A oportunidade histórica do acordo Brasil-Irã-Turquia

Por Tomás Rosa Bueno

Enviado por Tomás Rosa Buen…, dom, 13/06/2010 – 16:01A “vitória” de 12 a 2+1 dos EUA no Conselho de Segurança das Nações Unidas, obtida à custa de chantagem, pressão e ameaças, deixa cristalinamente clara para todos, se é que alguém fora dos circuitos crédulos habituais ainda duvidava, a opção pelo confronto dos Estados Unidos e das ex-potências coloniais com o maior histórico de intromissões no Oriente Médio, a França e o Reino Unido, à qual se somam a Rússia e a China, cada um pelos seus próprios motivos e ambos com a esperança de manipular o confronto para obter vantagens comerciais no Irã em particular e no Oriente Médio em geral. A Rússia precisa manter ocupado com outras coisas o seu principal concorrente potencial no fornecimento de energia ao bilionário – e perdulário – mercado europeu, e a China espera que os iranianos, sujeitos a restrições de toda espécie, passem a depender cada vez mais do seu único parceiro com independência política, econômica e militar suficiente para dar às sanções a interpretação que quiser e comerciar com eles o que bem entender.

Nenhum dos dois, com populações islâmicas significativas nos seus territórios ou estados vassalos, interessa que um estado confessional muçulmano possa viver em paz e prosperar, dando mau exemplo aos demais, e ambos nutrem a ilusão de que a máquina de propaganda e militar dos EUA e da dupla ex-colonial, uma vez posta em marcha, possa ser manipulada a favor deles e contida quando perder a utilidade.

O acordo negociado com o Irã pelo Brasil e pela Turquia mostra a disposição ao diálogo da atual liderança iraniana. O governo liderado pelo Ahmadinejad, apesar da retórica incendiária e muitas vezes parlapatã dos seus representantes, é o mais aberto a negociações com os EUA desde a revolução que depôs o xá em 1979. Contudo, em mais uma demonstração de que o trio de intrometidos não está interessado em alcançar uma solução pacífica, mas apenas em acirrar os conflitos, eles não só se negam a negociar com o governo iraniano como ainda chegam ao cúmulo de promover como líderes de um fantasmagórico “movimento democrático” a dupla de carniceiros de Teerã, o Mousavi e o seu mestre Rafsanjani, responsáveis pelo massacre de dez mil opositores laicos ao regime dos aiatolás em 1988, e muito mais contrários a qualquer negociação com as potências ditas “ocidentais” do que o governo do Ahmadinejad e a maioria do parlamento iraniano.

Pode-se dizer, sem muito medo de errar, que nada do que seja dito a respeito do Irã pelo trio de intrometidos e a sua coorte de jornais servis pelo mundo afora é verdade. O que demonstra, por exclusão, que a afirmação de que o Irã tem um programa nuclear militar clandestino é provavelmente mentirosa e não passa de uma desculpa, como a das armas químicas iraquianas, para a preparação do clima propício a uma intervenção militar.

O Brasil e a Turquia não podem cair na tentação demagógica de apresentar a sua aproximação com os iranianos como uma iniciativa desinteressada em favor da “paz entre os povos”. Ambos temos interesses bem concretos em tentar evitar uma escalada da agressão ao Irã, os turcos para afirmar a própria liderança na região e para evitar que um conflito armado possa interferir nos seus negócios e afetar a estabilidade política duramente conquistada na frente interna, e nós para defender o nosso próprio direito a um programa nuclear pacífico sem a tutela e o controle das potências nucleares, cuja hipocrisia e cujos padrões variáveis segundo as circunstâncias e os interesses ficaram claramente demonstrados no caso iraniano – o que hoje vale para o Irã pode amanhã ser aplicado contra o Brasil.

A Declaração de Teerã serviu – e serve ainda – não só como uma iniciativa de negociação contra o projeto de intervenção militar no Irã, mas também como um polo de aglutinação de todos os países não nucleares contra a tentativa de controle e tutela do seu desenvolvimento tecnológico pelas potências nucleares. Ela é agora uma bandeira. A Turquia e o Brasil não podem limitar-se agora a defender a validade do acordo negociado, sobre a qual não paira nenhuma dúvida, mas devem levar a sua iniciativa às suas consequências lógicas. Não podem ficar no meio do caminho, não podem tratar, menos a Turquia e mais o Brasil, de pôr panos quentes na questão e tentar seguir adiante como se nada tivesse acontecido, como “campeões morais” de uma disputa cujo prêmio não é uma taça, é um massacre, é um conflito de resultados potencialmente devastadores não só para o Oriente Médio, é a garantia de cerceamento do desenvolvimento tecnológico de potências médias como o Brasil, a Turquia, a Indonésia, a Coreia do Sul, o Irã, o Egito, a África do Sul, as Filipinas, e de todo todo o mundo dito “em desenvolvimento”. A Turquia e o Brasil devem agora valer-se da ascendência e da liderança conquistadas com o acordo BIT e com o voto negativo no Conselho de Segurança e aproveitar-se da oportunidade de serem membros não permanentes desse conselho para, por todos os meios possíveis, denunciar a imposição de sanções ao Irã como o caminho da guerra, e não de uma solução pacífica. Devem expor as mentiras e manipulações, de cujas provas dispõem, utilizadas para forçar uma decisão “favorável” na votação do dia 9 de junho, devem acusar o trio EUA-França-Reino Unido de estarem tentando manter o seu decadente controle sobre o Oriente Médio mediante a manutenção do estado de conflito perpétuo a que, desde a chegada da Royal Navy e dos exércitos napoleônicos no século XVIII, estão submetidos os iranianos, os turcos, os árabes e os judeus, e por extensão o resto do mundo. Juntamente com todas as demais nações interessadas em perseguir pacificamente o próprio desenvolvimento, devem deixar absolutamente claro que se oporão por todos os meios possíveis a qualquer tentativa de intervenção militar no Irã, e que um ataque contra este será uma agressão contra elas. Devem aproveitar a ocasião para forçar a reforma da estrutura antidemocrática e pró-intervencionista da ONU e dos seus órgãos subsidiários, principalmente o Conselho de Segurança, e garantir que este tipo de manipulação nunca mais volte a acontecer.

Estamos diante de uma oportunidade histórica, que requer coragem e decisão para ser aproveitada. Perdê-la significará uma derrota cujas consequências irão muito além da mera perda de prestígio político, tanto interno como externo, dos responsáveis por ela. 

Luis Nassif

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