O trabalhador de cashmere, por Sergio Saraiva

O que ocorre quando a classe-média se ausenta das urnas e o povo está de saco-cheio com elas?

por Sergio Saraiva

O Brasil vive uma polarização entre direita e esquerda. As eleições municipais de 2016 apontam para uma guinada do Brasil para a direita. As eleições municipais de 2016 apontam para um grande desinteresse da população em relação à política.

Afirmações antagônicas. Todas verdadeiras e todas incompletas.

Analisemos. Para este texto tomarei dados da cidade de São Paulo. Por óbvio, ela não representa o Brasil na sua totalidade, mas é um termômetro que espero adequado da temperatura política nacional.

Vai indo que eu não vou

Talvez a afirmação com mais consistência de realidade seja o desinteresse da população em relação à política. E o comparecimento às urnas e seus níveis de brancos e nulos sejam um indicativo disso.

Na eleição para prefeito de São Paulo em 2016, 34,8% são não votos – abstenções, nulos e brancos. João Doria elegeu-se em primeiro turno – fato inédito – com um décimo a menos – 34,7%, quando se considera o total de eleitores e não apenas os votos válidos.

Abstenções são um dado contaminado por eleitores já falecidos e por eleitores não mais residente no município, mas ainda registrados como eleitores. Porém, nesta eleição, são o dado mais importante para entendermos o “desinteresse da população”. Entre 2012 e 2016, o índice de abstenções, quando considerado o total de eleitores paulistanos, aumentou em 70% – passou de 12,8% para 21,8%.

A pergunta chave é: qual classe social pode exercer a prerrogativa de não comparecer às urnas?

Resposta: as classes médias e alta. Elas têm ciência de que as sanções são mínimas, uma pequena multa. Mas há necessidade de comparecer ao juízo eleitoral para justificar-se. Demanda tempo, deslocamento e ausência do serviço. Custos altos para o povo.

Assim, é bem possível que o “desinteresse da população” em termos de não comparecimento para votar esteja concentrado nos estratos mais ricos e escolarizados da população.

Um país dividido meio-a-meio?

Existe uma polarização que divide meio a meio as opiniões a favor da direita – entenda-se o antipetismo – e da esquerda – aqui não necessariamente o petismo, mas sem dúvida a ele associado.

Fenômeno de difícil explicação. Como pode o petismo sujeito a um massacre midiático-judicial há três anos conseguir não só resistir como manter o apoio de 50% da população? Como é possível dividindo a população meio-a-meio sofrer o revés político que sofreu em 2016. Perdeu 61% das prefeituras que havia conquistado em 2012.

Simples.  Apenas 20% da população estão engajados nessa polarização. O grosso da população, e por via de consequência, 80% do eleitorado, é indiferente a ela. Ocorre que os tais 20% são os 20% tratados por “formadores de opinião”.

Para demonstrar tal característica do nosso momento político, retornaremos a março de 2016, quando das grandes manifestações políticas na cidade de São Paulo. Com dados da Folha de São Paulo.

Lá estão o petismo e o antipetismo na população paulistana.

Fácil notar que a polarização se dá no estrato mais escolarizado da população. Em São Paulo, representa 20% da população – com base no Censo 2010.

E os outros 80% da população, não têm opinião política? Claro que têm, mas não estão participando dessa polarização. Dirão o que pensam nas urnas, não nas ruas.

O trabalhador de cashmere

Logo, por esta análise, aqui em São Paulo, uma característica destas eleições municipais de 2016 foi a ausência nas urnas da parcela mais politizada e escolarizada da população.

De qualquer modo, a eleição de João Doria – um integrante da “crème de la crème” paulistana, com apoio das periferias não deixa de ser um fato a chamar atenção. Mas, dai a dizer que exista uma guinada à direita tem a mesma validade de dizer que o país está dividido meio-a-meio.

Mas os resultados eleitorais não mostram isso?

Sim e não. O povo é conservador. Conservador no sentido de ser avesso ao risco e assim manter a situação que se lhe apresenta mais favorável ou menos arriscada. O povo só muda em situações de crise. A eleição de Haddad e a reeleição de Dilma em meio a uma contínua campanha midiática antipetista, mas com bons resultados econômicos – 4,3% de desemprego em 2013 e um aumento de 33% da renda média do trabalho na era petista, antes do grande desastre de 2015 provocado pela insurreição burguesa, exemplificam bem isso.

Pois bem, frente ao desastre de 2015 e 2016, o povo resolveu mudar. E mudar significava tirar o PT do poder. Mas não elegeu necessariamente o PSDB – nem à direita, nem à esquerda  – em São Paulo, elegeu o não político.

O trabalhador de cashmere e suas soluções mágicas.

 

PS: este Oficial de Plantão trabalha desde menino e, talvez por isso mesmo, necessitou do auxilio de um dicionário ilustrado para saber o que significa cashmere.

Redação

13 Comentários

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  1. Não sei porque esse

    Não sei porque esse sociologês sem analisar os números em si. Já foi mostrado pelo Fernando Brito, com base num artigo do José Toledo (Estadão), que a abstenção foi maior nos bairros mais de periferia do que nos ricos na capital paulista. Isso levou o Doria a dispar meio que “do nada”. Ele já estava na frente, é fato, mas essa maior abstenção nas periferias deu um peso relativo maior ao voto dos bairros ricos, onde o Doria já era mais forte.

    A lógica é simples: a imprensa prega a não-política, diz que todos são ladrões e que não prestam, etc, mas na hora de precisar agir e fechar com um candidato, a elite é muito mais unida e vai para a ação. A pregação da não-política é para consumo, é só discurso demagógico. É igual ao discurso das passeatas coxinhas de verde-e-amarelo, que diziam que queriam mais escolas e menos gente morrendo nos hospitais, mas hoje organiza milícias fascistas para bater nos estudantes que lutam por isso.

    Temos que ter atenção ao cinismo como método e instrumentalizado de maneira quase natural pelos integrantes das classes mais altas. Não a toa estão no poder há séculos, enquanto o povo só consegue breves respiros por curtos intervalos ao longo da história, com governos progressistas bem moderados, a propósito. Vejo muito esse erro ser cometido. Muitos presumem sinceridade na direita e partem suas análises já dessa base comprometida de início. Por exemplo: dizer que Fernando Holiday, do DEM, seria uma interseccionalidade entre diversas identidades políticas (gay, de direita, negro, etc). Isso é um erro tremendo. Ele não é nada disso. É apenas alguém cooptado para agir de determinada maneira. É um cínico. Ele não é nada. 

    Ou a gente entende isso de uma vez ou vamos continuar analisando o nada, com base em nada.

    1. Sem discordar em nada,

      mas apenas para reafirmar a lógica do texto.

      A questão das abstenções não está posta em uma comparação entre distritos ricos e distritos pobres, mas entre 2012 e 2016.

      E ela aumentou 70%. Menos pessoas votando facilitou a vitória de Doria em primeiro turno.

      Quanto a Hadad, até onde acompanhei as pesquisas, ele estava bem entre os coxinhas descolados e entre os mais escolarizados. 

      Se esse povo se desinteressou das eleições, e essa é a hipótese que o texto apresenta, Haddad perdeu a parte do eleitorado que poderia ter levado-o ao segundo turno.

      Seria outra eleição? Sempre é. Hadad poderia, pelo menos ter desmascarado o “João Trabalhador”.

      Ganharia? Provavelmente não. O povo já havia decido mudar.

      E escolheu o que se apresentava como não político. 

      Politicos de direita e conservadores eram o Russomanno e a Marta e eles ficaram atrás de Haddad.

       

  2. Sérgio, tem que tomar cuidado

    Sérgio, tem que tomar cuidado com a estatística. Existem milhares de piadas com a interpretação da estatistica. Só um exemplo: Está provado que fazer aniversário é saudável. Estatísticas mostram que pessoas que fazem mais aniversários vivem mais.

     

     

      1. Um exemplo, do jeito que vc

        Um exemplo, do jeito que vc apresenta os dados parece que o número de pessoas que apoiam o golpe e os que são contra o golpe é semelhante. Quando na verdade o que vc mostra é que a ambos apoios tem a mesma distribuição social. Provavelmente, o número de apoio ao golpe neste extrato social mais alto é muito maior.

      2. Um exemplo, do jeito que vc

        Um exemplo, do jeito que vc apresenta os dados parece que o número de pessoas que apoiam o golpe e os que são contra o golpe é semelhante. Quando na verdade o que vc mostra é que a ambos apoios tem a mesma distribuição social. Provavelmente, o número de apoio ao golpe neste extrato social mais alto é muito maior.

  3. Continuo achando que essa
    Continuo achando que essa frase que você escreve no rodapé de sua página,indigna de um suposto intelectual,ultrapassa quilômetros as fronteiras do ridículo,servindo como um epitáfio sobre qualquer comentário que OUSAR fazer.Um horror.

  4. Muito peso e pouco valor

    Quem foi o marqueteiro jenial que usou esse cashmere como símbolo da campanha de Haddad?

    Realmente o marketing político não vale tudo que pesa…

  5. Eleições

    O fato é que tanto direita e quanto esquerda não querem enchergar, esse sistema político e todas as suas regalias não representam mais o povo brasileiro. Os votos nulos, brancos e abstenções somados foram maiores tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro. O povo está de saco cheio de tudo isso, temos que rever tudo e vai ser assim em 2018.

    Qual é a dificuladade de enchergar isso. O povo não quer mais vereadores, não suporta mais os previlégios, não suporta mais os toma lá, dá cá, não suporta mais carreira política (profissional da política), não suporta mais esses políticos que ai estão, o povo está querendo mudança.

    O povo está querendo auditoria da dívida pública, o povo está querendo saber quem é que recebe esses juros estrupadores, o povo quer que seja feita uma reforma política e que espulsem todos esses que ai estão.

    Lí em um artigo que o Lula não sabe o que foi a passeata de junho de 2016. Porra está de sacanagem !!!

    A passeata foi tudo isso ai e muito mais que está relacionado com a frase o povo está de saco cheio.

  6. Dados objetivos dessa eleição
    Dados objetivos dessa eleição que não vi sendo repercutido na grande mídia: a eleição de um grande número de outsiders. João Dória, a despeito de pertencer ao PSDB, se vendeu como um “não-político”. Idem o Alexandre Kalil em Belo Horizonte. Osasco elegeu um quadro do PTN. Guarulhos elegeu Guti, um quadro jovem do PSB. Crivella, apesar de ser um político mais conhecido, pertence ao PRB, e cansou de criticar a “velha política” representada no PMDB carioca, como se dela não fizesse parte. Acredito que os candidatos eleitos souberam explorar a insatisfação popular com o momento econômico desfavorável, aliado ao sentimento difundido pela grande mídia de negação da política. Comparando as votações do PSDB na cidade de São Paulo nas eleições municipais de 2012 e 2016, percebe-se que o número de votos recebidos tanto por Serra quanto por Dória é praticamente o mesmo. O que caiu, e caiu muito, foi a votação recebida em ambos os pleitos por Haddad. Uma queda brusca realmente. Podemos concluir então que muito desses votos nulos e brancos, além das abstenções, foram de eleitores que costumeiramente votavam no PT e na esquerda, não necessariamente os mais ricos e escolarizados.

  7. Algumas colocações para as eleições de 2016

    Pensando no Eleitorado existente saiu este texto, ideias minhas, coloco aqui para reflexão. 

    Bolso cheio ou vazio decide eleição no Brasil

    Uma discussão que precisamos resgatar na hora da análise do voto do brasileiro é a constatação de que a maioria do eleitorado vota pelo bolso e decide uma eleição este voto.

    Quando a economia começou a ratear pós Levy a população sentiu no bolso.

    Claro, que juntamos neste quadro eleitoral atual a criminalização da Política e das esquerdas, em especial a destruição das imagens do PT, Lula e Dilma fabricadas pela velha mídia oligopólica e corroboradas pelo Judiciário by Moro. E a Política do Legislativo by Cunha & PSDB do quanto pior melhor. 

    O voto de 2016 é uma mistura de antipolítica, anti-petismo e bolso vazio.

    Votaram pela mudança os que votaram em candidatos novos, fora dos quadros partidários tradicionais ou abstiveram ou anularam ou votaram em branco, em grande parte eleitores que a mídia foi capaz de cooptar pelo lado negativo da não política. Juntando é claro o episódio patético do voto dos deputados e senadores no Impeachment (aqui temos um estudo a ser feito, que parcela ao ver o fatídico dia da votação na Câmara entrou no grupo seleto das abstenções, brancos e nulos).

    Dória, Crivella, Kalil, etc. ganharam porque alguém ganha, como em 2014 ganhou Dilma com pouco mais de 1/3 do eleitorado votando nela. Nada diferente de 2016.

    Este processo de desalento para com a Política é para ser pensado como centro da discussão e de como a Velha Mídia capitaneada pela Rede Globo consegue criar na população média uma revolta contra a Política, os partidos políticos e os políticos.

    Temos uma parcela da sociedade que vota na centro-esquerda, seja quem for o candidato. Temos uma parcela que vota na direita seja qual for o candidato, aqui, talvez, um diferencial, numa parcela mais liberal da direita consciente o voto em um candidato como Crivella seja impensado. Freixo teve mais votos nos bairros da Elite carioca do que Crivella. Mexer em liberdades individuais é uma situação que a direita meritocrática liberal não aceita.

    Podemos fazer uma tabelinha bem didática:

    Dividamos, grosso modo, em três grupos o eleitorado (voto-válido):

    25% que vai votar na centro-esquerda;

    25% que vai votar na direita;

    50% que vai votar pelo bolso.

    Hoje, fazendo a ressalva da parcela de extrema-direita que é um conjunto do eleitorado separado dos demais – por volta de 10% da sociedade.  E a extrema-esquerda que quase não tem votos. E juntando votos brancos, nulos e abstenções, que anda forte.

    Vencer uma Eleição é cativar o eleitorado que vota pelo bolso, eleitorado sem uma Ideologia definida e que muda de lado se vê que o mar não está para peixe. Neste grupo não há predominância de meritocracia nem a ideia de Estado forte. Reina a lógica do como está a sua vida financeira.

    Incutiram na cabeça deste eleitor o caos. A crise se aprofundou com a direita golpista fazendo de tudo para derrubar Dilma, o que aconteceu. E vem o tempo da observação, porém, ele tende a ser passageiro e as pesquisas para a Eleição de 2018 já demonstram a observação virando recall (memória) dos tempos de Lula no Poder + primeiro mandato de Dilma e Lula está crescendo nas pesquisas, a cada dia que passa.

    Cada dia do Governo Temer o Golpe vai se enfraquecendo eleitoralmente e o candidato que encheu o bolso da população cresce. A novidade vai se esgotar em breve. O problema é o que pretendem fazer para a novidade ficar no Poder sem respaldo do voto popular e se vão conseguir impugnar Lula e seu bolso cheio em 2018.

    Os prefeitos da direita eleitos em 2016 estão numa situação complicada. Prometem o que não podem cumprir com a PEC 241, agora, PEC 55 sendo aprovada no Senado.

    O bolso vai continuar vazio, cada dia mais vazio. O Prefeito não vai conseguir, minimamente, sanar problemas básicos de sua administração, certo? Postos de Saúde, hospitais, consultas médicas, equipes de Saúde da Família, creches e demais serviços de assistência social em declínio.

    Emergirá outro voto em breve.

    A Velha Mídia não conterá esta guinada, que em 2016 deu um voto nada Ideológico, apenas de mudança e que as esquerdas não foram capazes de obtê-los, talvez, por causa do próprio Sistema Eleitoral produzido de forma proposital para que não houvesse uma campanha de maior profundidade e expositiva dos candidatos, sem contar que as esquerdas para além do PT são incipientes.

    E, só houve chances de se tematizar sobre a corrupção no período eleitoral. Temática capaz de produzir a máxima no brasileiro médio: o maior problema do Brasil é a corrupção. Saneada e com um passe de mágica adentramos no Primeiro Mundo.

    Tirando o PT quem têm votos para valer nas esquerdas? Falo em esquerda genuína, ok? Não PDT e PSB que foram no passado legendas da esquerda sem dúvidas de conceituá-las assim.

    Venceram oposicionistas ao nosso ideal de candidato porque era o que se apresentava como novidade e com espaço na mídia e com chances de não serem destruídas suas imagens. E, claro, não há como não dizer que o PSOL e PCdoB, talvez, não representem com a devida validade o ideal do  eleitorado médio brasileiro.

    Precisamos deixar a ingenuidade de lado e saber que o Brasil tem uma população individualista, educada para uma visão meritocrática*** das suas conquistas; boa parcela trafega dentro de princípios cristãos e é conservadora nos costumes. E influenciada pela Televisão, em especial pela Globo e os datenas da vida, aumenta em muito o conservadorismo do pensamento médio.

    Agora, o que pode dar uma guinada para a esquerda, novamente, aqui um ponto principal, é o discurso que atenda o bolso do eleitor e que possa trabalhar em conjunto com uma Educação Política, para saber quem se interessa em melhorar a vida do eleitor e quem olha para apenas o 1% da sociedade, lá do alto da pirâmide socioeconômica.

    Não busquemos Revolução em um País, onde, são pacatos os seus habitantes.

    Aqui se quer é uma vida cotidiana média, sem sobressaltos, sem muita novidade além do relacionamento com familiares, amigos, com o trabalho, o consumo e a balada + férias 1 vez por ano.

    Foge deste discurso, se desliga desta realidade perde Eleição.

    Dilma foi enredada na conjuntura desejada pelas elites brasileiras? Foi.

    A população média não conseguiu perceber. Porém, vai perceber e mudar seu voto com o caos que se apresenta e crescerá daqui para frente.

    A loucura da terra arrasada e extremada nas medidas antissociais de Temer & Cia + aliados do Golpe vai refletir mais rápido do que se imagina no voto.

    O eleitor do bolso cheio em 2018 estará em disputa.

    Quem souber cativá-lo melhor, vencerá, sempre ponderando, se houver Eleição.

    *** A meritocracia não adere em um Governo que até a aposentadoria, férias, 13º, etc. quer radicalizar para pior na vida das pessoas, penso eu. Até a meritocracia Temer & parceiros do Golpe repelem. 

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