Belchior e o nascimento de um novo Brasil

Cantor e compositor muito apreciado nos anos 1970 e 1980, Belchior https://pt.wikipedia.org/wiki/Belchior ajudou a construir o imaginário da geração que cresceu durante a Ditadura. Usarei uma das composições dele para tentar compreender e explicar o momento em que nos encontramos.

A queda de Romero Juca em razão do áudio que revelou a imensa conspiração para depor Dilma Rousseff que envolveu jornalistas, senadores corruptos, Ministros do STF e militares é bem mais trágica do que se imagina. Ela revelou que a democracia brasileira é uma farsa.

A politização do campo militar foi uma característica fundamental dos anos que precederam a Ditadura que se estendeu de 1964 a 1985. Formalmente o regime infame acabou com a promulgação da CF/88. A realidade, porém, não conseguiu se ajustar totalmente à CF/88 em razão da tutela militar da nova democracia que foi incapaz de punir os militares que cometeram crimes durante a Ditadura.

Ao contrário do que ocorreu no Chile e na Argentina, a nossa democracia nasceu surda, caolha, maneta e perneta. Isto explica sua extrema fragilidade. A proibição da pena de morte que consta na CF/88 é ignorada diariamente nas ruas pelas PMs e isto nem sequer causa indignação nos meios jurídicos, jornalísticos e políticos. O mesmo pode se dizer em relação a tortura, que continua sendo praticada nas Delegacias e nos Presídios brasileiros. Até mesmos nos Orfanatos e nos Asilos a tortura é uma triste realidade.

O Brasil nasceu corrompido (pela brutalidade contra os índios, pela exploração desumana dos negros-coisas) e este pecado original nacional tem contaminado todas as instituições políticas que foram criadas no país. Nunca conseguimos remover das entranhas da vida privada e pública as desigualdades que marcaram as relações sociais hierárquicas coloniais.  A corrupção política, judiciária, jornalística e militar que levou à deposição da primeira presidenta eleita pelos brasileiros é só mais um capítulo desta tragédia chamada Brasil que em 1988 construiu uma farsa democrática para esconder a tragédia nacional.

Dilma Rousseff, uma vitima da perversidade brasileira quando era jovem, foi eleita de forma limpa para realizar um projeto nacional com dois grandes eixos: inclusão social e construção da soberania por intermédio do protagonismo diplomático. Ela representava um país em construção, não aquele que foi construído e que, desde os tempos coloniais, vinha sobrevivendo sob diversas máscaras institucionais. O conflito entre o país que desejamos e a tragédia histórica continuada foi terrível e resultou na crise que levou à conspiração urdida por jornalistas, juízes, militares e políticos corruptos.

A injusta deposição de Dilma Rousseff demonstrou que a soberania popular era um simulacro. A resistência dela com apoio da mobilização nas ruas, porém, está purgando a ferida que teimava em não cicatrizar. O vazamento da conversa de Romero Juca e sua queda – fenômeno que certamente abreviará o governo Michel Temer  em razão de expor a ilegitimidade do Impedimento – é um fato novo. Nunca antes na história do Brasil um golpe de estado deixou de ser um fato consumado. Apesar de toda a propaganda anti-petista vomitada pela imprensa brasileira, o golpe contra Dilma Rousseff não conseguiu se consumar. A fragilidade do novo governo é grande demais.

Uma música de Belchior imortalizada por Elis Regina durante a Ditadura diz:

Por isso cuidado meu bem

Há perigo na esquina

Eles venceram e o sinal

Está fechado pra nós

Que somos jovens…

https://www.vagalume.com.br/elis-regina/como-nossos-pais.html

O tombo de Romero Juca fortaleceu a esperança e sugere que uma imensa mudança se operou na realidade brasileira. O Brasil evocado na composição de Belchior está deixando de existir. Neste momento o sinal está fechando sim, mas para os velhos (políticos, jornalistas, Ministros do STF e seus esbirros fardados) que representam um país apodrecido e prestes a morrer. Nós, que somos jovens e representamos o Brasil que nasceu nas urnas e que deseja crescer saudável superando os traumas do passado, não devemos ter cuidado nas esquinas, nas ruas e nas praças onde gritamos: Volta Querida, Fora Temer.

De fato, o golpe de 2016 não foi capaz de nos amedrontar. Nada está decidido. O simulacro de democracia ainda pode ser substituído pela verdadeira soberania popular. A enorme resiliência de Dilma Rousseff é a chave para compreender a nova realidade que começa a se impor.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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