A abertura da economia e os contratos offset, por Luís Nassif

É preciso estratégia na abertura, onde os trunfos do hospedeiro são seu mercado interno e, no Brasil, os diferenciais da transição energética.

É curiosa a maneira como economistas liberais tratam a questão da abertura da economia. Tratam-na como pré-condição essencial para a volta do crescimento. E tratam “abertura” como palavra mágica, como se fosse um conceito único.

  1. Quando a abertura é positiva? Quando permite ao empresário adquirir insumos de melhor qualidade e aprimorar a produção interna. 
  2. Quando é negativa? Quando o produto externo é mais competitivo e liquida com o concorrente interno.

Se simplesmente abrir a economia, o que ocorrerá? Evidentemente a destruição dos competidores brasileiros.

Por isso mesmo, toda abertura tem que ser parte de uma estratégia negociada, onde os trunfos do país hospedeiro são seu mercado interno e, no caso do Brasil, os diferenciais da transição energética.

Desde o início da abertura, nos anos 90, que sempre defendi o offset – a contrapartida que o país recebe quando faz grandes compras do exterior.

Lembro-me do início da Internet, quando o consumidor ensaiava a compra de pequenos produtos de fabricantes de outros países. Surgiam as primeiras grandes transportadoras internacionais, como a Fedex. Os Correios iam fechar um acordo com a Fedex para transportar encomendas para outros países.

Na época, a apreciação do Real produziu uma catástrofe nas exportações. Cheguei a montar um projeto, o Exporta Brasil, visando induzir pequenas empresas a exportarem. Mania minha, de supor que a imprensa poderia produzir políticas públicas através da indução.

Procurei o Ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga – que tinha substituído Sérgio Motta – e sugeri a ele que, nas negociações com a FedEx, incluísse como offset a base de clientes deles, em outros países, e os produtos que consumiam. Foi como se falasse javanês. Aliás, em minha longa carreira jornalística, nunca encontrei pessoa pública mais desinteressada da coisa pública que Pimenta da Veiga.

Mas o grande offset é a transferência de tecnologia. Insisti no tema na licitação FX (dos caças da FAB), em coluna do dia 4 de julho de 2022.

Independentemente de quem seja o vencedor, há que atentar para os seguintes pontos. Quem fiscaliza e absorve tecnologia é o comprador -no caso o governo brasileiro. Por mais que essa transferência vá beneficiar a indústria aeronáutica brasileira, é fundamental que se deixe claro o papel dos órgãos militares no processo de avaliação e absorção da tecnologia. Por isso mesmo, seria tranquilizador para o país se a Embraer e o CTA (Centro Tecnológico de Aeronáutica) superassem antigas divergências e explicitassem um acordo transparente de cooperação.

O segundo ponto é que a busca de contrapartidas deve se concentrar basicamente no campo tecnológico. Além do software e hardware envolvido no processo, essa licitação poderá se constituir em um marco de política industrial do país. Por que não negociar com o vencedor a promoção de iniciativas visando ampliar o escopo da colaboração tecnológica?

A licitação tem um significado de diplomacia comercial e tecnológica muito mais abrangente do que a mera venda de aviões. Poderá ser a ponte entre as comunidades tecnológicas dos países envolvidos. Os vencedores poderão ajudar a estabelecer parcerias entre empresas, institutos de pesquisa, universidades e até regiões.

Repeti em 17.12.2003, na coluna “A licitação da FAB e o offset”.

Nesse momento, os russos ofereceram contrapartidas comerciais de US$ 10 bilhões em produtos brasileiros a serem adquiridos. De seu lado, a anglo-sueca Gripen ofereceu investimentos das empresas dos respectivos países-sócios. Finalmente se está pensando na hipótese de a Embraer ser a fabricante do avião, independentemente de qual seja a companhia vitoriosa.

É importante não embaralhar muito as coisas. O ponto central da parte offset deve ser o da transferência de tecnologia. Não se podem sacrificar questões estratégicas para o país devido a necessidades de curto prazo da balança comercial. Além disso, há que se separar investimentos já planejados de concessões propriamente ditas.

A questão tecnológica é essencial, mesmo porque a tecnologia desenvolvida na área militar é indispensável para o avanço na área comercial.

Este deverá ser o ponto central na estratégia de abertura da economia, na era da transição energética. Repetir o programa pioneiro da Fiocruz, na criação e implementação do Programa de Desenvolvimento Produtivo (PDP), que trocou compra de medicamentos pelo SUS, por transferência tecnológica.

Não será necessário reinventar a roda. É o mesmo que JK fez com o Plano de Metas e a atração da indústria automobilística no país – condicionando a entrada à criação de uma indústria de autopeças brasileira. Ou o que a China fez, para se transformar na maior economia do mundo.

Luis Nassif

4 Comentários

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  1. Esta matéria é séria, ou é uma piada?

    Abro o comentário de maneira ácida, pois ela versa sobre offset e cita o programa Gripen.
    O jornalista Luis Nassif é um defensor da industrialização, nacionalista, inimigo do rentismo, porém, nada entende material bélico, indústria bélica, ou seja, daquilo que se convencionou a chamar de “Base Industrial de Defesa”.

    Pois… Em 2013 eu escrevi um comentário no seu espaço, como uma forma de alerta ao erro que era cometido no tocante ao vencedor do programa FX-2. O senhor alçou o comentário a categoria de postagem com o título de “A Escolha do Gripen NG é Um Erro Histórico”. O meu comentário, alçado pelo senhor a categoria de postagem, estava então assinado como “Ilya Eherenburg” dado que o nome do finado escritor soviético era o meu avatar nos fóruns militares. Dá-se que nele eu afirmava basicamente que dado o fato de haver pouca comunalidade com o Gripen “C”, a aeronave escolhida pela FAB era de fato um projeto, motivo pelo qual devia-se esperar por todos os problemas naturais, cuja ocorrência se dá nas realizações destes (projetos). Além dos bugs, que haveria atraso no programa, aumento de custo e problemas advindos do pouco peso geopolítico da Suécia (força insuficiente na conquista de mercados).
    Quase 10 anos passados, estava eu errado?
    (Digo isto com um sorriso estampado).

    Lembro bem, nem preciso voltar ao referido post, fui hostilizado de todas as formas, canalha foi um dos adjetivos dos mais suaves nos comentários. Barbaramente agredido por ter feito um comentário honesto e que refletia o meu pensamento e aquilo que sabia sobre o assunto. Um jornalista amigo, especialista na área de indústria bélica, conflitos e geopolítica, alertou-me, que o senhor, caro jornalista Luis Nassif, havia elevado o comentário para a categoria de postagem, não por ter apreciado o comentário, mas para suscitar posições contrárias e me expor como debatedor, visto que a minha posição crítica era oposta aquela que o senhor defendia e acreditava.

    Não foram poucas as vezes que o vi defendendo este programa da FAB, como faz agora…
    Ora, ora, venho aqui novamente para dizê-lo: este programa é ótimo para a Suécia e para a SAAB, péssimo para o Brasil e para a Embraer. A minha afirmação, perceba, é enfática.

    Digo:
    1) A SAAB exige que a certificação das estruturas fabricadas no Brasil sejam avaliadas e certificadas na Suécia. Não é preciso ser um gênio para perceber a estupidez do processo e que este encarece a produção.

    2) A usinagem de rebites é provinda da Suécia, algo absurdo visto termos indústria local capaz de atender os requisitos.

    3) A SAAB montou no Brasil uma instalação de estruturas, o que evidência a transferência de tecnologia dela… Para ela mesma! Inacreditável. Em tempo: A SAAB adquiriu parte da AKAER e ao mesmo tempo esvaziou a responsabilidade desta no projeto Gripen.

    4) O programa atrasou, temos agora, em plena metade de 2023, apenas 06 unidades entregues… Que chegam de navio. Espetacular… Para um avião. Ademais, até um dia desses a FAB só tinha 03 pilotos certificados no aparelho, um deles Tenente-Coronel Aviador e Comandante do 1º GDA.

    5) O programa teve o seu custo aumentado…

    6) O IRST necessita de uma campanha de homologação em céus tropicais.

    7) Os mísseis ar-ar ainda não foram integrados. Nem o Meteor, nem o Iris-T. Eles estão integrados ao Gripen C, não ao Gripen E. A única arma integrada até o momento é o canhão.

    8) Ainda que a integração dos mísseis se dê até o fim deste corrente ano, fato é que temos seis vetores sem capacidade plena de policiar o nosso espaço aéreo. O problema não reside na integração dos mísseis, mas no armamento ar-solo e anti-navio cuja a integração prevista deverá ocorrer nos próximos… 10 anos! Isto mesmo, o prazo para a integração destas armas é de 10 anos. A Suécia não tem pressa, pois tem muitos Gripen C para executar a função de ataque ao solo…

    9) O Radar RAVEN ES-05 da Leonardo apresenta um desempenho abaixo do esperado e superaquece. É um problema comum no desenvolvimento de radares, esperado. A Thales resolveu problemas parecidos com o RBE-2. O que é triste no tocante ao RAVEN-ES 05 é que ele se tornou um problema nosso.

    10) Agregamos mais quatro vetores e a encomenda da FAB totaliza agora 40 vetores. A FAB em desespero de causa durante o governo passado tentou de tudo para que se desse a encomenda de um “segundo lote”, não se importando em sacrificar o programa do KC-390, reduzindo por duas vezes a encomenda do lote inicial de 28 aeronaves. Primeiro reduziu para 16, depois para 12! Menos da metade da encomenda inicial!
    Preciso lembrar, que a encomenda inicial visa dar folego para Embraer iniciar a produção do KC-390.

    11) O Gripen E, que deveria ser mais leve que o Gripen C, nasceu mais pesado, e agora exibe 8.0 tons. Ganhou massa no decorrer do projeto e simplesmente anulou o ganho de potência da F-414. O Gripen E deverá exibir o mesmo desempenho de carga do Gripen C. Uau!

    12) Offset… A Suécia, que efetivamente nos têm como clientes no programa Gripen E, tendo a necessidade de substituir as suas aeronaves de transporte, optou pelo C-130J adquiridos de segunda mão da Itália. Agora, acena com uma provável aquisição do KC-390… Por que não o escolheu antes? Por que a SAAB escolhe plataformas da Bombadier (Canadá) para sensores embarcados em detrimento das plataformas da Embraer?
    Pois é…

    Então, senhor Luis Nassif, aqui chegamos. Em 2013 afirmei que os suecos só poderiam transferir o código fonte para a integração de armas, software de missão. Além da estrutura, algo que a Embraer já domina. Efetivamente o que ganhamos? A inclusão do WAD, que na verdade é um produto da Elbit de Israel? Além do ToT da SAAB para SAAB, qual seria o ganho em Offset que tivemos? Compreenda caro jornalista Luis Nassif, dizer que “(…)De seu lado, a anglo-sueca Gripen ofereceu investimentos das empresas dos respectivos países-sócios.”, nada significa, são apenas palavras jogadas ao vento!

    O governo francês havia acenado com a aquisição para AdlA de 10 aeronaves KC-390!
    10 unidades! Isto é offset!

    Caso o suecos adquirissem baterias de ASTROS 2020 da Avibrás, isto seria um offset!!

    A Toyo Matic recebeu tecnologia de usinagem de peça de titânio para execução do programa H-225, Airbus/Helibrás. Isto foi ToT!!!!!!

    O senhor consegue entender, caro jornalista? Para a Embraer, dado o fato de que ela não tem o domínio do programa, montar pouco mais de uma dúzia de Gripens é mais um estorvo do que um ganho. O interessante para a Embraer é o programa KC-390, do qual abrimos mão da encomenda de 16 unidades!

    Consegue entender? Só para se ter uma ideia de como é gerido o programa Gripen E: a versão de dois lugares, bi-place, que seria somente de uso da FAB (a Súécia não necessita), que deveria ser desenvolvida no Brasil, será produzida na Suécia. Custos foi a razão alegada… Ora, pois… Não éramos parceiros, não aprenderíamos fazendo, produzindo?
    Eh, né…

    Aqui chegamos… Senhor Luis Nassif, faça-nos um favor: comece a procurar entender o mercado de produtos bélicos, a indústria correlata, os clientes, os meandros geopolíticos e os operadores, bem como a sua cultura.
    É só o que peço.

    Atenciosamente,
    César A. Ferreira

  2. Curioso: voltei, reli e não consegui encontrar aqui as tais novas afirmações peremptórias pró-Gripen que lhe atribui alhures um pretensioso comentarista “soviético”, armado de pedras e paus contra quem pensa diferente (da tese de que offset deve se resumir a contrapartidas na balança comercial, ainda que no setor de equipamentos militares); aparentemente entende tudo de indústria bélica, mas quase nada de interpretação de texto, pois atribuiu a este texto o significado que quis com base em suas próprias idiossincrasias e rancores. Um pouco mais de polidez não faria mal ao debate e certamente daria mais peso aos argumentos acerca dos vários problemas do programa Gripen.

    1. Você não sabe nada do que fala e interpretação de texto lhe falta.

      Como falta honradez e coragem, visto que “Jicxjo” não corresponde a uma pessoa identificável.

      Falar em polidez chega a ser um cúmulo do absurdo, visto que duvido que na existência deste espaço tenha havido pessoa mais agredida numa coluna de comentários.

      Tenho, por mim, que você é mais um daqueles.

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