A política econômica entre a criminalização e a corrupção
por William Nozaki
Dois fatos lançaram luzes essa semana sobre a política econômica do governo interino de Michel Temer: o anúncio das medidas econômicas feito pelo Executivo e a aprovação da nova meta de déficit fiscal no Legislativo. Como o Brasil tem andado de ponta cabeça comecemos de trás para frente.
O governo Dilma foi interditado com a acusação de irresponsabilidade fiscal e de incompetência na gestão dos recursos públicos, sob o neologismo “pedaladas fiscais” encontrou-se o mote para, a um só tempo, criminalizar políticas econômicas anticíclicas e inviabilizar políticas sociais inclusivas. Sendo assim, era de se esperar que o governo provisório caminhasse no sentido da austeridade fiscal e da contenção de gastos. No entanto, estranhamente, aprova-se quase a duplicação da meta de déficit fiscal.
O déficit de 96 bilhões apresentado por Dilma salta para 170 bilhões sobre a caneta de Temer sem que haja, dessa vez, nenhuma manifestação dos indignados da classe média e da elite nacional. A pergunta que se impõe é: afinal, com que serão utilizados os 74 bilhões a mais de déficit fiscal?
Ninguém sabe ao certo, mas há alguns indícios: certamente esses recursos não serão utilizados com a implementação, manutenção ou ampliação de políticas sociais, afinal, o governo já sinalizou cortes nas políticas de habitação, educação, saúde e transferência de renda. Talvez parte desses recursos seja utilizado para financiar os programas de desestatização seguindo a velha lógica autofágica segundo o qual os recursos públicos (que no país não são tão públicos) financiam a iniciativa privada (que no Brasil não tem tanta iniciativa) a fim de desmontar o próprio Estado.
O mais provável, entretanto, é que haja um pacto implícito entre o governo e o mercado de forma a justificar, hipocritamente, a implementação de uma política anticíclica justamente por aqueles que a criticaram.
O aumento do déficit fiscal pode, em breve, ser acompanhado de uma redução da taxa de juros, e, para compensar as perdas do mercado o governo oferecerá em troca as flexibilizações trabalhistas, a reforma previdenciária e as privatizações.
Se a estratégia prosperar Temer terá tido êxito em coesionar empresariado e parlamentares, se falhar o PMDB terá deixado uma bomba relógio para qualquer governo progressista futuro.
No processo recente de judicialização da política, uma face da moeda se encontra na criminalização de certas políticas econômicas e a outra se situa no corrompimento do orçamento público.
É importante destacar que esse mesmo PMDB, representante de uma política aparentada da República Velha, aprovou o reajuste do judiciário em até 41%, gerando um gasto de cerca de 5,5 bilhões e rechaçou o aumento de 9% no programa bolsa família, que gera um gasto a mais de cerca de 2,1 bilhões.
Manejar o orçamento de forma a reiterar a desigualdade econômico é um modo de corromper as funções públicas do Estado. Trata-se de uma espécie de “corrupção legalizada” pelos procedimentos jurídicos, administrativos e contábeis. Talvez por isso o governo transitório escolheu como seu primeiro ministro do planejamento uma figura como Romero Jucá, não é casual que o principal responsável pela peça orçamentária seja alguém envolto em tantas investigações, delações, vazamentos e afins.
Mas ao que parece, infelizmente, no país de ponta cabeça, a corrupção que promove e encobre as desigualdades não gera tantas indignações.
William Nozaki – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, sociólogo e economista.
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