As acusações contra Nicolelis

Do Viomundo

Tentativa de difamar Nicolelis às vésperas de pesquisa revolucionária

por Conceição Lemes

Às vésperas da divulgação pela revista Nature de uma mais uma pesquisa revolucionária do grupo do professor Miguel Nicolelis — é a segunda em 15 dias — um grupo de sete pesquisadores brasileiros tenta difamá-lo.

Na madrugada de 23 de fevereiro, o professor John Araújo, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), postou no blog da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento o manifesto Eu apoio a ciência Brasileira.

Assinam, por alfabética: Antônio Carlos Roque da Silva Filho (USP-RP), Cláudia Domingues Vargas (UFRJ), Dráulio Barros de Araújo (UFRN), Márcio Flávio Dutra Moraes (UFMG), Mauro Copelli Lopes da Silva (UFPE), Reynaldo Daniel Pinto (USP-SC) e Sidarta Ribeiro (UFRN).

Os sete são ex-integrantes do comitê gestor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia  “Interfaces Cérebro-Máquina”, (InCeMaq), coordenado pelo professor Miguel Nicolelis, da Duke University (EUA) e do Instituto Internacional de Neurociências de Natal (RN, Brasil).

No manifesto, eles insinuam que a ideia da pesquisa de Nicolelis, Eric Thomson e Rafael Carra, publicada na edição de 12 de fevereiro da revista Nature Communications, teria sido desenvolvida originalmente por um dos signatários, Márcio Flávio Dutra Moraes. Diz o manifesto (aqui, na íntegra):

A pauta do primeiro encontro, realizado nos dias 1 e 2 de julho de 2010, se restringiu à apresentação de projetos em andamento pelos laboratórios vinculados ao InCeMaq. Todos os que assinam este manifesto estavam presentes àquela reunião. Durante as apresentações individuais, representando o Núcleo de Neurociências da UFMG, o Prof. Dr. Márcio Flávio Dutra Moraes apresentou resultados preliminares de um novo experimento realizado pelo seu grupo, incluindo imagens de um rato implantado com um receptor de infra-vermelho (I-V) acoplado a um estimulador cerebral. O sensor captava ondas de I-V emitidos por LEDs, de forma que a intensidade do sinal detectado era proporcional ao alinhamento da cabeça do animal com o emissor. Esses sinais eram enviados a um computador para controlar um estimulador elétrico, que por sua vez estava conectado a um eletrodo bipolar implantado no cérebro do animal. A proposta, em andamento, é o tema central de uma tese de doutorado e foi submetida a congressos locais, exames de qualificação, e defesa de trabalhos finais de graduação (ver imagens e documentos anexados).

……………

Passados quase três anos desde a primeira reunião do Comitê Gestor, nos deparamos há poucos dias com o artigo publicado na revista científica Nature Communications e assinado pelo Prof. Nicolelis. No artigo é apresentado um implante craniano com um detector de infravermelho (I-V) acoplado a um sistema de estimulação elétrica intra-cerebral.

“Uma acusação oportunista, leviana, irresponsável”, rebate Rômulo Fuentes, diretor científico do Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN), no documento Nós também apoiamos a Ciência Brasileira em resposta ao manifesto dos sete pesquisadores. “Uma série de documentos comprova que, desde 2006, o grupo de Nicolelis vinha desenvolvendo esse trabalho.”

“O discurso malicioso, ignorando informações vitais, é criminoso”, prossegue Fuentes. “Uma combinação de infâmia, difamação e má-fé.”

De fato, os arquivos anexados ao documento do dr. Fuentes demolem as acusações feitas contra Nicolelis.

Acompanhem a linha do tempo:

1. O comitê gestor do InCeMaq reuniu-se duas vezes. Na primeira, em 1 e 2 de julho de 2010, quando o professor Márcio Moraes teria apresentado a sua proposta de pesquisa aos membros do grupo, entre os quais Nicolelis, coordenador do projeto.

2. Só que, 4 anos antes da apresentação do professor Moraes,  o laboratório do professor Miguel Nicolelis, na Duke University, já estava trabalhando no projeto de um rato com sensores infravermelhos acoplados a um estimulador cerebral.

E-mail de 17 de novembro de 2006de Mikhail Lebedev para Nicolelis, mostra que o grupo havia acabado de concluir que um “novo sentido” poderia ser incorporado no rato, colocando um sensor infravermelho na cabeça de um animal:

Oi, Miguel.

Nós discutimos aqui no laboratório de macacos, e parece que o novo sentido mais fácil seria “visão infravermelha”. Um sensor para a luz infravermelha seria apenas um diodo sensível à luz que pode ser montado na cabeça do rato. Fontes de infravermelho podem ser facilmente criadas, assim como a tarefa comportamental.

3. Em e-mail de 6 de fevereiro de 2009, o dr. Eric Thomson, primeiro autor do trabalho, disse para Mikhail Lebedev:

Estive pensando sobre como usar o estimulador com os ratos no paradigma de percepção extrassensorial de Miguel. Acho que algum tipo de canalização mediante localização de recompensa seria um bom ponto de partida.

 4. Em 19 de novembro de 2009, técnicos do laboratório do professor Nicolelis criaram o diagrama de fiação para hardware experimental desse estudo.

5. Em janeiro de 2010, após a conclusão da instalação do hardware, os experimentos começaram. E-mails de 11 de janeiro (de Thomson para Lebedev ) e 8 de março de 2010 (de Jim Meloy para Thomson) relatam isso.

No de 8 de março de 2010, Jim disse para Thomson:

Eu instalei indicadores infravermelhos para a instalação experimental dos ratos de percepção extrassensorial. Os grampos se fixam na borda do vidro. Se você precisar de outra localização ou posição, podemos resolver alguma coisa com fita/parafusos/outros.

 

6. O livro Beyond Boundaries (no Brasil, Muito Além do Nosso Eu), do professor Nicolelis, lançado em 2011 e amplamente divulgado aqui e no exterior, descreve em detalhes toda a estratégia usada por seu laboratório para construir uma neuroprótese cortical. Está no capítulo 10.

Em 4 de novembro de 2009, Nicolelis concluiu o livro e enviou-o para a editora americana.  Na primeira semana de maio de 2010, a revisão final, que não alterou em nada a descrição desse paradigma, foi finalizada. Essas datas podem ser confirmadas pela editora americana e o agente literário nos EUA.

Em outras palavras: o livro de Nicolelis estava pronto e revisto dois meses antes da reunião do comitê gestor do comitê gestor do InCeMaq, em julho de 2010, onde o professor Márcio Moraes teria apresentado a sua ideia.

Por que nesses dois anos em que o livro de Nicolelis esteve disponível nas livrarias do Brasil, esse grupo que agora o acusa não fez nenhuma insinuação leviana ao trabalho relatado?

Por que só após a repercussão mundial da publicação do estudo pela Nature e às vésperas de sair outro, também pela Nature, esse grupo vem a público questionar a paternidade das ideias que o nortearam?

7. A propósito, de 2006 a 2013, o grupo de Nicolelis publicou vários trabalhos usando a técnica de microeestimulação elétrica cortical, essencial para o sucesso da pesquisa divulgada na semana passada. Sem adquirir competência para empregá-la, nenhum laboratório seria capaz de realizar os experimentos demonstrados no estudo publicado pela Nature Communications.

E os trabalhos do professor Márcio Moraes?

No manifesto Eu apoio a ciência Brasileira há um link ( aqui que leva a documentos e imagens dos seus trabalhos relacionados a ratos com sensores infravermelhos.

Sobre eles, Fuentes faz estas observações:

1. Correspondem a propostas e instalação experimental, não apresentam resultados nem dados.

2. A intenção do professor Moraes é usar a estimulação elétrica da amígdala e não a porção tátil do córtex cerebral como foi feito pelo grupo de Nicolelis.

3. O professor Moraes não publicou nenhum trabalho sobre ratos com sensores infravermelhos em jornais com peer review, ou seja, revisado por pares. É o que revela busca no Pubmed , a base de publicações mais conhecida no mundo.

“É, no mínimo, desonestidade intelectual alguém insinuar que qualquer informação abordada em julho de 2010 possa ter influenciado o nosso trabalho”, revolta-se  Nicolelis. “É uma tentativa de assassinato de reputação.”

“Infelizmente essa denúncia sem fundamento faz parte da infindável sequência de atos de calúnia, sabotagem e difamação liderados pelo professor Sidarta Ribeiro”, observa Fuentes.  “Desde que ele e seus colegas da UFRN decidiram romper com a parceria com o IINN, atacam sistematicamente Nicolelis.”

O QUE O MANIFESTO DOS SETE PESQUISADORES NÃO DISSE

Tem quase dois anos que o professor Sidarta e o seu grupo resolveram voluntariamente interromper a parceria com o Instituto Internacional de Neurociências de Natal. O desfecho, porém, só se deu julho de 2012, quando foram desligados InCeMaq por Nicolelis.

“Curiosamente, o manifesto dos sete pesquisadores salta da reunião de julho de 2010 para julho de 2012”, atenta Fuentes. “Passa por cima de importantes fatos acontecidos nesse período.”

Por exemplo, após decidir abandonar a parceria com o Instituto Internacional de Neurociências de Natal, o professor Sidarta Ribeiro, seus colaboradores e membros do comitê gestor do InCeMaq tentaram derrubar Nicolelis.

Eles protocolaram no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pedido para tirar Nicolelis da coordenação do projeto,  embora ele fosse o único especialista em interfaces cérebro-máquina do grupo e o idealizador da proposta do primeiro Instituto de Interfaces Cérebro Máquina.

Em carta, supostamente assinada pela maioria do comitê gestor InCeMaq, Ribeiro listou uma série de razões para justificar tal pedido.

Só que, enquanto preparava a resposta aos questionamentos feitos, o grupo de Nicolelis teve uma grande surpresa. Dois dos signatários do pedido de sua destituição – o professor Manoel Jacobsen e o dr. Erich Fonoff —  escreveram carta à direção do CNPq, informando que não apoiavam a demanda de outros colegas do comitê gestor do InCeMaq.

Nesse período, mais precisamente em 29 de julho de 2011, o professor Sidarta Ribeiro publicou o artigo “Cross-modal responses in the primary visual cortex encode complex objects and correlate with tactile dis-crimination” na prestigiosa revista Proceedings of the National Academy of Sciences USA (PNAS).

“Era fato notório que os dados experimentais descritos nesse artigo tinham sido todos obtidos nos laboratórios da Duke e do Instituto Internacional de Neurociências de Natal”, conta Fuentes. “Porém, na versão final dos manuscritos foram ignorados tanto uma das fontes de financiamentos do trabalho — o National Institutes of Health, o NIH dos EUA — como a afiliação do professor Sidarta ao IINN no período em que o estudo foi realizado.”

Na época, já em litígio com IINN, Sidarta indicou apenas a sua afiliação ao recém-criado Instituto do Cérebro da UFRN, que ainda não tinha produção científica. Porém, ignorar fontes de financiamento e afiliações é conduta inapropriada.

Sidarta Ribeiro foi obrigado a se retratar publicamente do seu artigo. Tanto a sua afiliação verdadeira na época do estudo (com o IINN) bem como as fontes de financiamento tiveram que ser explicitamente reveladas.

– E  por que, em julho de 2010, o professor Nicolelis não contou aos membros do comitê gestor do InCeMaq sobre os trabalhos no projeto de rato infravermelho? – quem leu o manifesto dos sete ex-integrantes do grupo talvez tenha mais essa pergunta.

Nenhum cientista é obrigado a revelar pesquisas em andamento antes de estarem concluídas e as descobertas exaustivamente confirmadas e validadas. Devido ao caráter revolucionário desse projeto, o grupo de Nicolelis preferiu esperar a publicação do trabalho para oficialmente comunicar os achados.

“Nesses últimos dois anos, o professor Sidarta Ribeiro e seus colaboradores têm repetidamente me difamado, inclusive pela imprensa. Agora, foram longe demais”, indigna-se Nicolelis. “Os sete signatários do manifesto serão chamados em juízo para revelarem as provas concretas que supostamente dão subsídio a mais esse absurdo.”

Luis Nassif

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