Conservadores são sempre os outros

Não é surpreendente que relativamente tão poucos assumam ser “conservadores”. Afinal, posto que é impossível conservar sociedades, tal como se fossem itens de museu, seria quase sem sentido imaginar algum sucesso nessa tarefa.  Pode-se tentar desacelerar a substituição de valores ou fórmulas, se tanto.

O que acontece, contudo, é que, por variadas razões, inclusive a convicção, as pessoas se sentem confortáveis com ideários aprendidos, às vezes há muito no passado. E podem se revelar conservadoras, no sentido de resistentes a mudanças, até sem perceber. Pode haver um conservadorismo ingênuo, talvez. Não é por mal.

Mas também há modos de se disfarçar essa resistência a mudanças, ou pelo menos a que temas sejam abordados. Repare-se, no dia-a-dia, quando as seguintes expressões forem usadas: “ditadura do politicamente correto”, “isso é da turma dos direitos humanos”, “respeite minha liberdade de expressão”, “não venha me censurar”, “esse assunto não é importante”, “ é modismo”, “esquerda festiva/patrulha”, “você não tem outra coisa pra falar?”, “eu não sou preconceituoso, mas…”, “você está se autovitimizando”, “você tem que entender…” (esta é ótima…).

Acompanhe-se com atenção para ver que “lado” usa.

Ou, ainda, quando algumas estratégias de comunicação são usadas em artigos, como “falácia do espantalho” http://bit.ly/eDs6oH, tomar partes pelo todo, reducionismo, indignação seletiva ou diversionismo (comum em textos neocon, como os de João Pereira Coutinho, no caso dele com mal-disfarçado sarcasmo junto.)

Nem falemos em contradições de discurso! Uma mesma pessoa pode um dia dizer que é a favor da autodeterminação de Porto Rico, e, no dia seguinte, é contra a do Tibete. Pode alegar a defesa da liberdade de expressão para um site “negacionista”, mas pedir a censura a um “islamófobo”.

Não quero falar do duradouro conflito “esquerda”/”direita” no campo da economia e justiça social. Disso já se fala muito. E seria até bom que se falasse ainda mais num país em que há partidos conservadores nesses temas com siglas tais como PSDB, PSD, PP (Progressista! Com Bolsonaro?), PTB. Disputando o “discurso de gestão” com siglas como PT, PSB, PDT, PCdB. Tudo isso me soa um pouco “o conservadorismo que não ousa dizer seu nome”, pois até nas eleições dos EEUU, com dois partidos de direita, parece-me haver mais embate ideológico.

Mas a intenção aqui, por ora, é provocar um pouco mais a discussão sobre a dimensão (eixo) “sócio-comportamental” do “Political Compass”.  Link para esse teste e alguns comentários a respeito podem ser encontrados aqui http://www.politicalcompass.org/, e aqui http://bit.ly/QAMeO2, http://bit.ly/PiRjuX, http://bit.ly/QAMtc1. E recentemente vimos uma primeira pesquisa de opinião em SP (da qual até aproveitei algumas perguntas), que é baseada no modelo norte-americano: http://bit.ly/S4ZM3y (mas é de “um eixo só”, ainda.)

Eu gosto do conceito da “bússola política”, mas não gosto do teste em si. As perguntas são feitas para a cultura anglo-americana, muito liberal em economia e protestante. E algumas são de modo a que quase qualquer pessoa de bom senso, conservadora ou não, responderia do mesmo modo. O resultado é que quase sempre as pessoas aparecem como “esquerda libertária”, mesmo se são de opiniões muito diferentes entre si sobre muitos temas. Talvez a intenção dos autores seja dizer:  “veja o libertário que existe dentro de você!” Ou, “não somos tão conservadores, assim”. (Libertário costuma ser usado nesse eixo mais ou menos como progressista é usado para questões político- econômicas.)

Até aqui já há muito o que pensar.

À guisa de entretenimento, no entanto, pensei numa série de assertivas nas quais acredito. Hoje. Ou seja, estão propositadamente redigidas de modo a que eu responderia “Sim, concordo”.  Hoje.

E as razões nem sempre são óbvias. De propósito não são feitas argumentações em torno, o que pode fazer algumas coisas parecerem contradições, uma vez que a intenção não é fazer ninguém mudar de ideia. O que, de resto, seria dificílimo.

Mudanças de opinião sobre alguma coisa, nas sociedades, ocorrem lentamente, no mais das vezes uma nova maioria só se verifica de um outro lado quando mudou a geração. Ainda que quase inexoráveis, mudanças podem ser, também, para uma direção com a qual não concordamos. E sempre lembrando que há coisas que parecem não-conservadoras para uma pessoa mas conservadoras para outra.

O alerta é apenas que, responder com sim à maior parte das questões não significa que alguém não é conservador. Poderia até significar, mas dependeria de muitos juízos de valor. Significa, apenas e portanto, que alguém pode ser mais uma dessas pessoas que se diz “não conservadora”. 😉 

– A espiritualidade é aprendida

– A religiosidade de todos deve ser respeitada

– Não é necessário discutir se Deus existe ou não, essa discussão não terminará durante minha vida

– Sou favorável a pesquisas com células-tronco

– Acreditar em Deus não necessariamente torna uma pessoa melhor (Datafolha)

– A multiculturalidade é importante e enriquece uma sociedade

– A xenofobia é contraproducente para as sociedades

– Uma legislação sobre imigração deve ser pensada o quanto antes

– Ufanismo pode levar a autoengano

– Culturas minoritárias ou línguas em extinção devem ser estimuladas

– Direitos econômicos de povos indígenas devem ser respeitados

– A homofobia deve ser criminalizada

– Casais homoafetivos devem poder adotar crianças

– O casamento gay é igualdade de direitos civis

– Eu acho que casais gays podem se beijar onde casais hétero também se beijam

– Acredito que políticas de ação afirmativa são justas

– Eu acho conveniente algum sistema de cotas raciais na publicidade

– A criminalização do racismo é indispensável

– Acho adequado que se faça notas de contextualização em obras literárias

– É bom que se faça o teste de cotas raciais em universidades

– As drogas, maconha ao menos, devem ser despenalizadas

– Eu apoio o uso de penas alternativas à prisão

– Há preconceitos em relação a quem se faz tatuar ou usa piercing

– Pena de morte, para mim, é inadmissível

– Posse de armas deve permanecer proibida (Datafolha)

– A desigualdade é a maior causa da criminalidade (Datafolha)

– Corrupto não é só quem aceita vantagens, mas também quem oferece

– Eu sou contrário ao voto distrital

– Sou favorável ao financiamento público e exclusivo de campanhas eleitorais

– Utilização de “Caixa 2” deve ser penalizada

– Estados devem ter maior autonomia política e jurídica

– O voto deve ser obrigatório

– Crítica não é censura

– Discursos estimulando ódio ou preconceito não devem ser protegidos pelo argumento de Liberdade de Expressão

– Eu apoio limites à concentração/cartelização da mídia

– Imparcialidade da mídia (jornais, revistas, TV, blogosfera) é uma utopia que não precisa ser buscada

– Piadas desqualificadoras não devem ser feitas

– Troca de arquivos na internet não deve ser perseguida

– Privacidade na internet deve ser preservada

– Igualdade salarial por gênero deve ser prevista em lei

– Machismo ajuda a preservar diferenças em ascensão social, feminismo busca a igualdade, não são simétricos

– O aborto deveria ser descriminalizado

– Parte significativa das diferenças de gênero foi estimulada culturalmente

– O tempo para aposentadoria já pode ser igualado por gênero

– Maus tratos a animais devem ser penalizados

– Devemos preservar ao máximo o meio-ambiente e a biodiversidade

– A queda da natalidade não é um perigo para a humanidade

– Sou favorável à jornada máxima de 40 horas semanais ou menor

– Servidores públicos devem ter direito a greve

– Eu apoio a realização de megaeventos esportivos ou culturais, mesmo com prejuízo

– “Bullying” (assédio moral) deve ser combatido

– Castigos físicos não devem nunca ser utilizados

– Respeito e boas maneiras não necessariamente refletem conservadorismo

– Eu sou favorável à legalização de cassinos em estâncias

– O alistamento militar poderia ser optativo

– Prostituição é uma profissão como qualquer outra

– No “meu tempo” NÃO era melhor

Redação

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