Jogos olímpicos de 2016. Muitos empreendimentos, modernizações na cidade para sediar uma dos mais importantes eventos mundial. E os moradores que não são emergentes, ou elitizados de berço, como ficam? Não ficam. A modernização do RJ sempre visou à modernização através da exclusão social. Foi assim no Morro da Favela (atual Providência) e é assim aos ex-moradores de Vila Autódromo.
Morro da Favela, uma das primeiras favelas do Brasil. Após a abolição da escravatura, ex-escravos não tinham para onde ir. Formaram-se cortiços pertos das residências das baronesas e barões. Esses tipos de moradias incomodavam a elite da época. Não tardou para que eugenistas influenciassem a sociedade – ou seria apenas uma boa desculpa para a sociedade discriminadora? – sobre a insalubridade dos cortiços para os moradores elitizados.
Na gestão do então prefeito Francisco Pereira Passos, o Bota Abaixo – mistura de modernização e expulsão dos indesejáveis ex-escravos – causou a demolição de centenas de prédios, principalmente os cortiços, nas ruas centrais da cidade do Rio de Janeiro. A modernização das vias públicas foi inspirada nas vias largas da França, já que naquele século a França era a menina dos olhos da elite brasileira. A Avenida Central (atual Avenida Rio Branco), então, foi um grande empreendimento da prefeitura para o povo – que povo? – do Rio de Janeiro.
O Morro da Favela – o termo “favela”, colocado junto ao “morro”, tem referência à árvore arbustiva nativa da localidade onde ocorreu a vitória contra os rebeldes de Canudos – serviu de moradia a duas castas indesejáveis, os ex-escravos e os nordestinos. Não obstante, o Morro foi criado graças aos corajosos soldados do Rio de Janeiro, que participaram da Guerra de Canudos (1895 – 1896). O governo prometeu entregar-lhes residências caso saíssem vitoriosos do conflito. Promessa por promessa, como estamos acostumados pelos nossos “representantes”, os soldados ficaram suas novas residências no Morro. Os ex-escravos aproveitaram a oportunidade. Talvez, senão fossem os soldados, os ex-escravos teriam destino pior.
Moradia aos párias sempre foi problemática. Por séculos, as políticas segregacionistas limitaram os párias à ascensão socioeconômica. Sem a possibilidade de acesso as universidades, ou aos cursos técnicos, serviram como mão de obra de larga escala ao desenvolvimento econômico do Brasil. Brasília se modernizou através das mãos dos nordestinos, assim como demais cidades. A concentração de riquezas em determinadas localidades apenas favorece, ainda mais, o abismo social brasileiro. A mobilidade urbana, se analisada profundamente, fora para permitir que os párias se deslocassem de suas residências – sem água e esgoto canalizados, luz elétrica, ruas asfaltos –, pelo transporte público, desumano, para os centros urbanos. Centros estes que favoreciam o desenvolvimento das elites brasileiras [aristocracia]. Ao término do trabalho [escravo, mas com conotações de “liberdade”], os párias retornavam para suas residências. Sendo o transporte público o primeiro algoz; o segundo, as condições de suas moradias e a ausência do Estado. E a ausência do Estado era por motivos aristocráticos, soberbos e mesquinhos.
E, novamente, o Rio de Janeiro presenciou políticas públicas aristocráticas. Os moradores da Vila Autódromo se surpreenderam com a decisão de Eduardo Paes. O prefeito prometera que não tiraria nenhum morador da localidade, a não que os próprios moradores quisessem. O Parque Olímpico seria um vizinho [edificação] muito bem estruturado para comportar os atletas, num contrates vergonhoso, ao Estado, das condições de vida dos residentes da Vila do Autódromo. Paes utilizou o DECRETO-LEI Nº. 3.365, DE 21 DE JUNHO DE 1941, para expulsar os moradores da Vila Autódromo. No artigo 5º, do Decreto, constam as possibilidades da Administração Pública desapropria em caso de utilidade pública.
Após os Jogos, o Parque Olímpico terá uma utilidade, para os lobistas.
Ora, por que a prefeitura não cuidou das melhorias físicas [infraestrutura] aos cidadãos ali residentes? Por que somente se preocupou com a modernização da localidade quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos? Por que não fez a PPP [Parceria Público Privada] muito antes desses eventos para melhorar a vida dos párias? Eis as questões que ficam abertas para o prefeito responder.
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Outro evento esdrúxulo foi o discurso do “Dono da Barra” ao proferir:
“Você não pode ficar morando num apartamento e convivendo com índio do lado, por exemplo. Nós não temos nada contra o índio, mas tem certas coisas que não dá. Você está fedendo. O que eu vou fazer? Vou ficar perto de você? Eu não, vou procurar outro lugar para ficar”.
Brasília, Rio de Janeiro e demais cidades! Algo de comum há!
Letra: Brasília. A esperança e enganação ao povo brasileiro
Era uma casa muito engraçada
Não tinha teto, não tinha nada
Ninguém podia entrar nela, não
Porque na casa não tinha chão
Ninguém podia dormir na rede
Porque na casa não tinha parede
Mas tiveram ideias
E passaram a construir
Eram promessas
De dias melhores
Inventaram-se formas de incentivar os trabalhadores
Para a chapada brasiliense
Construíram as “dobradinhas”
Salários em dobro, para os destemidos pioneiros
Com muito custo (dinheiro do povo)
Brasília foi se erguendo
Durante anos, todos os políticos
Cantaram em prosa e verso
A grande conquista da nacionalidade:
A construção de Brasília
Criou-se uma filosofia defendendo
Que a inflação era positiva.
Gerava riqueza.
Certamente, para os ricos.
E o povo
Historicamente
Empobreceu (mais uma vez) desgraçadamente
E assim nasceu
A nova esperança brasileira
A capital
Com sonhos de prosperidade a todos os brasileiros
Mas a realidade
Sempre foi outra
Amigo de amigo
É ter dinheiro do povo
E o povo
Acreditou nas esperanças
Felizes e enganados
Sambaram e comemoraram
Agora, todos vestem
A camisa
Fazendo jus
De povo enganado
Para encerrar, transcrevo valorosas lições de Maria Sylvia Di Pietro:
“não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à maioria dos cidadãos. Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna”.
Para Bandeira de Mello:
“Violar a moral corresponde a violar o próprio Direito'”.
Mesmo que a prefeitura do Rio de Janeiro não gastou nada [Parceria Público Privada], mesmo assim, por que não se vez a PPP muito antes dos eventos esportivos para melhorar a qualidade de vida dos moradores da Vila? Não precisaria expulsá-los.
Referências:
Comunidade Vila Autódromo. Disponível em: http://www.comunidadevilaautodromo.blogspot.com.br/
IPEA. O destino dos negros após a Abolição. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?id=2673%3Ahistoriaodestino-dos-negros-aposaabolicao&am…
Jogos Limpos. Moradores da Vila Autódromo divulgam nota dizendo que não serão removidos. Prefeitura não confirma. Disponível em: http://www.jogoslimpos.org.br/destaques/moradores-da-vila-autodromo-divulgam-nota-dizendo-nao-serao-mais-removidos-prefeitura-nao-confirma/
BBC – Brasil. ‘Como é que você vai botar o pobre ali?’, diz bilionário ‘dono da Barra da Tijuca’. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/08/150809_construtora_olimpiada_jp
BBC – Brasil. Paes ataca ‘dono da Barra’: ‘Não entendeu significado dos Jogos para o Rio’. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/08/150815_entrevista_eduardo_paes_hb_jp
BBC – Brasil. ‘Fomos surpreendidos’, diz morador de comunidade que será removida para Jogos do Rio. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/03/150323_rio2016_vila_autodromo_novas_remocoes_jp_rm
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