Garantia de falar por último é para todos. STF não pode restringir!, por Lenio Luiz Streck

Resumo: Se o STF disse que há o direito fundamental ao devido processo, então todos devem ser beneficiados!

do ConJur

Garantia de falar por último é para todos. STF não pode restringir!

por Lenio Luiz StreckBem vindo ao Player Audima. Clique TAB para navegar entre os botões, ou aperte CONTROL PONTO para dar PLAY. CONTROL PONTO E VÍRGULA ou BARRA para avançar. CONTROL VÍRGULA para retroceder. ALT PONTO E VÍRGULA ou BARRA para acelerar a velocidade de leitura. ALT VÍRGULA para desacelerar a velocidade de leitura.

Com a decisão já definida no sentido de que o artigo 403 do CPP deve ser lido no sentido de que as alegações finais da defesa devem vir sempre depois das do delator, resta ao Supremo Tribunal Federal dizer o que acontecerá com as ações penais já terminadas e em andamento. Na verdade, nem precisaria, porque uma garantia deve ser aplicada sem modulações.

Diz-se, no entanto, que há movimento no sentido de que somente seriam beneficiados os réus que pediram para apresentar alegações nessa nova ordem e não foram atendidos. Mas diz-se também que a decisão pode ser estendida a todos os réus, desde que cada um prove o prejuízo. Editorial da Folha de S.Paulo, alarmista, fala no perigo de uma “impunidade retroativa generalizada” (sic), o que mostra que o imaginário “lava jato” continua assustando a grande mídia.

Sigo. Tenho que a decisão — correta — do STF apenas fez uma leitura constitucionalmente adequada[1] dos dispositivos do Código que tratam disso.

Assim decidindo, criaram jurisprudência no sentido da aplicação do devido processo legal substantivo (ampla defesa efetiva). Claro que isso tem consequências. Já não se pode simplesmente dizer que somente alguns réus devem ter o direito de ter a sentença anulada.

Explico: o direito ao devido processo legal (ampla defesa substantiva e não ficta) não depende e não pode depender de quem pedir. Ora, se um HC deve ser dado de ofício, uma garantia como a de falar por último não deve depender de um pedido. Parece óbvio isso.

A concessão da garantia de ampla defesa efetiva-substantiva decorre de obrigação do Estado. E, em sendo a decisão do STF a afirmação do devido processo legal substantivo, não se pode exigir que o réu prove o prejuízo para dele se beneficiar. Por quê? Porque este é ínsito ao não cumprimento do substantive due process of law. O prejuízo é presumido.

Explicando com mais detalhes, permito-me dizer que o STF, ao pretender modular a anulação das decisões da “lava jato”, que viola(ra)m garantias constitucionais processuais, se assim o fizer, irá — a corte — transigir com normas constitucionais, como se o tribunal estivesse acima da própria Constituição e estive à sua disposição aplicar ou não, cumprir ou não, essas normas.

Acrescento: A extensão das garantias não está à disposição do tribunal. Em face de casos de violação, o tribunal não pode deixar de assegurar essas garantias, sob pena de usurpação do lugar que é dos constituintes.

Isso por razões que deveriam ser óbvias: garantias processuais são direitos fundamentais e, portanto, são inegociáveis. Em nenhum lugar do mundo, a começar pelos Estados Unidos, restringe-se o efeito retroativo de uma anulação em favor do réu; restringe, sim, apenas quando a anulação prejudica o réu.

Trata-se do velho princípio da regra mais favorável, presente em todos os sistemas jurídicos democráticos, inclusive no Brasil.

Mais uma vez, o que está em questão é o direito fundamental à liberdade, à presunção de inocência, à ampla defesa e ao contraditório; enfim, ao próprio devido processo legal substantivo. Processo nulo, decisão nula.

Por tais razões é que devemos esperar e requerer que o Supremo Tribunal, depois de reconhecer no dia 26/9/2019 — corretamente — a violação do devido processo legal pela circunstância de os juízes terem equiparado os réus delatores aos réus não delatores, simplesmente aplique, em um segundo momento, o novo entendimento de forma a beneficiar todos os réus não delatores — independentemente da situação em que está o processo — aos quais não foi concedido o direito de falar por último.

A partir do Estado Constitucional, é possível afirmar, sem receio de “impunidade retroativa generalizada” (sic), que a nova decisão deve ser aplicada a todos os processos em que ocorreu circunstância similar (coexistência de réus delatores com réus não delatores), independentemente do estado do processo. Do contrário, estar-se-á aceitando que alguns réus foram condenados sem o mesmo direito de defesa que outros receberão, pelo simples fato de que a decisão só veio tardiamente. Afinal, direitos fundamentais não dependem de um pedido, de uma súplica. São obrigações estatais. Como o habeas corpus. Devem ser concedidos de ofício. Sempre.

Uma garantia constitucional, um direito fundamental não pode ser aplicado mediante oração adversativa, com um rotundo “mas” ou um “porém”, algo como “o réu não delator tem direito a…”, mas…e vem a negação. Lembro aqui do “filósofo” Ned Stark, personagem de Game of Thrones, quem dizia: tudo que vem antes da palavra “mas” não importa. Nothing someone says before the word but really counts.

Pensando bem, de que adianta dizer que fulano tem a seu favor todas as garantias, mas, neste caso, não. Ora, seria mais fácil e rápido dizer: não tem direito algum.


[1] Li, no jornal Estadão, que a advogada Vera Chemin criticou a decisão do STF, chamando-a de ativista (sic). Não sei o que ela entende por ativismo, mas, pelo menos para mim (e para uma parcela considerável da doutrina constitucional), garantir direitos com interpretação constitucional jamais foi ativismo. Vou debitar o adjetivo “ativismo” a uma má compreensão do jornalista ao que disse a advogada.

 é jurista, professor de Direito Constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

Redação

4 Comentários

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  1. Essa questão da ordem das falas entre delator e delatado é uma coisa tão óbvia, que somente seres muito cafajestes contestam tal obviedade…infelizmente caso do ministro Fachin, ao qual sem humildade nenhuma julgo ser, para ele, a melhor resposta a minha, dada ontem. Ou seja, Fachin disse não haver lei estabelecendo tal ordem de falas (e aceitou sujeitar-se ao adjetivo IGNORANTE quanto ao artigo 403 do código do processo penal). Mas se também não há lei nenhuma que estabeleça que devamos nos limpar após usar o sanitário, então o ministro estaria esperando uma lei para começar a limpar a bunda? Aliás, certas decisões fedem… Mas, em total concordância com Lênio, federá muito mais decisão do STF que não estenda a todos os que foram fraudulentamente condenados graças ao descumprimento dessa obviedade: só podemos nos defender daquilo que sabemos ser acusados.

  2. Faltou o venerável jurista comentar a juris-imprudência fardada de um general vagabundo que continua ameaçando o STF. Mas para fazer isso é preciso usar uma modalidade discursiva que o Streck provavelmente não quer dominar. Portanto, tomei a liberdade de fazer algo. https://t.co/rWYvSUFRtY

  3. Uol mancheteia que o novo “percuradô” Aras declara que espera que o “STF não promova impunidade”.
    Ora quem promoveu esse “risco” foi o próprio MPF e Justiça Federal do Paraná com seus processos manipulados.
    Na verdade, ele promoveu muito mais que isso: a desorganização institucional, a insegurança jurídica, a destruição da economia, contribuiu decisivamente para um impeachment e para a eleição de um pateta que se pensa chefe de milícia e seu governo trágico-circense.
    Prender corruptos é muito mais simples do que este assunto único de meia década: é só processar e condenar, sem alarde, os verdadeiros e grandes bandidos, que estão na maioria soltos e usufruindo de bela parte da grana roubada (Youssef, P.R.Costa, Cerveró, Pallocci, Delcidio, etc.).
    Destruiram, a economia, a política, a justiça e abriram o caminho para Bozo e para a entrega do país.
    Não venham agora querer colocar a culpa (só) no STF.
    Ele é só co-auto dessa geléia, digo meleca geral que hoje somos.

  4. As tais limitações já mencionadas pelo presidente do STF são maneiras de não mexer naquilo que os poderosos não permitem. O articulista expõe de maneira inteligentíssima e compreensível o porquê da decisão ter que atingir a todos. Tenha teoricamente prejuízo ou não ao seu direito, tenha ou não deixado de expor em suas alegações ou mesmo em recurso a questão processual.

    A questão não é se situa na nulidade processual, mas, sim, violação a preceito constitucional, ou seja, aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Se há prejuízo ou não – é uma questão a ser analisada – depois das alegações da defesa, tenha ou não percebido, no momento, este proceder processual, no caso, não ter havido condições para a defesa do réu delatado falar por último, ou seja, após as alegações do réu delator, máxime porque a delação é uma prova que se baseia a sentença ( v. gratia, no caso de Lula)

    Em síntese, se a norma viciada violar o princípio constitucional, como acima se expôs, a nulidade é absoluta. E ainda falar em provar o dano à defesa é irracional, máxime tratando-se de nulidade absoluta.

    Portanto, não há que se falar em restrições. Elas são novamente uma forma de burla os preceitos constitucionais. É aquela mania que se apegam os nossos juízes: ” eu acho que…..”

    Por favor, obedeçam a Constituição Federal.

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