto.  

Para o ministro Moraes, a União deve indenizar integralmente o proprietário que, de boa-fé, adquiriu uma terra tradicional indígena antes da data da Constituição. Nos casos após o marco, a indenização deve ser apenas em benfeitorias.

Indígenas reféns

Neste momento, os povos indígenas, suas organizações políticas e aliados tentam analisar as propostas do ministro Alexandre Moraes anexadas ao seu voto, comemorado pelos indígenas, então pegos de surpresa pelo magistrado. 

“A indenização por terra nua não tem amparo na Constituição por própria proibição do parágrafo sexto do artigo 231, que impede a indenização da terra nua, assim como pagamento prévio das indenizações aos ocupantes e boa-fé”, entende Modesto. 

Assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Modesto entende que o voto do ministro “refuta a tese do marco temporal, do renitente esbulho e do impedimento de revisão de limites de terras já demarcadas foi muito importante no voto do ministro”. 

O caso da indenização por terra nua, porém, faz com que os indígenas fiquem refém de uma reserva financeira nada modesta da Advocacia-Geral da União (AGU) para o pagamento dessas benfeitorias de forma prévia. 

“Isso nós sabemos que pode inviabilizar a posse das comunidades. Mesmo com o procedimento demarcatório concluso, por falta de possibilidade de indenizar previamente e pagar a terra nua, a demarcação não será realizada”, diz.  

Permuta e negociatas

Há casos de ocupação de boa-fé em que a terra foi comprada em situação suspeita, comprando barato para vender caro, e no meio tempo toda degradada ambientalmente, chegando ao povo indígena desmatada, mas rendendo milhões aos bolsos de quem se beneficiou da indenização.     

No entendimento de Modesto, a mesma preocupação vale para outra proposta do ministro Moraes presente no voto: a permuta de uma terra tradicional por uma terra não tradicional. 

O foco das mobilizações

Na Câmara Federal, o PL 490/2007 acabou aprovado pela maioria da casa, com o apoio do presidente da Mesa, o deputado Arthur Lira ( /AL), e seguiu para o Senado Federal como o PL 2903, onde terá uma vida bem mais difícil.  

Lira declarou à imprensa que a intenção de votar o PL 490 era mandar um recado para os ministros da Corte Suprema de como pensam os deputados, ou seja, de que são favoráveis ao marco temporal. 

Nos bastidores, definiu aos líderes do governo que só tiraria da pauta a votação do PL se o STF retirasse da pauta do último dia 7 o julgamento do marco temporal, tese inconstitucional difícil de prosperar na jurisprudência da Corte.

O fato é que sem se intimidar, o STF retomou o julgamento da repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que discute uma reintegração de posse movida contra o povo Xokleng pelo Estado de Santa Catarina. 

“Esperávamos que o julgamento fosse finalizado, mas não chegamos a ser surpreendidos com o pedido de vista. Ainda mais diante de uma tese inovadora do ministro Alexandre de Moraes. Carece de mais reflexão, inclusive da nossa parte”, declarou o advogado do povo Xokleng, Rafael Modesto. 

Os votos até aqui 

Com o placar em 1 x 1, tendo o voto contrário ao marco temporal do relator, ministro Edson Fachin, e favorável do ministro Kássio Nunes Marques. Na ocasião, há dois anos, o ministro Alexandre Moraes pediu vista.

Portanto, com a volta, ele foi o próximo a votar e se posicionou contra o marco temporal, a favor do relatório de Fachin, fazendo uma proposta inusitada às cercanias do tema em questão: a indenização por “terra nua”. 

O ministro André Mendonça pediu vistas e, de acordo com funcionamento interno da Corte, quem pede vistas tem que em até 90 dias possibilitar o retorno do processo para julgamento ou a matéria será liberada de forma automática. 

A ministra Carmen Lúcia fez uso da palavra ressaltando essa diretriz. Já os ministros Paulo Roberto Barroso e o relator Edson Fachin pediram a fala para alertar ao ministro Alexandre de Moraes que a proposta da “terra nua” fugia do tema da votação e apresentaram discordância. 

Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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