A esquerda e o Brasil estão na encruzilhada

Semana passada um vizinho aqui da rua (Salvador-BA) me chamou para dizer que ficasse atento e deixasse de andar com aquele boné vermelho do MST que estava na minha cabeça. Profetizou riscos à minha integridade física. Estava informado pois ouviu discurso de ódio dirigido ao MST vindo dos mais altos escalões do Ministério da Agricultura aos baixos cabos eleitorais da direita. Comprei o boné numa feira nacional de produtos orgânicos organizada recentemente pelo MST no Parque Água Branca (SP). Adorei a feira, os produtos, todo o clima do mercado popular.

A minha modesta opinião é pela qualidade fundamental da agricultura familiar e orgânica. O agronegócio mantido à agrotóxicos e outros venenos considero atentado à humanidade e ao planeta. As diferenças entre agricultura orgânica e agrotóxica são inconciliáveis, acredito, até que me provem o contrário e muito bem provado. A comparação entre os dois processos agrícolas pode ser tomada como alegoria da condição inconciliável entre os interesses do desenvolvimento humano e bem comum e os interesses dos capitalistas no mercado e no Estado.

O PT na encruzilhada: nasceu partido contra a ordem, favoreceu, entre outros movimentos, o MST e a defesa da agricultura orgânica. Contudo, ao chegar ao poder, o PT passou a servir preferencialmente à ordem, passou a ser partido da ordem e a bancar a agricultura tóxica, a real politik. Fez a travessia nesse diapasão, alargando-se sempre à direita. Até que um dia a direita mesma, incrustada nos estamentos do judiciário, da mídia e da política decidiram que a ousadia do PT de operar com seus próprios operadores, usar os mesmos métodos e fazer a mesma política que eles sempre fizeram deveria acabar.

O PT lambuzou-se na merda da ordem e ofereceu no altar do capitalismo carne fresca. Os erros inscritos na prática política do PT no poder deslegitimam o partido e toda a esquerda. Em cima disso os lobos crescem e poderão recuperar todo o controle, inclusive comerem carneiros, chapeuzinhos, e vovós e tudo o mais.  Ao ultrapassar os “limites” da ordem pela direita e não pela esquerda, o PT passou a sofrer uma espécie de desmanche, o que parecia sólido desmancha-se no ar. A real politik alimentada por muita corrupção é o método preferencial de gestão do capitalismo, gerador de tantas desigualdades. Foi contra isso que o povo brasileiro decidiu ao eleger Lula, a esperança de um novo tempo. Expressão dos mais lídimos interesses que se forjaram nas lutas contra a ditadura e em favor das liberdades democráticas o PT foi eleito para que pudessemos, finalmente, construir uma nova história, fazer outros 500 de modo muito diferente do que havia sido feito até então.

Apesar do momento de ódio e exacerbações preciso continuar a acreditar que a esperança, apesar de tudo, continua viva, ainda que neste momento possa ser encontrada apenas latente, como a brasa adormecida e coberta de cinzas. Erros políticos e econômicos da era Lula/Dilma poderão dissolver a maioria dos ganhos quanto à redução das desigualdades sociais, a questão central do país, evidentemente. A luta será mais dura a partir de agora. A tragédia que vivemos no momento ultrapassa o aparente desmanche do PT, que talvez venha a naufragar enquanto alternativa real de poder nas próximas eleições. Se isto for confirmado pelas urnas, se a maioria do povo vier, de fato, a abandonar o PT à sua própria sorte teremos que construir outras opções de esquerda, de massas, capazes de terem papel decisivo para o aprofundamento das transformações estruturantes até hoje adiadas.

A tarefa é gigantesca e depende do trabalho de gerações. O caldo de cultura que levou à criação do PT foi profundo, porém é desconcertante perceber que o partido pouco fez – ou nada fez – para fortalecer e aprofundar a consciência crítica da maioria da população brasileira. A derrota do PT é a derrota da esquerda, que precede a fermentação do caldo de cultura fascista, com a cobertura desmedida do Judiciário e da Mídia.

Momento crucial, assistimos a escalada da direita radical e estúpida criminalizando os movimentos sociais, repetindo a velha e pior tradição brasileira de tratar o social como caso de polícia. Neste clima, cresce o ódio contra o MST e a favor de um aventureiro irresponsável, venal, que é o senador tucano que atrapalha o país e que pretende ser o nosso Berlusconi menor, capaz de deixar o Brasil de joelhos, como tantas vezes se viu no passado. 

Continuo acreditando que o Brasil é bem maior e melhor do que a mediocridade da política produzida por suas elites.

Redação

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