Vandalismo ou terrorismo?, por Lázaro Amaro

Em direito penal prevalece, como conquista histórica caríssima ao processo civilizatório, entre outros, o princípio da legalidade

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da Agência Saiba Mais

Vandalismo ou terrorismo?

por Lázaro Amaro

No curso de semana marcado pelos ataques do movimento bolsonarista aos edifícios sedes dos Três Poderes, em Brasília, vamos às redes sociais e nos deparamos com juristas de renomes apresentando discursos exaustivos, suavizando as condutas dos fanáticos, justificando que não se enquadram como terroristas as ações extremistas de direita, na Capital Federal, apesar da enorme destruição promovida, inclusive de parte importante de nosso patrimônio histórico-cultural, da tentativa de linchamento de um agente de segurança, do sumiço de material secreto da ABIN, dos furtos de inúmeros objetos de valor histórico e econômico e de uma gama de outros delitos graves, tudo motivado por ódio e intolerância.

São concepções arrefecedoras do terror social, que insistem na ilusória imparcialidade ideológica de seus proponentes incontestáveis.

Em direito penal prevalece, como conquista histórica caríssima ao processo civilizatório, entre outros, o princípio da legalidade, cujo sentido mais específico estatui que não será criminosa a conduta que não esteja tipificada legalmente como tal. Quer dizer, a conduta para ser considerada delituosa deve amoldar-se à conduta descrita e reprovada pela lei. Esse princípio é inapropriadamente instrumentalizado como fundamento para a exegese abrandadora das condutas dos extremistas.

A lei anti-terrorismo brasileira (13.260/2016) estabelece que “o terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo (Artigo 2º da lei), por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.

A norma apresenta um rol taxativo de motivações, como pressupostos para a configuração do terrorismo, não se incluindo na lista a motivação política.

Para esses interpretadores, as motivações taxativas são mais importantes do que os atos gritantes de terrorismo. Nesse passo, um militante político que explodisse bombas em um aeroporto, matando centenas de pessoas, desde que não o fizesse por razões conhecidas ou declaradas de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, não estaria praticando um ato terrorista. Essa interpretação, a propósito, contraria todos os entendimentos orientadores das convenções e dos tratados internacionais que tratam do terrorismo, dos quais o Brasil é signatário.

Esses cérebros privilegiados possuem obstáculos ideológicos para admitir sua minimamente comprometida interpretação da lei para o caso. Considerar que a literalidade da lei possui muito maior valor do que o direito, mesmo sendo este a própria razão de ser daquela norma que deve protegê-lo equipara-se a uma espécie de fundamentalismo.

No entanto, o propósito do presente texto não é a demonstração de pretenso conhecimento. O que se objetiva é a socialização urgente da perspectiva que enxerga e denuncia a permanente ameaça à ordem pública e à integridade das pessoas pelo bolsonarismo, realidade que exige que sejam tomadas medidas efetivas e continuadas, por parte das instituições e da sociedade brasileiras, de combate ao fanatismo político-religioso. É valioso lembrar que, durante o período em que Bolsonaro ocupou a Presidência da República, pessoas foram assassinadas em razão de sua filiação partidária de esquerda

É curioso que esses ilustres doutrinadores reconheçam o ódio como uma das forças motrizes do bolsonarismo, mas neguem o fanatismo político-religioso como característica do movimento, mesmo quando esse se encontra abundantemente documentado.
Parece que não consideram bastante que os próprios lemas do extremismo de direita sejam “Deus, Pátria e Família” e “Deus acima de tudo”, e que seu líder seja chamado de “mito” e que seja aclamado em templos neopentecostais conduzidos por lideranças utraconservadoras, como sendo o “Ungido de Deus”.

Sim! Existe motivação religiosa também no movimento extremista de direita, para seus ataques à democracia e às instituições democráticas! Para os fanáticos, a esquerda representa uma ameaça à liberdade, à família e à própria religião, de modo que entendem e declaram que os “comunistas” não podem ter existência em nosso país, muito menos no poder político, e que seus militantes devem ser eliminados, no sentido de serem mortos mesmo. Não aceitam a esquerda no poder por questões religiosas e políticas e praticam o terrorismo por causa disso.

Portanto, os ataques às sedes dos Poderes, em Brasília, precisam ser reconhecidos, com a máxima urgência, como ações terroristas premeditadas e organizadas, sob pena de os fanáticos explodirem bombas, matarem pessoas e serem tratados como meros vândalos e homicidas comuns, ainda que penalmente qualificados. A aplicação da lei penal deve ter também função didática e caráter preventivo. É preciso que a punição a esses criminosos sirva de exemplo.

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Lázaro Amaro é advogado criminalista e membro fundador da AJPDC.

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Redação

2 Comentários

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  1. perfeito. além do texto de lei, é preciso entender o que motivou a existência da lei, que é o terror. Na medida em que a nação como um todo ficou aterrorizada, caracteriza-se o terrosmo, mesmo que os motivos não tenham sido elencados. Aliás, o excesso de tipificação mais confunde a interpretação do que a facilita. Bataria que o texto caracterizasse como “terror é a tentativa intencional, levada a cabo ou não, de aterrorizar a coletividade”.

  2. Se os acontecimentos de 08 de janeiro de 2023 não se caracterizam como terroristas, o que o será? De qualquer forma, há discriminação tipificada, porque os atos têm como motivação declarada atacar o ‘comunismo’ (risco que só existe na cabeça oca dessa gente lobotomizada), os ‘não cristãos’, os pró-vacinação, os que questionam a deidade do ‘minto’, etc e tal…

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