O que Bolsonaro, Moro e a excludente de ilicitude têm a ver com chacina no Guarujá

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
[email protected]

Um homem indicado em boletim de ocorrência como indigente se tornou a 16a vítima fatal da Operação Escudo. Excludente vem sendo usado

Policiais sitiaram comunidades onde mortes foram registradas. Foto: reprodução Facebook/Brasil de Fato

Por mais que o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), esteja “extremamente satisfeito” com a Operação Escudo, da Polícia Militar, em resposta ao assassinato de um agente da Rota, no Guarujá, novas informações conferem a ela não uma resposta das autoridades, mas ação de vingança e retaliação respaldada pela excludente de ilicitude. 

Um homem indicado em boletim de ocorrência como indigente se tornou a 16a vítima fatal da Operação Escudo ao ser cravejado de tiros de fuzil e pistola na tarde desta segunda-feira (1) no bairro Sítio da Conceiçãozinha, confirmando denúncia de moradora da região ouvida pelo GGN

Conforme apuração do jornal Folha de S. Paulo, moradores testemunharam a polícia colocando armas no local da ocorrência e ameaçando os presentes a confirmarem a versão de que o homem estava armado atacando os policiais primeiro, que foram obrigados a revidar.  

“Estávamos com o PSDB e agora estamos com esse governador que parece ser pior, querendo transformar a polícia em milícia. A situação no Guarujá está agora se transferindo para os morros de Santos”, denuncia ativista de direitos humanos na segurança pública que pediu para não se identificar.  

Ainda nesta segunda (1) outro homem chamado Evandro Silva Belém foi morto no bairro Pae Cara pelo Batalhão de Operações Especiais da Polícia, o mesmo a qual pertencem os soldados envolvidos na ocorrência da morte do homem indicado como indigente. 

Excludente de ilicitude 

Nas delegacias, se apresentando para a confecção da ocorrência, os policiais militares reproduzem um discurso com ares de ensaio: o homem atirou contra eles. As respostas da Secretaria de Segurança Pública e do próprio governador parecem também ensaiadas: se houver excesso, vamos punir os responsáveis. 

As ocorrências com morte da Operação Escudo têm sido enquadradas pelos boletins na chamada excludente de ilicitude, previsto no artigo 23 do Código Penal, que exclui a culpabilidade de condutas ilegais em determinadas circunstâncias. Os policiais mataram porque estavam se defendendo. 

Conforme o artigo do código penal, “não há crime quando o agente pratica o fato: em estado de necessidade; em legítima defesa; em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”.

O parágrafo único diz: “O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”. Ou seja, caso ocorram excessos, eles estão, em tese, justificados, sobretudo para as autoridades que entendem que a polícia apenas deu uma resposta à altura. 

Aliança Moro e Bolsonaro pela excludente 

O pacote anticrime do então ministro da Justiça, Sérgio Moro, sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro, em 2019, acrescenta a esse artigo 23 que: “O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

Os críticos do projeto afirmam que essa proposta representa uma espécie de carta branca para policiais matarem. O ministro Moro, em artigo publicado na imprensa, negou que essa interpretação seja verdadeira.

Segundo ele, o texto apenas descreve “situações de legítima defesa” e “reconhecendo que quem reage a uma agressão injusta pode exceder-se”. A ampliação da excludente de ilicitude foi uma das promessas de campanha de Bolsonaro.

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, uma a cada cinco mortes violentas e intencionais no Estado de São Paulo foi praticada por agentes de segurança pública. Em 2021, mais de 6 mil pessoas foram mortas por forças policiais no país: 12,07% de todas as mortes violentas intencionais.

LEIA MAIS:

Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Esse assassinato do policial em Guarujá está me lembrando a morte do Major Teles.
    Na minha cidade, interior sergipano, travou-se um guerra pela cetro de coroné-mor da politicalha do pequeno estado na década de 1950, com ligeira solução, entre 8 de agosto de 1963 e 5 de abril de 1964, quando foi preso o governador pelos golpistas de 1º de abril, dito 31 de março.
    O Major, da alta hierarquia da Polícia Militar, e herdeiro das insígnias familiares há talvez séculos era pessoa muito benquista no tradicional estamento militar sergipano e foi enviado para Itabaiana para “resolver’ um gargalo aqui criado pela supra-citada politicalha e pela enorme falha na Constituição de 1946, qual seja a de descentralizar, incluindo a perigosíssima situação, de na prática coexistirem duas polícias: a do Estado; e a Municipal, sob o rótulo de Guarda Municipal, mas sem limites precisos; indubitáveis nos seus limites.
    O coroné local era o intrépido Euclides Paes Mendonça, beneficiado pela descentralização tributária, de cofre cheio e avançando sobre a viciadíssima máquina política no estado. Mas, para encher o cofre, Euclides contou com a Polícia Militar e o aparelho arrecadador do Estado. Até janeiro de 1963; porque, assim que assumiu o Governo do Estado, o governador, agora do PSD, apesar de egresso da UDN rompeu o contrato com a Prefeitura Municipal de Itabaiana, deixando Euclides, pelo seu Prefeito de pé. Ma Euclides tinha a Guarda Municipal. Armou-a, já que podia e aí começaram os problemas com a Polícia Militar, que sob “nova direção” não aceitou a concorrência.
    Então, escolheram a dedo o Major Teles, para vir provocar “os tabaréus” e impor a sua ordem. Numa diligência, o Major foi ferido levemente e levado para o Hospital na Capital. Enquanto isso a imprensa e as emissoras agitavam. Mas o Major começou a melhorar, e, justo no dia em que ia sair do Hospital, “uma enfermeira” que nunca foi identificada aplicou-se uma injeção e lhe apagou para sempre. Foi aquele inferno, com tudo quanto é samango a “anonimamente” jurar vingança. No dia 8 de agosto, as quatro e trinta da tarde, uma passeata e “sua proteção” policial foi o ardil para jazer sobre a soleira da Prefeitura, queixo arrancado por metralhadora, o filho de Euclides, Deputado Estadual Antônio; e logo mais adiante, no paralelepípedo, o próprio Euclides.
    Ontem li nalgum lugar que a esposa do militar não teve acesso direto ao corpo.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador