Não olhe para frente, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Os bolsonaristas estão com os olhos fixos no passado como se pudessem interromper o fluxo do tempo

Não olhe para frente

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Luis Nassif escreveu um bom artigo sobre o que está ocorrendo https://jornalggn.com.br/politica/xadrez-do-dia-31-de-dezembro-de-2022-por-luis-nassif/#comment-1314315 . Mas o veterano jornalista ainda não percebeu a ironia.

O filme de maior sucesso em 2021 foi “Não olhe para cima”, cujo enredo pode ser resumido da seguinte maneira: cientistas descobrem que um asteroide vai colidir com a Terra; após anunciarem a descoberta eles percebem que a mídia trata aquela séria questão como se fosse apenas espetáculo; a reação histérica dos cientistas e os dados coletados por militares convencem os governos fazer algo, mas então a opinião pública começa a ser dividida; uma parte da população é levada a acreditar que o asteroide não existe ou não vai colidir com a Terra; os esforços públicos para tentar desviar a rota do asteroide são sabotados em benefício de um empreendimento privado; a solução encontrada pelo mercado falha; a Terra é destruída, mas alguns bilionários conseguem se salvar numa Arca de Noé espacial; ao chegar no planeta de destino eles descobrem que entrarão na cadeia alimentar como presa.

O golpe de 2022 tem mais ou menos a mesma estrutura. Mas entre nós o que vai acabar não é a Justiça Eleitoral e sim o movimento messiânico em torno de Jair Bolsonaro. O Militarismo Fake não conseguiu gerar a energia social, econômica e política indispensável para produzir uma verdadeira ruptura da legalidade. Mas a preservação da democracia com a posse de Lula será interpretada pelos mais exaltados como o fim do mundo. A histeria gerada pela crença no golpe entre nós é semelhante à histeria dos norte-americanos que não acreditam no meteoro até que os pedaços dele começam a devastar suas cidades. Aqui a devastação será produzida pela restauração da normalidade e pela persecução penas dos bolsonaristas que estão aderindo ao terrorismo enquanto a familícia tenta se afastar da desgraça que produziu. Os Bolsonaro querem sobreviver na política e para fazer isso terão que sacrificar seus seguidores. No Paraíso em que estão tentando construir para si, eles serão devorados pelas contradições que desencadearam ao incentivar o golpe e abandonar os golpistas à própria sorte.

O neoliberalismo é uma espécie de doença cognitiva que só consegue produzir dissonâncias. No filme, a verdadeira catástrofe (a colisão do asteroide com a Terra) é negada. Entre nós, a catástrofe é a negação da impossibilidade de ruptura antidemocrática. Em ambos os casos, as alucinações induzidas pelo negacionismo dá origem a situações tragicômicas. Nunca antes na História do Brasil e da História do Cinema também, nós vimos fanáticos se ajoelhando e ou marchando na frente dos Quartéis pedindo para o Exército dar um golpe de estado.

Nos primeiros segundos do dia 1o. de janeiro de 2023 a consolidação da transição de governo atingirá as consciências dos bolsonaristas como se fosse o asteroide do filme “Não olhe para cima”. A versão cinematográfica dos eventos que estão ocorrendo no Brasil poderia muito bem ser denominada “Não olhe para a frente”. Os bolsonaristas estão com os olhos fixos no passado como se pudessem interromper o fluxo do tempo ou reintroduzir o passado autoritário no presente democrático.

Os argentinos nos chamavam de “macaquitos de gringos”. Doravante eles terão que nos chamar de “macaquitos de filmes gringos”. O espetáculo do golpe que não houve será comandado pela Paquita da Ditadura, ou seja, pelo general Mourão.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Fábio de Oliveira Ribeiro

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