Comentando a entrevista de Nicolelis

Boas colocações no geral, mas tenho alguns reparos:

[O governo dos EUA] também coloca dinheiro [de pesquisa] em empresas  De fato, o governo dos EUA coloca MUITO dinheiro em empresas para pesquisa; porém, principalmente de outras fontes que não a NSF (= nosso CNPq), e  na forma de contratos com resultados materiais específicos (como construir o ônibus espacial).  Ou seja, o investimento em pesquisa sai pela via de investimento em infraestrutura e serviços públicos que demandam inovação tecnológica, privilegiando empresas domésticas.  Esste tipo de investimento é muito pequeno no Brasi.; Nossos grandes projetos públicos — como Belo Monte, TAV, banda larga universal,  laptop escolar, Alcântara, submarino nuclear  — quase sempre podem ser feitos com tecnoloia que já existe, e portanto não geram necessidade de pesquisa nas empresas.  

Não creio que CNPq, FAPESP, e outros órgãos de apoio a pesquisa Brasileiros sejam capazes de investir sabiamente em pesquisa nas empresas.   Pelo que tenho visto, iniciativas nesse sentidos tem sido usadas pelas empresas para financiar desenvolvimento de produtos a curto prazo, com tecnologia existente, e não para desenvolver tecnologia inovadora. Na verdade, essas iniciativas tem efeito até negativo, pois permitem que as empresas usem mão de obra temporária —  alunos e docentes de universidades, pagos como bolsistas e consultoes — em vez de contratar um quadro permanente de pesquisadores.  E os mecanismos de avaliação de projetos e resultados dessas agências não não capazes de distinguir bons projetos de besteiras e picaretagens.  Começa pelo fato de que nenhuma empresa vai querer revelar  suas idéias brilhantes antes de patenteá-las e colocá-las no mercado.

“Mas esses [docentes nas universidades] estão dando 300 horas de aula por semestre.” Não é bem assim. Em muitas universidades brasileiras, a carga media por docente não chega a duas disciplinas de 60 horas por semestre, o que significa umas 8 horas de aula por semana.  Não é muito maior do que a das universidades americanas.  Uma diferença é que nos EUA todo docente tem um monitor para corrigir exercícios e atender alunos, enquanto que aqui isso é um luxo raro.  Orientação de alunos de pós-graduação toma muito mais tempo que aulas, mas essa é a atividade que mais produz pesquisa — tanto aqui como lá. 

Um handicap sério que temos por aqui é que muitos docentes supostamente em tempo integral gastam boa parte do seu tempo fazendo bicos diversos, como consultorias e cursos pagos de especialização, que não geram pesquisa.  Infelizmente a política interna das universidades é tal que os reitores não só toleram tais bicos, mas se viram do avesso para facilitá-los. 

“Achar que um cientista vai desviar dinheiro para fazer fortuna pessoal é absurdo.” Infelizmente isso não é verdade.  Cientistas não são inerentemente mais honestos que qualquer funcionário público, e qualquer oportunidade de desviar dinheiro de pesquisa em benefício próprio é imediatamente aproveitada.

A burocracia brasileira, nas agências como no resto do governo, não surgiu espontaneamente. Cada regra e cada lei que existe foi criada para tentar barrar algum tipo de falcatrua que acontecia na sua ausência.  Infelizmente há na academia brasileira (como no resto da sociedade) uma imensa tolerância à corrupção, tanto própria (“todo mundo faz assim, porque não eu”), entre colegas (ninguém deixa de ser amigo de um cara só porque ele embolsou grana que não devia), e por parte da administração (um diretor de faculdade que “cria casos” com seus docentes nunca vai ser eleito reitor).  

Portanto, não é justo culpar o governo pela burocracia e por não confiar nos cientistas.  Boa parte da culpa cabe aos próprios cientistas.  E nesse ponto, os cientistas jovens de fato tedem a ser mais honestos — mas muitos deles aprendem rápido, e viram “velhos” em poucos anos…

Luis Nassif

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