Mais de 6,1 milhões deixam mercado de trabalho em quase quatro anos, por Lauro Veiga Filho

Razões alegadas pelo Copom para manter os juros exorbitantes não se sustentam, principalmente se analisarmos os números do PNADC

Pref. Caruaru/Reprodução – Montagem RBA

Mais de 6,1 milhões deixam mercado de trabalho em quase quatro anos

por Lauro Veiga Filho

Uma das causas alegadas pelo Comitê de Política Monetária (Copom) para manter os juros básicos na estratosfera, frustrando as possibilidades de um crescimento mais vitaminado da economia brasileira, estaria num suposto aquecimento do mercado de trabalho, teoricamente confirmado por taxas de desemprego bem abaixo dos níveis observados a partir de 2016 – embora ainda acima da desocupação observada entre 2012 e os primeiros meses de 2015. Numa análise mais cautelosa, a argumentação parece não se sustentar, não apenas porque o emprego passou a experimentar um ritmo mais lento de crescimento, mas principalmente devido a uma redução pronunciada do número de trabalhadores que desistiram de sair em busca de alguma ocupação.

Qualquer que tenha sido o motivo para isso, o fato é que as séries estatísticas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que a população fora da força de trabalho (quer dizer, que não estavam empregadas e nem buscavam uma colocação no mercado no momento da pesquisa) cresceu pouco mais de 10,0% entre o trimestre encerrado em outubro de 2019 e o período de três meses finalizado em maio deste ano. Em números aproximados, o contingente de trabalhadores fora do mercado avançou de 61,011 milhões para 67,136 milhões, ou seja, em torno de 6,125 milhões a mais. A participação das pessoas fora da força de trabalho na população total com 14 anos ou mais de idade foi elevada de 36,2% para 38,5%.

Na comparação entre o trimestre março a maio de 2022 e idêntico intervalo deste ano, a tendência de crescimento manteve-se, com a população fora da força avançando 3,6% (correspondendo a 2,345 milhões a mais). A tendência deveria ser levada em consideração nas análises sobre o nível de “aquecimento” do mercado de trabalho, já que o aumento daqueles trabalhadores que optaram por deixar o mercado interfere diretamente no cálculo do número de pessoas desempregadas. Por um motivo evidente: se há menos pessoas procurando emprego, variações mínimas no total de trabalhadores ocupados fariam a taxa de desemprego cair mais do que proporcionalmente, sugerindo um “aquecimento” de fato inexistente.

Desemprego mais alto

Um exercício estatístico permite ao menos colocar em dúvida a argumentação oficial do Copom, oferecendo outra perspectiva. No trimestre entre agosto e outubro de 2019, o número de pessoas na força de trabalho, que soma empregados e desempregados que continuavam em busca de uma colocação, chegava a 107,699 milhões, correspondendo a pouco mais de 63,8% de toda a população com 14 anos ou mais – percentual mais elevado da série iniciada em 2012. Neste ano, entre março e maio, a força de trabalho não cresceu (e até recuou muito levemente) em relação a agosto-outubro de 2019, somando 107,345 milhões de pessoas. Mas a população cresceu de 168,710 milhões para 174,481 milhões, agregando mais 5,771 milhões de pessoas com 14 ou mais anos de idade (número que pode estar superestimado, a se considerar o tamanho da população registrada nos dados preliminares do Censo de 2022). Neste ano, portanto, a relação entre força de trabalho e população em idade ativa baixou para 61,5%. Essa baixa relativa, como se verá, distorce o dado do desemprego, tornando a taxa de desocupação mais baixa e sugerindo uma melhoria ilusória do mercado.

Considere que a taxa de participação da força de trabalho na população em idade ativa tivesse se mantido nos níveis do final de 2019. Nesta hipótese, aquele contingente teria se elevado para 111,383 milhões de trabalhadores, perto de 3,8% acima do número de fato registrado pela PNADC (ou 4,038 milhões de pessoas a mais). Como a economia demonstrou capacidade para abrigar 98,4 milhões de trabalhadores em alguma forma de ocupação no trimestre março-maio deste ano, consequentemente, o total de desocupados teria se elevado para 12,983 milhões ou 45,1% a mais do que os 8,945 milhões efetivamente identificados pela pesquisa.

A taxa de desemprego, nessa conta, estaria mais próxima de 11,7%, quer dizer, não muito distante do índice alcançado nos últimos meses de 2019, em torno de 11,8%. Novamente e de forma nítida, a tendência de aumento da população fora da força de trabalho tem ajudado a camuflar o cenário real no mercado de trabalho. No mesmo exercício, a população fora da força tenderia a ser 6,0% menor, aproximando-se de 63,098 milhões de pessoas (4,041 milhões a menos).

Desproporção

Retomando os dados da pesquisa, diante de um avanço de 3,4% registrado para a população em idade ativa (14 anos ou mais) e virtual estagnação da força de trabalho, um avanço de 3,5% no número de ocupados entre os trimestres finalizados em outubro de 2019 e maio de 2023 (de 95,042 milhões para 98,4 milhões, num acréscimo de 3,358 milhões de trabalhadores com emprego) gerou uma redução de 29,3% no total de desempregados, saindo de 12,657 milhões para 8,945 milhões (3,712 milhões a menos).

O total de ocupados registrou variação de 0,9% entre o trimestre março a maio do ano passado, quando havia alcançado 97,516 milhões de pessoas, e o mesmo período deste ano, num acréscimo de 884,0 mil ocupados. Para comparar, no mesmo trimestre de 2022, o número de ocupados chegou a aumentar 10,6% em relação a igual período de 2021, significando a entrada de mais 9,365 milhões de pessoas entre os ocupados. Certamente deve-se considerar os níveis reduzidos do emprego em 2021. Ainda assim, o desaquecimento surge como tendência desde o final de 2022. Adicionalmente, ainda que modestíssima, a variação de 0,3% registrada entre os trimestres dezembro-fevereiro e março-maio deste ano foi liderada pelo setor público. O número de ocupados com carteira assinada no setor privado chegou a encolher, saindo de 48,172 milhões para 48,016 milhões (156,0 mil a menos).

A massa salarial, em valores reais, não saiu do lugar entre fevereiro e maio, acompanhando a estagnação dos rendimentos reais habitualmente recebidos, na média, pelo total dos ocupados, mantendo-se em 280,914 bilhões. Comparada ao trimestre março-maio de 2022, a massa cresceu 7,9%, num incremento de R$ 20,6 bilhões (frente a R$ 260,314 bilhões em igual período do ano passado). No trimestre setembro a outubro de 2022, a massa havia crescido 13% em termos reais, injetando mais R$ 32,515 bilhões nos rendimentos totais recebidos pelos trabalhadores.

Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Muitas pessoas deixam de procurar trabalho formal devido à dificuldade de conseguir uma ocupação que atenda aquilo que espera. Enquanto muitos se conformaram e acabam encarando qualquer ocupação, seja por relação com formação ou mesmo por necessidades, outros procuram arriscar-se em algum tipo de atividade, buscando melhor ganho. Como o setor formal deixou de oferecer salários mais atraentes, o que ocorreu quando o País saía de uma condição muito ruim para um nível de modernização dos vários setores de atividades, essa estabilização e alguns casos queda nos salários nesses segmentos leva trabalhadores a tentar melhorar seus rendimentos em ocupações informais. Talvez o número de ocupados esteja até maior. O problema para o País é que se esse processo continuar, a qualidade de que o País necessita para buscar uma boa colocação dentre os países em desenvolvimento e participar mais ativamente dos processos econômicos vai diminuir. É preciso assumir um viés elevação da economia brasileira, sem a qual não haverá maiores possibilidades nem para o setor privado e nem ao setor público. Os juros não devem prometer mais que o desenvolvimento do País.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador