O crescimento de votos do bolsonarismo no interior de SP: o caso de Ourinhos, por Luiz Alberto Marques Vieira Filho

A análise das urnas mostra motivos de preocupação por indicar um comportamento que poderá ocorrer em outras regiões

Reprodução

Por Luiz Alberto Marques Vieira Filho

As decisões dos eleitores nas cidades do interior do Centro-sul impediram a vitória de Lula no 1º turno e trouxeram grandes surpresas nas eleições para governadores e para o Senado. Embora as pesquisas tenham se aproximado do resultado de Lula, houve um expressivo crescimento de Jair Bolsonaro, que não havia sido detectado. As explicações mais concretas apontam para uma maior abstenção das classes D/E, além do voto útil de eleitores de Ciro Gomes e Simone Tebet para o atual presidente, candidato à reeleição.

No entanto, é preciso observar que as pesquisas apontavam uma vitória de Lula apertada no Estado de São Paulo, o que acabou não se verificando. Apesar da vitória na cidade de São Paulo e na região metropolitana, a diferença de votos no interior levou Lula a uma derrota no Estado de São Paulo por 47,71% a 40,89%.

Analisando os dados da cidade de Ourinhos em relação aos padrões históricos e urna por urna, é possível verificar uma migração de votos de Lula para Bolsonaro na periferia da cidade, hipótese que precisa ser verificada para o total do interior do Estado, mas já sugere a possibilidade de um avanço do candidato de extrema-direita em setores que poderiam garantir a vitória no Estado. O resultado de Ourinhos foi de 56,1% para Jair Bolsonaro e 35,6% para Lula.

Em 2002, na única vez em que Lula venceu as eleições presidenciais no Estado de São Paulo, as urnas de Ourinhos registraram 48,3% para o petista e 31,14% para o tucano José Serra. O resultado de Lula em 2022 foi maior em relação a 2006 e 2010, mas bem acima dos anos de 2014 e 2018, quando a votação do PT despencou não apenas em Ourinhos, conforme tabela abaixo, mas em todo o Estado de São Paulo. 

Candidatos20022006201020142018
Principal Adversário31,34%61,31%43,28%48,45%61,32%
PT48,33%30,49%33,38%23,16%12,20%
Mais votado 3º via11,74%6,46%22,11%25,16%10,50%
Fonte: SEADE

A notícia parcialmente positiva para Lula é que a sua votação em 2022 voltou aos patamares de 2006 e 2010 e até a supera, mas esse acréscimo deve ser ponderado com a redução de votos da 3ª via, que também beneficiou Jair Bolsonaro.

No entanto, os votos de Lula ficaram bem abaixo de 2002, quando Lula venceu no Estado, movimento que ocorreu em todo o Estado de São Paulo e foi forte o suficiente para mais do que compensar a vantagem obtida na capital.

O movimento observado em Ourinhos revela, que muito mais relevante do que a abstenção e o voto útil de eleitores de Ciro e Simone para Bolsonaro, houve uma migração do voto popular de Lula para Bolsonaro. Esta migração de votos pode ser observada pelas urnas da periferia da cidade que, em diversas outras ocasiões, despejaram mais votos em Lula. Das 247 urnas da cidade, apenas 4 deram a vitória a Lula e com percentuais muito pequenos, das quais duas na EMEF Paulo Freire no Parque Minas Gerais e uma na EMEF Nilse de Freitas na Vila Brasil, bairros historicamente lulistas, mas onde a maioria das urnas deram vitória a Bolsonaro. O resultado de toda a cidade mostra que Lula perdeu as eleições em urnas localizadas em bairros de classe D/E.

RendaLulaBolsonaroTotal
A/B3693562210158
C72421293622133
D/E216032874854582
Total325384730686873
Fonte: TSE e classificação da geógrafa Franciele Ferreira Dias

RendaLulaBolsonaro
A/B36,4%55,3%
C32,7%58,4%
D/E39,6%52,7%
Fonte: TSE e classificação da geógrafa Franciele Ferreira Dias

Houve, de fato, uma maior abstenção entre as classes D/E no que nas classes A/B, movimento que também foi acompanhado de maior proporção de votos válidos. No entanto, é difícil considerar que essa pequena diferença seja a principal responsável pela arrancada de Bolsonaro no interior de São Paulo, caso a tendência de Ourinhos tenha sido compartilhada por outras cidades do interior.

RendaComparecimentoVoto Válido
A/B76,3%72,3%
C76,5%73,0%
D/E75,2%71,1%
Fonte: TSE e classificação da geógrafa Franciele Ferreira Dias

A votação registrada por Lula em Ourinhos e no interior de São Paulo, não devem impedir uma vitória nacional, pois foi acima daquelas registrados em 2006 e 2010. Mas abre um flanco de preocupação, uma vez que a candidatura Bolsonaro está avançando em redutos petistas, o que abre a possibilidade de ocorrer em outros lugares.

Além disso, há várias possíveis razões para essa migração de votos ocorrer em outras regiões do Brasil. Militantes que trabalharam nas ruas de Ourinhos durante a campanha apontam a pressão de pastores e comunidades evangélicas sobre eleitores de Lula, fake news relacionadas ao aborto e até mesmo uma versão popular de anticomunismo, que consistiria na tomada da casa própria pelo Estado, o que fortaleceria uma transferência de votos para Bolsonaro.

O quadro é ainda mais preocupante para a campanha de Fernando Haddad, uma vez que a votação de Lula constitui um teto para o seu eleitorado. Neste caso, será necessário investir pesado em pesquisas qualitativas para entender a rejeição de Haddad no campo popular do interior, onde poderia angariar mais votos, caso consiga resolver essa insatisfação. Adicionalmente, é preciso propostas regionalizadas, atendendo as distintas realidades do interior paulista.

No caso de Ourinhos, a força do agro é muito menor do que supõe as direções partidárias da capital. O que parece faltar a campanha de Haddad são propostas críveis sobre como aumentar o salário médio da cidade, onde mesmo pessoas com nível superior possuem um salário médio de R$ 3925,00, e de políticas públicas de saúde efetivas para região.

SetorQD%Salário Médio
Agricultura19838,09% R$          2.527,00
Industria661326,98% R$          2.695,00
Serviços1591364,93% R$          2.239,00
Total24509100% R$          2.385,00
Fonte: SEADE

FormaçãoSalário Médio
Analfabeto R$          1.603,00
Fundamental Incompleto R$          2.210,00
Fundamental Completo R$          2.066,00
Médio Completo R$          2.132,00
Superior R$          3.925,00
Fonte: SEADE

Em suma, a análise das urnas mostra motivos de preocupação por indicar um comportamento que poderá ocorrer em outras regiões, mas também amplas possibilidades de recuperar um eleitorado que já votou em Lula e estava há poucas semanas disposto a votar novamente nas periferias do interior.

*Luiz Alberto Marques Vieira Filho é ourinhense, doutorando em economia pela Unicamp e membro do coletivo do Distrito Federal da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia.

Redação

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