Um Manual de Manipulação no Filme “Como Fazer Carreira em Publicidade”

 

Em plena era triunfal do Neoliberalismo de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, o filme “Como Fazer Carreira em Publicidade” (How to Get Ahead in Advertising, 1989) foi muito mais do que uma voz dissonante. Apresenta de forma didática um verdadeiro manual de táticas de manipulação e de engenharia de opinião pública. Um filme obrigatório para ser visto e discutido em qualquer curso de Comunicação Social.


“Porque sou aquele que tira o fedor de tudo, exceto da merda”. Essa é uma das definições dadas para a Publicidade na provocadora comédia de humor negro “Como Fazer Carreira em Publicidade”. Realizado pela produtora britânica Handmades Films (fundada pelo ex-Beatle George Harrison em 1978 para financiar filmes do grupo de humor Monthy Python), o filme é uma envolvente combinação de sátira, Freud e horror ao som de uma sinfonia de órgão de Gustav Holst e uma estranha versão da música “My Generation” do The Who. Pela sua narrativa repleta de linhas de diálogos, além de Cult o filme acabou se convertendo num verdadeira listagem de técnicas de manipulação da chamada “engenharia de opinião pública”.


No maravilhoso mundo da publicidade inglesa, Dennis Bagley (Richard E. Grant) é um yuppie com alfaiataria impecável e fama de gênio. Arrogante e com uma rotina de luxuosos jantares para amigos promovidos pela sua esposa Julia (Rachel Ward) na casa de campo nos arredores de Londres, inexplicavelmente Bagley tem um súbito bloqueio criativo para uma campanha de creme para espinhas. O prazo final para a apresentação se aproxima, a empresa do creme ameaça retirar a conta da agência com os seguidos adiamentos. Bagley entra em pânico, não consegue dormir, fica paranoico: “não pensarei mais em grandes espinhas, espinhas ocultas ou espinhas de garotas gordas”, repete como um mantra em sua cabeça, mas nada adianta. Começa a ficar cada vez mais agressivo e histérico até o colapso mental.


Munido de escova e sabão, nu e apenas com um avental pretende “limpar” todas as marcas da Publicidade da sua casa. E mais, decide eliminar o mundo publicitário da sua vida, pedir demissão e denunciar para o mundo como o “Big Brother” invadiu nossas casas através da TV. Mas tudo se complica ao descobrir que desenvolve uma enorme espinha no seu pescoço e que ela começa a falar e ficar fisionomicamente cada vez mais parecido com ele. A espinha é rude, desbocada, ameaçadora, ou seja, exatamente o Bagley que ele começou a odiar em si mesmo.

As discussões entre a espinha e Bagley são impagáveis: ela o acusa de “comunista” por preferir trens aos automóveis poluidores e que não deixará Bagley destruir as conquistas da civilização tais como “a liberdade de mercado e de decisão do consumidor”. “Você quer tirar os carros das pessoas!”, acusa a espinha.

Mas a espinha do pescoço de Bagley tem um projeto sinistro: crescer até substituir a cabeça que será extraída cirurgicamente. Dessa forma, a espinha tomará o controle para por em prática táticas ainda mais radicais de Propaganda e Marketing e resolver de vez a campanha do creme para espinhas. E, de quebra, ainda engravidar Julia para que tenha um “bebê-espinha”.


Ao longo dessa narrativa “non sense” e bizarra, o filme “Como Fazer Carreira em Publicidade” faz um verdadeiro inventário de técnicas de manipulação da informação e dos desejos dos consumidores na moderna engenharia de opinião. Vamos seguir esse trajeto didático da narrativa:


1- A Técnica da Vidraça Quebrada

Argumento central do filme: “acerte uma pedra na janela e então bata na porta e venda alarmes contra ladrões”. “Se quer vender a bomba deve, em primeiro lugar, vender o medo”. “Ninguém na publicidade quer acabar com as espinhas. Elas são pequenas coisas que rendem dinheiro”. Ou seja, antes de inventar um produto deve-se criar a necessidade. E depois de criada, deve ser retroalimentada. Mulheres que fazem dietas radicais são encorajadas pela Publicidade a saborear pequenas recompensas: “elas merecem, pois qualquer um que viva sob 1200 calorias diárias merece um pequeno prazer. Vá em frente, engula um bolo de passas. E então a culpa baterá e então viremos com nossa dieta. Isso é vicioso que completa um maravilhoso ciclo”, afirma categórico Bagley.

2 – A “Lógica do Papai Noel”

Termo criado pelo pensador francês Jean Baudrillard no seu livro “Sociedade de Consumo”. Para ele, toda a lógica de persuasão publicitária estava numa espécie de alívio do sentimento de culpa por meio de álibis sutilmente sugeridos ao consumidor para que ela possa exercer livremente sua impulsividade e compulsividade. Não cremos em Papai Noel, mas, ao menos, a sua figura nos serve com álibi para justificar o consumismo natalino. Nenhum consumidor crê em slogans, mas eles são ótimos para justificar (para si mesmo e diante dos outros) como álibis nossos impulsos. No filme, a espinha neoliberal que assume o controle de Bagley propõe uma tática radical de marketing: glamorizar as espinhas. Um vídeo é produzido com uma cantora obesa e repleta de espinhas no rosto cantando “My Generation”. Uma “Heroína com Espinhas”.  Retirando a culpa do consumidor, criam-se mercados e a galinha dos ovos de ouro nunca morre. A Lógica do Papai Noel é uma técnica que complementa da tática da “Vidraça Quebrada”.

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