Isso é cadeia, vagabundo!, por Samuel Lourenço

Foto Max Aguiar – fragmento

“Isso é cadeia, vagabundo!”

por Samuel Lourenço

Ser conduzido até um espaço de privação de liberdade é saber que o rito de esculacho está só começando. A epígrafe, é um grito de alguns agentes já na recepção, a intenção é te fazer saber que a partir de agora, o jogo é outro. E o dono do apito também. Ao entrar na cadeia, o cidadão é destruído, para que o interno, o vagabundo, o bandido, o apenado ou o condenado surja, e com força, nada mais justo que afirmar: é desumano! Não tem esse treco de direitos  humanos. Tem é resoluções, portarias, decretos… E duras leis.

Com as mãos para trás e a cabeça baixa, você se apresenta diante do guarda. Olhar nos olhos é insubordinação: “tá querendo gravar minha cara? Que saber se me conhece de algum lugar!? Abaixa a cabeça, porra!” – diz o agente, às vezes a fala é sucedida por um tapão no pescoço, nesse caso, o abaixar a cabeça acontece mais rápido.

Não demora muito e algum preso colaborador tem a obrigação de cortar seu cabelo. Corte de cabelo, em geral, é compulsório. O nome já não existe, e o cabelo vai deixando de existir também. Dizem que é por questões sanitárias, outros dizem que é por questões de higiene, um ato de precaução diante de surtos eventuais de alguma moléstia. Para que o humano não adoeça a humanidade do sujeito vai sendo retirada, gradativamente. Sem falar no rito de visitação, que demora semanas para acontecer. Se o documento estiver em mãos, o cadastro é feito em certo prazo… E para aqueles cujos familiares não possuem documentações básicas ou moram longe. Bem, deixa pra lá.

Não há escolhas! Vai comer na hora que a comida chegar, e vai tomar banho somente na hora que a água for liberada. Não se trata da suspensão das vontades. É simplesmente a coerção do indivíduo em coisas mínimas. E se rolar uma vontade de ir ao banheiro na hora da contagem dos presos (confere numeral ou nominal)? Sejamos justos, tem guarda que conta a cela com o preso no banheiro, mas em geral vai aos gritos entrando na cela e exterminado a vontade do organismo. Quem fala que a merda não volta pro rabo, não sabe o que é ser surpreendido no confere enquanto está defecando.

As paredes cinzas, celas sujas, uma roupa padrão que acaba virando uniforme. Talvez te permitam usar bermudas, mas isso, só dentro da cela. Daí  passa a perceber que até aquela blusa com nome e número de candidato politico é mais colorida e bonita que qualquer coisa dentro da cela.

Os sorrisos, estão amarelados. Dizem que é o cigarro, outros dizem que é o café. Mas há a falta de tratamento, sorrisos que são destruídos por creolina utilizada como remédio, e no geral é dor mesmo, não dor de dente. Falo de dor que a cadeia provoca. Não há como manter um sorriso bonito no percurso da Execução Penal, seja ela provisória ou definitiva. Pois agora, já não restam culpados ou inocentes, estão todos condenados, ainda que estejam na fase inicial do processo criminal.

Quando o guarda grita: “isso aqui é cadeia!”, ele não quer te mostrar a grade ou o cadeado, ele quer falar que o sujeito tá preso e que a cidadania está solta, na pista, e talvez na boca de um monte de gente que discursa por aí. Na prisão, a grade é um ínfimo detalhe. “Há muitos tons de cinza entre o branco e o preto”, ouvi essa frase de um professor na cadeia (MMN), hoje compreendo melhor.

Talvez seja isso, projeta-se o crime e o criminoso, para que todas as violações possíveis se estabeleçam. Nesse caso, a tonalidade entre a justiça e a vingança tem vários tons.

 
Samuel Lourenço Filho

12 Comentários

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  1. O Brasil para o futuro e outras zombarias.

    Enquanto isso, no país da globulândia, ouvimos o eco da ladainha:

    Eu me chamo teleguiada, falo de globonópolis, e o Brasil que eu quero para o futuro é:

    … 

     

    1. O ano exato da criação do

      O ano exato da criação do poema é incerto, mas Silvio Romero, em Cantos populares do Brasil, registrou os versos em 1885. O original era “Batatinha quando nasce / Deita rama pelo chão; Mulatinha quando deita / Bota a mão no coração”, alusão aos assédios de patrões sobre mucamas na época da escravidão. 

      https://super.abril.com.br/blog/oraculo/batatinha-quando-nasce-esparrama-pelo-chao-quem-criou-esses-versos/

  2. “HÁ MALES QUE VEM PRA BEM”,

    “HÁ MALES QUE VEM PRA BEM”, diz o velho adágio. 

    Que sabe, possamos viver numa sociedade melhor quando essa essa bolha, a se formar cada vez mais estufada, venha a explodir como tantas, e todas. 

    Ultimamente tem se falado e tratado demais a respeito de prisões, de encarceramentos, de injustiças com prisões delongadas por pessoas inocentes, ou sem nenhum traço de incapaz para o convívio social. 

    Por um lado, todo mundo pode pensar ser importante também se investigar corrupções, abrir inquéritos, tornar réus de colarinhos brancos. De fato, é o que toda sociedade aguarda das autoridades de seu país. Foi isso que chegou com Moro e a Lava Jato, e trouxe esperanças a uma maioria, no sentido de se seguir o objeto da Operação, e consequente êxito, porém com base total na constituição, na justiça, que é a Lei Maior.

    Nem mesmo Lula negou, algua vez, seu favorecimento ao combate à corrupção. 

    O problema é que, pouco a pouco, Moro foi tomado de uns sentimentos pessoais contra Lula e o PT. Foi ficando vedete demais, ora se deixando fotografar com os donos da Globo, ora com Michel Temer, Eduardo Cunha e Aécio principalmente Aécio, em momentos que Dilma era levada ao sacrifício. Foram sucessivas imagens e falações desse juiz que passaram a lhes dar cada vez menos credibilidade para aqueles que não suportam injustiça, e em especial para os que são petistas, e acompanham as fases da Lava Jato, de per si. Em cada operação a gente verificava a subserviência do juiz em relação à Globo, e aos Estados Unidos, onde já estabeleceu como sua segunda, ou primeira casa. 

    Tudo converge para sentimos, fundo, o entrelaçamento de uma organização anti-patriota, onde se inserem imprensa, Moro e sua turma, o STF, os bajuladores de Temer, ele incluso, e, claro, o principal ator de tudo: Estados Unidos. 

    E dá muita dor no coração saber que Lula virou mesmo o trunfo desse juiz, ao prendê-lo, mas também em não sossegar enquanto tudo mais que foi alinhavado lá atrás, com respeito aos outros processos, seja aremamatado e engomado, e entegue ao freguês como pedido.

    São os discursos de Requião, muito consistentes, e até repetitivos, que mais tem dado a senha sobre o que está acontecendo por esta Terra de Cabral.

    Mas, talvez, possamos vislumbrar algum horizonte. Não sabemos quando. As coisas se complicam mais com as ações de Moro, incansável em sua perversidade, como citou Gilmar, embora seja ele muito responsável por essa perversidade que ora lhe desagrada sem sabermos por qual razão, com a única certeza de nãos ser pela beleza de Lula. Mas, enfim, qualquer coisinha pode nos servir de lucro. 

  3. Isso é cadeia….

    ” …Nesse caso, a tonalidade entre a justiça e a vingança tem vários tons…” O Cidadão é destruido? Então você quer repassar à Sociedade, a responsabilidade que é do Criminoso? É a síntese do: ‘morreu por que reagiu’. Inacreditável !! Ele (criminoso) não está nesta condição pelas suas próprias escolhas? Mas a opinião, aqui escrita, revela por que estamos nestas condições em pleno 2018 e toda Bipolaridade Tupiniquim. Estamos tratando do Encarceramento de Criminosos ou das Condições deste cárcere? Se sobre Encarceramento ou Condições deste Cárcere, ainda bem que vocês enxergaram isto após 40 anos Redemocratas. 30 anos apenas sob uma tal Constituição Cidadã. 1/4 de século sob a proteção de Governos afamados Progressistas e Socializantes. E lembremos que mais de 90% dos Encarcerados nasceram neste período progressista. Incompetência, omissão e mediocridade são responsabilidades de quem acusa o Sistema, por suas ações, que já duram mais de 1/4 de século.  O Brasil é surreal. Mas se explica.     

     

    1. Qto. mais vc disfarça mais se confunde e mais se desnuda

      Esse teu papinho de cerca-maré não engana niguém seu zé.

      Diga a que vem, tira logo a roupa, as botas, o quepe e os óculos escuros.

      Se “explique”, que nem esse teu Brasil aí.

  4. Amostra grátis do sistema punitivo brasileiro…

    …afasta crianças, das já precárias “escolas” públicas, visando mandá-las prá cadeia. Rouba-se o dinheiro da educação e cobra-se os juros o resto das vidas, dopadas e escravizadas.

  5. e enquanto isso……

    O Senado aprovou nesta terça-feira (10) projeto que proíbe o contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP). O PLS 90/2007

    http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-04/senado-aprova-proibicao-contingenciamento-de-verbas-de-fundo-de-seguranca

    Mas as verbas para educação e saude continuam “contingenciadas”……….vamos longue dessa maneira…..depois bacana se espanta com o nivel de violencia do pais……o que não se gasta em escola, se gasta mais tarde em construindo prisão………..simples…….

  6. Relato duro, nu e cru de um presídio brasileiro

    Não sei se o autor do artigo relata (triste) experência por que passou ou se faz relato jornalístico. 

    Mesmo os que não passamos por essa masmorras temos uma idéia nítida do que são esses espaços de tortura e desumanização das pessoas condenadas por algum crime. Basta ler a seminal obra de Michel Foucault, Vigiar e punir. Sem delongas, já na primeira página, o filósofo francês joga direto na cara do leitor:

    [ CAPÍTULO I O CORPO DOS CONDENADOS [Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da poria principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.1 Finalmente foi esquartejado [relata a Gazette d’Amsterdam].2 Essa última operação foi muito longa, porque os cavalos utilizados não estavam afeitos à tração; de modo que… ]

    Portanto tudo o que se diz acerca da prisão, direitos humanos, respeito à dignidade do preso apenado, etc., tudo isso, quae sempre, é mera perfumaria, para esconder as violências cometidas contra auqles que adentram as masmorras que chamamos de presídios e cadeias. As exceções, alguns países nórdicos e europeus, apenas confirma a regra geral, vista em centenas de outros paíse, nos diversos continentes.

    Os que defendem mais prisões e aumento das penas – como esses nazifascistas boquirrotos de sobrenome Bolsonaro e apresentadores de programas policialescos – deveriam passar pelo menos um mês nessas masmorras, experimentando o mesmo tipo de abusos e violências cometidos contra os detentos, antes de dizeram absurdos no rádio e na televisão.

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