Diário da Peste 13

Duas coisas chamam a atenção nos últimos dias.

Uma é a evidente corrosão do discurso que eleva os EUA à condição de país mais rico e poderoso do mundo. A cidade iluminada na montanha predestinada não pode mais servir como exemplo a todas as nações civilizadas do mundo.

Enquanto a China foi capaz de se organizar para derrotar o coronavírus com o mínimo de mortes, de construir Hospitais em tempo recorde e mantê-los abastecidos com tudo o que era necessário, os EUA é incapaz de fazer o mesmo. A pandemia avança rapidamente por todo território norte-americano e os profissionais da saúde daquele país sofrem com a falta de equipamento hospitalar.

https://nypost.com/2020/03/25/worker-at-nyc-hospital-where-nurses-wear-trash-bags-as-protection-dies-from-coronavirus/

Transcrevo abaixo três Twitters de uma jovem enfermeira do Oregon que eu conheço há algum tempo:

I don’t really know what I can say and I’m incredibley grateful to be working right now, but the situation in the hospital really is as dire as it sounds on TV. I’m at a loss for words as to how we can have such a dwindling amount of supplies.
https://twitter.com/ambiedextrous/status/1243373766039597056?s=19

This doesn’t even being to scrape the surface of the reality in the hospital right now. It’s not an exaggeration: WE NO NOT HAVE MASKS IN THE HOSPITAL.
https://twitter.com/ambiedextrous/status/1241582506412879873?s=19

The organization I work for has actually instructed us not to talk to the press about coronavirus ?
https://twitter.com/ambiedextrous/status/1233863011216945152?s=19

Além de relatar a carência de material hospitalar, Amber foi proibida de entrar em contato com imprensa. A incompetência ou perversidade da Casa Branca deixará de existir se não for percebida pelo respeitável público norte-americano?

No Brasil a luta contra o COVID-19 segue sendo atrapalhada por Jair Bolsonaro. O mito tentou reabrir os tempos religiosos por Decreto, mas a Justiça rapidamente suspendeu os efeitos daquele ato administrativo.

Algumas carreatas em favor do encerramento da quarentena foram realizadas. Sobre esse assunto amigo inglês disse o seguinte:

We do not have a phenomenon such as this.
https://twitter.com/not3bad/status/1243589038096953344?s=19

O governador da Bahia mandou proibir a carreata agendada para ser realizada em Salvador no dia 29 de março. Teremos que esperar para saber se a ordem dele será respeitada ou se a vontade dos bolsonaristas conseguirá prevalecer na capital baiana.

Ao defender as carreatas no Twitter os seguidores do BolsoNero estão dizendo que ninguém será exposto a risco se os manifestantes ficarem em seus carros. O que merece ser discutido não isso e sim o que eles pretendem obter.

Em total segurança os manifestantes querem interromper a quarentena e expor a risco as vidas das pessoas que serão obrigadas a usar ônibus, trens e metrôs lotados durante uma pandemia mortal. Isso basta para qualquer jurista concluir que eles estão sujeitos ao art. 132, do Código Penal.

Essas carreatas realmente devem ser reprimidas e o governador da Bahia está de parabéns. Ele deveria servir de exemplo para os seus colegas.

Desesperado, Bolsonaro disse que os prefeitos e governadores deverão indenizar os prejuízos causados aos empresários. Além de não ter poder para julgar essa questão em última instância (só a cúpula do Judiciário poderá fazer isso), o presidente brasileiro demonstra estar muito mal assessorado juridicamente. A administração pública não pode ser responsabilizada por danos causados a terceiros em virtude de, compelida por uma necessidade inadiável causada por fato imprevisto e imponderável, ter agido para salvar as vidas dos cidadãos (inclusive as dos próprios empresários descontentes).

A campanha em favor da retomada das atividades econômicas liderada pelo mito levou a guerra de classe a um novo patamar. O objetivo de uma parcela da elite brasileira (aquela que está perdendo dinheiro na Bolsa de Valores em razão da quarentena) não é mais submeter e explorar os operários para acumular “mais valia” e sim fazê-los morrer e matar seus parentes idosos.

O risco de morte por contaminação durante a pandemia é minimizado pela crença na imunidade garantida pelos pastores. Essa união entre a perversão religiosa e a irracionalidade econômica não tem qualquer paralelo histórico. Trata-se de uma novidade que merece estudo.

No mais, devo dizer que sobreviver à quarentena não é difícil. A rotina ajuda.

Acordo cedo tomo café e acompanho as principais notícias pelo Twitter. Escrevo meu Diário da Peste e tomo banho. Depois sento no computador para trabalhar sério: resenho um livro que já li ou faço uma análise mais sofisticada do que está ocorrendo.

Lá pelas 12 sento na TV para ver meus programas preferidos da DW e tomo uma taça de vinho. Almoço mais tarde. E então vejo um filme e documentários da BBC. A noite leio um pouco e vejo outro filme.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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