Carmem Junqueira nos leva a conhecer os povos indígenas e a nós mesmos, por Arnaldo Cardoso

Carmem ensinou, orientou e inspirou gerações de cientistas sociais que contribuíram e contribuem para a compreensão do povo brasileiro

Carmem Junqueira nos leva a conhecer os povos indígenas e a nós mesmos

por Arnaldo Cardoso

Foi no auditório superior do emblemático TUCA, Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), espaço marcado pelas lutas na defesa da democracia, dos direitos humanos para todos e da justiça social que, na noite da última terça-feira (21) reuniram-se diferentes gerações de professores, pesquisadores e escritores especialmente das Ciências Sociais, para o lançamento de uma biografia de Carmem Junqueira (86), mulher, antropóloga, professora, pesquisadora, orientadora e militante, que dedicou sua vida ao estudo e defesa dos povos originários do Brasil. A obra foi escrita pela cientista social Lindinalva Laurindo Teodorescu.

Quem ali esteve pôde presenciar e dar testemunho das inúmeras manifestações de admiração, respeito e gratidão para com essa professora que impactou beneficamente a vida de tantas pessoas na arena acadêmica e intelectual, bem como dos povos indígenas para os quais dedicou o melhor d suas energias.

Fundadora de um dos mais importantes Programas de Estudos Pós-Graduados das Ciências Sociais no Brasil, o PEPGCS da PUC-SP, que em 2023 completou cinquenta anos, Carmem ensinou, orientou e inspirou gerações de cientistas sociais que contribuíram e contribuem para a compreensão do povo brasileiro, considerando suas origens pré e pós-coloniais, alertas aos desafios do conhecimento científico necessariamente aberto ao diálogo e aprendizado com as outras formas de saber e estar no mundo.

Pelo seu trabalho como antropóloga, especialmente em pesquisa de campo com os Kamaiurá (1965 a 1972) e com os Cinta Larga (1979-1986) tornou-se referência da pesquisa etnológica no Brasil. Atenta às filosofias indígenas, fez importantes registros revelando-nos a generosidade e as relações com a natureza que constituem a vida desses povos. Conhecimento inegavelmente pertinente aos nossos dias, tendo em vista as violências que os povos indígenas continuam sendo vítimas em nosso país, alvos da ignorância, do cinismo e da cobiça.

Em seus muitos artigos, em 2012 expôs “o processo de mudança cultural experimentado pelo povo Kamaiurá (Parque Indígena do Xingu, MT), desde a chegada da frente agrícola até o estabelecimento do agronegócio na região e o modo como os Kamaiurá entendem a dinâmica da história e a permanência da tradição”.

Anos antes, escreveu sobre o Kwaryp, cerimônia em homenagem aos mortos, realizada pelos povos indígenas do Alto Xingu. Longe de idealizar e simplificar as culturas indígenas, o texto nos mostra “os principais procedimentos envolvidos na realização da festa, destacando as práticas voltadas tanto para reafirmar a coesão social como para expressar a ambiguidade das relações entre as diferentes aldeias. Solidariedade e hostilidade se alternam na configuração do universo alto-xinguano e revelam a complexa rede política que o envolve” (2008).

Vinte e um anos atrás, a também antropóloga e professora da PUC-SP Lucia Helena Rangel, presente na homenagem da última terça-feira, iniciou assim um artigo publicado na revista Margem, por ocasião do aniversário de trinta anos do PEPGCS da PUC-SP: “Homenagear Carmem Junqueira não é fácil. Se a base for o seu currículo profissional e sua vida estaremos diante de uma trajetória que acompanha a história da sociedade, da ciência e da universidade no Brasil”. (2002, p. 257)

Para concluir esse texto, reproduzimos trecho do prefácio da biografia “Carmem Junqueira, mulher e antropóloga” escrito pelo antropólogo e professor Rinaldo Sérgio Vieira Arruda, que nos convida à leitura do livro e lança-nos oportunas reflexões sobre nós mesmos.

“Carmem é bastante conhecida, dada sua longa e bem sucedida história como pesquisadora, professora e antropóloga. Mas, quem é a mulher Carmem Junqueira? Que circunstâncias e ambiências viveu?  Como uma pessoa se torna o que ela vem a ser?

Naturalmente não apenas as circunstâncias e ambientes definem uma pessoa, embora deixem nela suas marcas. As marcas deixadas, porém, se materializam substantivamente através do modo de resposta aos acontecimentos dos quais se participa, ativa ou passivamente. Respostas dadas, as escolhas feitas também nos modelam e orientam o vir a ser de cada um.

Como aquela “jovem rebelde de educação burguesa” vai elaborando através de suas circunstâncias e influências a antropóloga atuante e crítica que conhecemos hoje?

E mais, como pensa Carmem Junqueira? O que ela nos diz sobre os indígenas, sobre nós mesmos, sobre o ser humano e a sociedade? Que particularidades ela apreendeu, elaborou no quadro mais amplo de suas reflexões e pode enriquecer nossa própria vida?”

Arnaldo Cardoso, sociólogo e cientista política (PUC-SP), pesquisador, escritor e professor universitário.

Referências:

JUNQUEIRA, Carmem. Os Kamaiurá das Terras Indígenas do Xingu. Revista EcoPolítica. PUCSP. 2012.

JUNQUEIRA, Carmem & VITTI, Vaneska Taciana. O Kwaryp kamaiurá na aldeia de Ipavu. IEAUSP, 2008.

JUNQUEIRA, Carmem. Sexo e desigualdade: entre os Kamaiurá e os Cinta Larga. Sao Paulo: Olho d’Água, 2002.

RANGEL, Lucia Helena. Carmem Junqueira: professora, pesquisadora, mulher… MARGEM, São Paulo nº 15, p. 257-259, Jun-2002.

TEODORESCU, Lindinalva L. Carmem Junqueira – mulher e antropóloga.São Paulo: Intermeios, 2023.

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