O Banco Mundial, o relatório Doing Business e a escravidão

Por Allan Patrick

O relatório Doing Business não pode ser lido sem que sejam esmiuçados as fontes e referências dos seus números, pois são francamente enviesados. Na seção paying taxes desse relatório, os países que lideram quanto às práticas trabalhistas são as monarquias absolutistas do Golfo, onde o regime de trabalho da maioria (em geral migrantes da Índia, Paquistão, Bangladesh e Filipinas) beira a escravidão.

Há dois anos eu fiz um post sobre esse assunto no meu blogue:

Banco Mundial, o relatório Doing Business e a escravidão

Por Allan Patrick

 

Há um tempo que eu quero escrever sobre o relatório Doing Business do Banco Mundial, anualmente divulgado e que normalmente coloca o Brasil entre os “piores lugares” do mundo para se fazer negócios. Esse relatório é divulgado a torto e a direito e ninguém se preocupa em constatar que ele não tem nenhuma conexão com a realidade, pois é evidente que a economia brasileira é muito mais vibrante do que a grande maioria dos países que estão à nossa frente nesse “ranking”.

Uma das razões para a má posição do Brasil é a demora para expedição de um alvará pela Prefeitura do Município de São Paulo (o relatório utiliza como parâmetro a maior cidade do país), que leva cerca de cem dias, um prazo totalmente fora da realidade no resto do país.

O outro ponto que prejudica bastante o Brasil nesse “ranking” são as exigências trabalhistas. Em parte, com razão, pois ainda não é simples fazer o registro e manter em dia a documentação trabalhista dos funcionários de uma pequena ou média empresa.

Mas o irritante é que, pelos critérios do Banco Mundial, países como o Kuwait ou os Emirados Árabes Unidos (Dubai), onde a escravidão por dívida é um fato (imigrantes só recebem seu passaporte e autorização para retornarem aos seus países com o “de acordo” de seus patrões), lideram o “ranking” Paying Taxes (pagando impostos) em grande medida devido às suas “práticas trabalhistas” favoráveis aos “empregadores”. O Kuwait é o nono melhor colocado nessa classificação. O mesmo país que está nas manchetes dos grandes portais da internet nas seções de notícias bizarras em função de uma questão de gira em torno de direitos humanos e “práticas trabalhistas”:

Kuwait: política sugere que homens tenham direito a escravas sexuais

Homens deveriam ter direito a possuir escravas sexuais no Kuwait, e a atividade poderia ser exercida por mulheres não muçulmanas que se encontram presas no país. Que tal a ideia? Pois saiba que ela foi defendida por uma mulher: Salwa al-Mutairi, política, ativista islâmica e apresentadora de TV local.

Salwa acredita que, ao comprar uma (ou mais) escrava sexual “importada”, o homem se mantém decente, viril e devotado à sua mulher, evitando ser seduzido pelo adultério.

A política defende até que o Kuwait importe prisioneiras de guerra para atuarem como escravas no país, noticiou o “Daily Mail”.

Segundo Salwa, a atividade de escrava seria até boa para as mulheres, pois elas evitariam morrer de fome.

“Não há vergonha alguma nisso”, disse a política.

O governo, acrescentou Salwa, deveria abrir escritórios para a contratação de escravas no mesmo molde daqueles que servem para selecionar empregadas domésticas.

A política deu, como exemplo, Haroun al-Rashid, líder muçulmano do século VIII que governava com sucesso uma área que atualmente equivale a Irã, Iraque e Síria e que teria tido 2.000 concubinas.

Ainda nessa linha, é bom lembrar que os Emirados Árabes Unidos, um paraíso fiscal, está classificado em quinto lugar. Omã, o último país do mundo a abolir a escravidão (em 1970) figura em oitavo lugar. A Arábia Saudita, que aboliu a escravidão apenas em 1962, também ocupa um lugar de destaque, não só no paying taxes, mas também naclassificação geral do doeing business.

Robert Baer, ex-agente da CIA especializado no Oriente Médio e consultor do filmeSyriana, relata em suas obras auto-biográficas, See No Evil e Sleeping with the Devilcomo a multitudinária família real saudita (mais de 10 mil pessoas) tem por costume “adquirir” compulsoriamente propriedades privadas (imóveis) ou participações em empresas (mesmo pequenas ou médias, como restaurantes da moda) por valores aviltantes, mesmo sem a aquiescência dos proprietários originais (isso sim é que o se pode chamar de ato do príncipe!). Este é um lugar que o Banco Mundial considera como bom para “fazer negócios”.

Se no Brasil, esquemas de escravidão por dívida são perseguidos, ainda que timidamente, pelo estado e constituem uma infração trabalhista e um crime, nesses países as autoridades dão respaldo a esse procedimento. É justo colocar essas nações como modelos a serem seguidos?

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Questão de ponto de vista

    É claro que o Banco Mundial compartilha o mesmo ponto-de-vista dos Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita!

    No fundo, uma instituição feita para escravizar países e povos. Apenas uma diferenaça de escala.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador