Agronegócio, teoria e prática, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Uma diferença gritante entre o mercado de soja e o de açúcar é que ele já é um produto acabado, enquanto o grão depende de manipulação a posteriori.

Colheita de trigo, colheita de grãos

Agronegócio, teoria e prática

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Volta e meia se fala na influência do câmbio sobre as exportações de commodities, mais notadamente as agrícolas. Antes de entrar no assunto, é preciso lembrar que as commodities caracterizam-se por todos os integrantes do mercado serem tomadores de preço. Para que um fornecedor detenha poder de barganha, a ponto de tornar-se formador de preço, é preciso que ele seja hegemônico na produção de um dado bem. O Brasil esteve nessa condição em duas ocasiões e para dois diferentes itens, café e açúcar. Sobre café, sugiro ler “A questão do café no Brasil” que Delfim Neto publicou com base em sua tese de doutorado. Acerca do açúcar, parece valer a divisão da sua participação na história econômica do Brasil em três períodos, de práticas coloniais, período pré-hegemônico e  hegemônico[1], que começa com a Revolução cubana, quando o Brasil assumiu as cotas dantes destinadas à cuba pelos Estados Unidos, até o presente. Além de a produção brasileira ser significativa perante a mundial, a adição  de álcool na gasolina serve para descarregar o excedente não exportado, mantendo o preço de acordo com os interesses do produtor. É claro que o uso do E85 (85% de etanol e 15% de gasolina) em países como a Índia reduz o nosso poder de barganha, mas ainda não nos tirou essa condição.

A soja tem particularidades interessantes. Embora haja grãos dedicados ao consumo humano, a quase totalidade do produto destina-se à transformação em coprodutos como o óleo e o farelo, com uma imensa gama de produtos finais. Ocorre que país algum do mundo é formador de preço. Prova disso é que a depressão de preços da metade da década passada ocorreu a despeito da continuidade da importação do produto pela China. O preço, nesses casos, é dado muito mais pela perspectiva de acúmulo de estoques do que pela oferta e demanda imediatas. Se houver perspectiva de superávit, o preço cai, caso contrário, ele sobe. Resumindo, vale muito mais o preço futuro do que o à vista.

Outra diferença gritante entre o mercado de soja e o de açúcar é que ele já é um produto acabado, enquanto o grão depende de manipulação a posteriori. Isso faz com que esse mercado tenda ao oligopsônio, quando o número de adquirentes é significativamente menor do que o de produtores. No Brasil, por exemplo, apesar de haver tradings relevantes operando nossas exportações, esse mercado é dominado por seis mega empresas que, a um só tempo, agem como tradings, indústrias e, principalmente, financiadoras da produção. Elas fornecem os insumos, bem como recursos financeiros em troca da entrega do equivalente em produto. Assim, o produtor computa seu rendimento em sacas de soja, cuja venda ocorrerá no momento em que ele achar mais oportuno. Nesse caso, a taxa de câmbio é muito pouco relevante, mesmo porque ela pode variar entre a aquisição de insumos, que se dá antes do preparo de solo, e a colheita, quando os grãos saem para armazenamento conforme compromisso de financiamento.

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O produtor rural, aos poucos, vem se profissionalizando na operação do mercado de futuros e protege-se contra as variações, seja cambiais, seja de mercadoria. Como os custos já estão cobertos pelo compromisso de entrega, resta proteger-se contra as variações pertinentes à margem esperada. Ele pode travar o preço para proteger-se de uma queda, ao mesmo tempo em que compra contratos de opção que lhe garantam não deixar de ganhar caso o preço da commodity ultrapasse o valor travado. Operando somente sobre a margem, o produtor reduz o valor dos prêmios pagos a quem se dispõe a correr o risco por ele, o que é o papel do especulador.

O volume produzido é fruto da indução promovida pelos intermediários e pelos transformadores. Se eles, que têm informação acerca do consumo futuro, creem que o mercado tende a expandir-se, financiam o aumento na área plantada, caso contrário, tendem a segurar o financiamento, induzindo a contração do plantio para a safra seguinte. É aí que existe alguma influência da taxa de câmbio, mas não a presente, pois esta última é fruto de decisões passadas e de externalidades já ocorridas. Daí, qualquer análise que não leve em consideração os mecanismos de comércio serem extremamente temerárias.


[1] A intensificação do plantio de cana-de-açúcar e suas consequências na economia urbana entre 1975 e 2010 na região noroeste do estado de São Paulo (p. 20). Disponível em https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8137/tde-22112016-120454/pt-br.php

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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