A recriação do Brasil depois de cinco séculos de fracasso, por Sebastião Nunes

Este domingo será, acredito, o dia de nossa libertação das garras do dragão da maldade e da ignorância.

A recriação do Brasil depois de cinco séculos de fracasso por Sebastião Nunes

Tendo criado o mundo em sete dias e assistido, durante milhares de anos, à lenta, violenta e sangrenta evolução dos hominídeos, Jeová cansou da brincadeira e pensou em criar uma espécie superior mais harmoniosa e menos ambiciosa. Andava de saco cheio de guerras, traições, reis, generais e imperadores.

Chamou seu parça Darwin, que experimentava produzir novas espécies a partir do cruzamento de leões com samambaias, e indagou:

– Carlinhos, que tal me ajudar na criação de uma espécie de humanos felizes?

– Felizes? – Exclamou sinceramente bestificado Darwin. – Como assim, seres humanos felizes? Mas isso é impossível!

– Deixa de ser pessimista, Carlinhos – disse Jeová. – Vamos pensar juntos e dar um jeito no lixão que a Terra virou.

– Então, tá – disse Darwin, suspirando. Deixou um jovem leão trepando com uma samambaia de folhas largas, experimento no qual depositava grandes esperanças, e sentou perto de Jeová.

– Vejamos – disse Jeová, o olhar perdido nas nuvens distantes. – Sua teoria de seleção natural não deu certo, obviamente.

– Minha teoria? – protestou Darwin. – Eu apenas organizei cientificamente a bagunça que era a sua criação.

– Minha criação era uma bagunça? Dobra a língua, seu desaforado!

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EXPLICANDO O INEXPLICÁVEL

Em termos terrestres, o ano de que estamos falando era o de 1500 depois que a vinda de Cristo para salvar os homens tinha fracassado. A ideia original foi de Satanás, até então braço direito de Jeová, expulso com suas hordas para o Inferno, logo após o fracasso retumbante da empreitada, com o título simbólico de Imperador das Trevas. “Para deixar de ser besta e de ideias mirabolantes”, resmungou Jeová.

Além do mais, Cristo, mancomunado com a mãe, jamais perdoou o Pai por ser obrigado a permanecer três dias e três noites enterrado vivo, só tendo se safado porque um bando de ladrões, achando que o defunto era um ladrão rico, cavou a sepultura em busca de dinheiro e joias. Bem que Jeová tentou explicar que sacrificara o filho na melhor das intensões, mas Jesus era teimoso como uma mula e não se deixou enrolar, pois, como dizia:

– O que tinha eu a ver com os pecados daqueles judeus ignorantes? Se nem pra derrotar os romanos eles serviam, para que serviriam? Pra empilhar ouro?

Jeová chegou a pensar que o antissemitismo surgira entre os discípulos de Jesus, mas terminou convencido pela Virgem Maria de que Jesus, sendo onisciente e ele mesmo um judeu, nunca inventaria uma teoria que, mais de vinte séculos depois, quase destruiria seu povo. De qualquer forma, se por um lado o cristianismo crescera e se multiplicara, por outro lado, o antissemitismo também fincara profundas raízes.

POLINDO AS PRIMEIRAS ARESTAS

Jeová e Darwin estavam prestes a trocar socos e pontapés, de tão irritados que ficaram, quando meus amigos recém-mortos decidiram intervir.

– Parem com isso vocês dois! – berrou Sérgio Sant’Anna, quase botando os bofes pela boca, de tanto que havia corrido, depois de alertado por São Pedro.

– Não acham que estão bem grandinhos pra brigar desse jeito? – entoou Otávio Ramos, chegando destemperado.

– Onde vocês pensam que estão, na zona? – explodiu Manoel Lobato.

– Ora, quem diria, dois marmanjos arreliando – debochou Adão Ventura.

– Nunca imaginei que a decisão deste domingo no Brasil fosse tão dramática, a ponto de deixar até os moradores do Céu com os nervos à flor da pele – deplorou Luís Gonzaga Vieira.

– Pois deixou – disse Jeová, percebendo o quanto havia se exaltado.

– Ainda bem que vocês chegaram – aprovou Darwin. – Mas foi até bom, pois agora vocês vão nos ajudar a resolver um problema que Jeová levantou.

– E qual é esse bendito problema? – perguntou Sancho Pança que, seguido por Dom Quixote, Janis Joplin e Jimi Hendrix, acabava de entrar no celestial recinto.

– A criação de uma espécie de humanos felizes – disseram a uma voz Jeová e Charles Darwin, deixando os amigos bestificados diante de tamanho disparate.

(A recriação do Brasil começa, se começar, no próximo domingo)

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A legenda para a ilustração desta crônica é “Ou o Brasil acaba com Bolsonaro ou Bolsonaro acaba com o Brasil”.

Sebastião Nunes é um escritor, editor, artista gráfico e poeta brasileiro.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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Sebastiao Nunes

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