O que você precisa saber sobre o julgamento do marco temporal pelo STF

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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O primeiro a votar será o ministro André Mendonça, que havia pedido. Na sequência, votará Cristiano Zanin. Há chances da votação acabar hoje

O STF deve retomar na próxima semana o julgamento do recurso que discute o marco temporal. | Foto: Mídia Ninja

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma na tarde desta quarta-feira (30) o julgamento do marco temporal. O ministro André Mendonça, que pediu vista no último dia 7 de junho, inicia a sessão fazendo a leitura de seu voto e, na sequência, será a vez do ministro Cristiano Zanin. 

Votos contrários ao marco temporal, até o momento, são o do relator Edson Fachin e do ministro Alexandre Moraes; a favor, o ministro Nunes Marques. Depois de Zanin, votam Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e a presidente da Corte, Rosa Weber.  

Mas o voto de Zanin, nessa sequência, é o que mais causa apreensão. Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se esperava que Zanin não fosse votar a favor do marco temporal, mas todos os votos do novo ministro até agora indicaram ele mais alinhado aos ministros indicados por Jair Bolsonaro. 

Preocupação com Zanin

A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, solicitou e foi recebida por Zanin, em audiência. A ministra manifestou preocupação com o marco temporal. Por sua vez, Zanin teria questionado sobre os procedimentos de demarcação. 

Ele teria expressado atenção com a possibilidade de promulgação de terras em territórios de pequenos agricultores, cidades e vilarejos.

Sônia teria frisado o fato dos indígenas não reivindicarem terras em cidades grandes e quando áreas demarcadas estão em vilarejos ou pequenas propriedades, os ocupantes têm prioridade de reassentamento.

Indenização prévia da terra nua

Em que pese tenha votado contra o marco temporal, o ministro Alexandre Moraes trouxe em seu voto uma sugestão controversa e criticada por indígenas e indigenistas: a indenização prévia da terra nua. Como os demais ministros vão votar depois da proposta de Moares é outra expectativa para o julgamento. 

Nesse formato, o ocupante do território indígena seria indenizado pela terra, antes de sair da área a ser demarcada, não apenas pelas benfeitorias, em caso de ocupação de boa-fé, que é o modelo de indenização em vigor – no caso de pequenos proprietários, estes ainda têm o direito ao reassentamento. 

No Palácio do Planalto, a proposta não é bem vista. A interpretação é de que ao invés de se cumprir a Constituição Federal, com o Judiciário assumindo controvérsias, o problema é transferido para o Poder Executivo, que não tem receita, e dificilmente terá, para arcar com esse tipo de indenização. 

“O governo não vai ter caixa, o fazendeiro não vai sair sem indenização e o que vai ocorrer é a paralisação da demarcação no país. Não nos dá segurança alguma, só vai fazer aumentar os conflitos”, diz Dinaman Tuxá, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).  

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em nota técnica, defende que a Constituição Federal não permite a indenização prévia por terra nua em demarcação de terras indígenas. 

Para a entidade indigenista, a Constituição Federal é cristalina ao estabelecer que “os títulos incidentes sobre terras indígenas são nulos e extintos e que a única indenização possível é pelas benfeitorias de boa-fé, jamais pela terra nua”, diz trecho da nota técnica. 

Bancada ruralista pressiona

Iniciado em 2021, o julgamento coloca em lados opostos os povos indígenas e os ruralistas, que desde então, no Congresso Nacional, mobilizam projetos de lei para influenciar e pressionar o STF a uma posição favorável ao setor. No final de maio, dias antes da sessão de 7 de junho, houve uma prova. 

A Câmara Federal aprovou um Projeto de Lei que, entre outras excentricidades anti-indígenas, institui o marco temporal. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), declarou que a provação era uma forma de mostrar ao STF como a Casa pensa a respeito do assunto.  

Mas a votação na Câmara só foi adiante porque Lira não conseguiu, via governo, fazer com que a presidente da Corte, a ministra Rosa Weber, suspendesse a votação. Ela disse que não se deixaria intimidar por ameaças e manteve a pauta. 

Hoje o PL tramita no Senado Federal e já teve o relatório da senadora ruralista Soraya Thronicke (Podemos/MS) aprovado pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária.   

Recurso Extraordinário

Este julgamento é relativo ao Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que teve sua repercussão geral reconhecida pelo STF, em 2019. O RE trata de uma reintegração de posse contra aldeia da Terra Indígena Laklaño-Xokleng, onde o Estado de Santa Catarina usa o marco temporal como argumento em seu pleito. 

Ocorre que a Advocacia-Geral da União (AGU), na gestão do presidente Michel Temer, baixou a Portaria 001/2017. Com ela os argumentos da tese restritiva do marco temporal deveriam ser aplicados pelas instâncias de governo que lidam com a demarcação das terras indígenas. 

A portaria segue em vigor, os processos judiciais contra o direito territorial indígena, tendo a tese do marco temporal como base, se sentiram incentivados e, durante a gestão Jair Bolsonaro, o contexto teve o acréscimo de invasões, grilagens, demarcação zero e um leque de violações variado. 

Dessa maneira, com a repercussão geral, o STF pretende responder a essa questão de maneira definitiva. 

Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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