As fazendas de posseiros na Terra Indígena Marãiwatsédé

Do Diário de Cuiabá

Terra nas mãos de poucos

Relatório do MPF mostra que 1/3 da área está concentrado nas mãos de 22 grandes posseiros, entre eles um desembargador

RODRIGO VARGAS

Quase um terço das áreas da Terra Indígena Marãiwatsédé (localizada em Alto Boa Vista, 1.065 quilômetros de Cuiabá) está nas mãos de 22 grandes posseiros. 

Entre eles estão prefeitos, ex-prefeitos, vereadores, empresários e um desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Ao todo, o grupo reúne mais de 32 fazendas que somam 44,6 mil hectares. 

A informação consta de um levantamento produzido pelo Ministério Público Federal a partir de dados do Incra, Ibama e Funai, ao qual o DIÁRIO teve acesso. 

Na lista de grandes posseiros constam os nomes do desembargador Manoel Ornellas, do atual prefeito de São Félix do Araguaia, Filemon Limoeiro, e do empresário Mohamad Zaher, vereador em Rondonópolis. 

Também são citados o ex-prefeito de Alto Boa Vista, Aldecides Cirqueira, e seu irmão, Antônio Cirqueira. Juntos, os irmãos controlam sete propriedades na área xavante.

A maior fazenda identificada na área pertence ao produtor rural Antônio Mamed Jordão, ex-vice-prefeito de Alto Boa Vista. A fazenda Jordão, segundo a Procuradoria, tem 6.193 hectares.

O desembargador Ornellas é citado na lista como o proprietário de duas áreas (ambas identificadas como Fazenda São Francisco de Assis) que somam 886 hectares. 

O grileiro Gilberto Luiz de Rezende, o Gilbertão, é citado como proprietário de 2.636 hectares na área. Alvo da Operação Pluma em 2009, ele foi denunciado sob acusação de chefiar um milionário esquema de grilagem e desmatamento ilegal em Marãiwatsédé. 

Seu irmão, o ex-vereador por Alto Taquari, Admilson Luiz de Rezende, é apontado no relatório da Procuradoria como o ocupante de três áreas que somam 6.640 hectares. Ele também foi denunciado sob acusação de envolvimento no suposto esquema.

DESOCUPAÇÃO – Ontem terminou o prazo concedido pela Justiça para a desocupação da área de 165 mil hectares, homologada para os índios xavantes em 1998. Segundo a Funai, a notificação dos ocupantes não-índios foi concluída em 17 de novembro.

“Foram notificadas um total de: 455 pessoas, em 242 empreendimentos (casas, comércios e fazendas). Mais da metade destas notificações (253) foi feita no distrito de Posto da Mata”, apontou o órgão, em nota.

Os representantes do movimento contrário à desocupação afirmam que mais de sete mil pessoas serão desalojadas pela decisão judicial. O número é contestado pela Funai.

“Cerca de 80% dos empreendimentos já foram notificados, levando a considerar que o número real de ocupantes não indígenas é bem inferior ao número amplamente divulgado na região.”

O DIÁRIO não conseguiu contato com os políticos e produtores citados na lista do Ministério Público Federal. A reportagem deixou recados no gabinete do desembargador Manoel Ornellas, mas, até a conclusão desta reportagem, ele não ligou de volta.

Luis Nassif

2 Comentários

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  1. “posseiros” de Maraiwatsede

    Prezado Luiz Nassif:

    Seu artigo tem dados pouco divulgados e importantes a respeito da história de Maraiwatsede, na qual entrei como perita do juiz, ficando desde então estupefata com a rede de mentiras que até hoje se armou em torno daquilo. Gostaria de acrescentar apenas um dado importante: a homologação é de 1998. Mas, em 1992, foi entregue o relatório de identificação pela antropóloga Patrícia Mendonça. A área foi invadida após a entrega do relatório,sendo que, conforme indica a transcrição do comício de invasão, onde estavam presentes até mesmo agentes da polícia civil para garantir a segurança dos invasores, eles sabiam perfeitamente que a área estava prestes a ser devolvida aos Xavante, pois afirmam diversas vezes que não queriam os índios de volta. E por isso invadiram, segundo os discursos do comício, com apoio do governador do estado e da gerência da Suiá Missu. 

    Esse comício foi gravado e fotografado. Nele, foram distribuídos mapas da área que deveria ser invadida e da área que deveria ser reservada para  grandes fazendeiros da região que financiaram a invasão. Por pouquíssimas pessoas, que constam como réus na ação civil pública que foi iniciada nesse ano, de 1992, juntamente com a multinacional italiana, Agip Petroli, dona da Suiá MIssu,  também ré na ação, por cumplicidade na invasão. A área da sede da Suiá Missu foi também preservada na invasão, bem como a área de antigos posseiros, onde estavam os cemitérios xavantes. Essa área  da sede e dos antigos posseiros foi cedida no acordo para a homologação em 1998, mas constava dos estudos. Essa concessão por parte dos Xavante foi utilizada durante inúmeros julgamentos como argumento para tentar dizer que os estudos foram mal feitos. Mas, os estudos de identificação, conforme atesta meu laudo para o juiz, foram bem feitos e incluíam essa área. A área invadida em 1992, quando da entrega desse estudo, no entanto, não tinha qualquer morador ou atividade produtiva. Foi toda uma grande armação de má fé, entre muitas outras. 

    E os réus até hoje não foram julgados, nem a ação civil pública de 1992. O que foi julgado foi um processo movido pelos réus, alegando que ali não seria terra indígena, embora os discursos gravados demonstrem que eles sabiam que era. Esse processo foi anexado á ação civil pública em 1995, Mas, a origem do processo é de 1992, imediatamente após a invasão ciente da entrega do relatório de identificação assinado por Patricia Mendonça. Isso deveria ter resultado numa reintegração de posse imediata, que evitasse o desmatamento  e tantos outros desmandos ocorridos ali, acobertados por todas as autoridades, sem exceção, ao longo dos vinte anos em que os mesmos argumentos dos réus foram ouvidos por cerca de uns dez juízes e desembargadores que julgaram esse processo, sem jamais ouvir a perita que nomearam para estudar a situação representando o Judiciário. Altos custos para os cofres públicos. Só em termos de estudos de campo, foram quatro pagos pelos cofres públicos, incluindo o meu.

    Inês Rosa Bueno – perita do juiz

  2. “posseiros” de Maraiwatsede

    Prezado Luiz Nassif:

    Seu artigo tem dados pouco divulgados e importantes a respeito da história de Maraiwatsede, na qual entrei como perita do juiz, ficando desde então estupefata com a rede de mentiras que até hoje se armou em torno daquilo. Gostaria de acrescentar apenas um dado importante: a homologação é de 1998. Mas, em 1992, foi entregue o relatório de identificação pela antropóloga Patrícia Mendonça. A área foi invadida após a entrega do relatório,sendo que, conforme indica a transcrição do comício de invasão, onde estavam presentes até mesmo agentes da polícia civil para garantir a segurança dos invasores, eles sabiam perfeitamente que a área estava prestes a ser devolvida aos Xavante, pois afirmam diversas vezes que não queriam os índios de volta. E por isso invadiram, segundo os discursos do comício, com apoio do governador do estado e da gerência da Suiá Missu. 

    Esse comício foi gravado e fotografado. Nele, foram distribuídos mapas da área que deveria ser invadida e da área que deveria ser reservada para  grandes fazendeiros da região que financiaram a invasão. Por pouquíssimas pessoas, que constam como réus na ação civil pública que foi iniciada nesse ano, de 1992, juntamente com a multinacional italiana, Agip Petroli, dona da Suiá MIssu,  também ré na ação, por cumplicidade na invasão. A área da sede da Suiá Missu foi também preservada na invasão, bem como a área de antigos posseiros, onde estavam os cemitérios xavantes. Essa área  da sede e dos antigos posseiros foi cedida no acordo para a homologação em 1998, mas constava dos estudos. Essa concessão por parte dos Xavante foi utilizada durante inúmeros julgamentos como argumento para tentar dizer que os estudos foram mal feitos. Mas, os estudos de identificação, conforme atesta meu laudo para o juiz, foram bem feitos e incluíam essa área. A área invadida em 1992, quando da entrega desse estudo, no entanto, não tinha qualquer morador ou atividade produtiva. Foi toda uma grande armação de má fé, entre muitas outras. 

    E os réus até hoje não foram julgados, nem a ação civil pública de 1992. O que foi julgado foi um processo movido pelos réus, alegando que ali não seria terra indígena, embora os discursos gravados demonstrem que eles sabiam que era. Esse processo foi anexado á ação civil pública em 1995, Mas, a origem do processo é de 1992, imediatamente após a invasão ciente da entrega do relatório de identificação assinado por Patricia Mendonça. Isso deveria ter resultado numa reintegração de posse imediata, que evitasse o desmatamento  e tantos outros desmandos ocorridos ali, acobertados por todas as autoridades, sem exceção, ao longo dos vinte anos em que os mesmos argumentos dos réus foram ouvidos por cerca de uns dez juízes e desembargadores que julgaram esse processo, sem jamais ouvir a perita que nomearam para estudar a situação representando o Judiciário. Altos custos para os cofres públicos. Só em termos de estudos de campo, foram quatro pagos pelos cofres públicos, incluindo o meu.

    Inês Rosa Bueno – perita do juiz

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