Uma política econômica em desarmonia com o crescimento, por Luciano Alencar Barros

Se não há excesso de demanda no mercados de produto e de trabalho no país, quais seriam os limites para a queda da taxa básica de juros?

Edilson Rodrigues – Agência Senado

Uma política econômica em desarmonia com o crescimento

por Luciano Alencar Barros

            O arcabouço fiscal proposto pelo Ministro da Fazenda – e que vem se tornando ainda mais restritivo no Congresso – teria por objetivo “harmonizar” as políticas fiscal e monetária, de modo a gerar condições para a retomada de um crescimento acima da média mundial. Ainda que este conceito de harmonia não fosse por si só duvidoso, a retomada de taxas expressivas de crescimento, dadas as condições propostas, é extremamente improvável.

            A ideia que embasa o Novo Arcabouço Fiscal é que as despesas públicas precisam crescer a um ritmo lento e (sobretudo) abaixo das receitas para que o Banco Central possa reduzir os juros da economia. Esta redução dos juros, somada a algum crescimento dos gastos, permitiria a retomada de taxas mais elevadas de crescimento. Cabe discutir, portanto, se esta contenção fiscal é, de fato, precondição para a queda dos juros, e em que medida esse cenário vislumbrado estimularia o crescimento.

            A ideia de que a diminuição do ritmo de expansão dos gastos é crucial para a queda dos juros se apoia em um diagnóstico segundo o qual a inflação atual decorre de um excesso de demanda sobre a capacidade produtiva. Menos gastos públicos implicariam em menor pressão sobre a demanda e os preços, e assim a taxa de juros, poderiam ser reduzidos. Mas o país está longe de observar um excesso de demanda.

            De fato, a economia cresceu 2,9% em 2022, uma taxa superior àquela observada nos últimos cinco anos. Mas esse crescimento anual se deu em um movimento de desaceleração: o PIB trimestral cresceu, em relação ao mesmo período do ano anterior, 1,3% no primeiro trimestre, 0,9% no segundo e 0,3% no terceiro, encerrando o ano com uma contração de 0,2%. É difícil vislumbrar um excesso de demanda neste cenário, ainda mais tendo-se em conta que o PIB de 2022 foi apenas 1,7% superior ao observado em 2014.

            A situação não é diferente no que tange o mercado de trabalho. Ainda que a taxa de desemprego tenha caído de 11,1% no final de 2021 para 7,9% no final de 2022, ela já subiu para 8,8% no primeiro trimestre desse ano. Uma vez que quase 40% da força de trabalho encontra-se no mercado informal, também não é plausível falar em escassez de mão de obra no país.

            Assim, se não há excesso de demanda no mercados de produto e de trabalho no país, quais seriam os limites para a queda da taxa básica de juros, e como ela impactaria o crescimento econômico?

            Dada a condição do Brasil de país periférico com conta de capitais aberta, tem-se que o patamar mínimo seguro para os juros básicos (que não provoque saída maciça de capitais, desvalorização cambial e inflação) é dado pela taxa de juros norte-americana somada a algum indicador de risco. Nas condições atuais avalia-se que este nível mínimo se encontra em torno de 7,6%, o que possibilitaria uma redução dos juros em torno de seis pontos percentuais a partir do patamar atual.

            Para mensurar o impacto de uma queda da taxa básica de juros desta magnitude é preciso avaliar até que ponto ela seria transmitida para o consumidor final (uma vez que parte da queda tende a ser compensada por aumento dos spreads), e como este crédito final mais barato impactaria os gastos. Tendo em vista a transmissão limitada de uma queda da SELIC para os juros finais e a baixa sensibilidade do investimento privado aos mesmos, chega-se a um impacto sobre o produto que, apesar de não ser desprezível, é limitado. Tal impacto se daria principalmente via investimento residencial, crédito para o consumo de bens duráveis, e por meio do alívio sobre o endividamento de empresas e famílias.

            Assim sendo, tem-se que a contenção dos gastos não é uma pré-condição para que haja uma queda nos juros, e que a magnitude máxima de tal queda não implicará em um impulso de demanda suficientemente grande para justificar tamanho conservadorismo na política fiscal. Isto porque os gastos públicos significam impulsos diretos de demanda, e, portanto, contribuem para o crescimento e o aumento da arrecadação, além de serem fundamentais na provisão dos bens e serviços públicos dos quais a população brasileira tanto carece.

            É evidente que se deve reduzir a taxa de juros brasileira, atualmente a mais alta do mundo em termos reais. Isso trará impactos positivos não apenas na demanda agregada, mas também em termos distributivos e na redução do montante gasto com a dívida pública. O ponto é que esse impulso não será suficiente para dinamizar a economia frente a um crescimento pífio dos gastos públicos. Propor uma regra fiscal tão modesta é uma atitude extremamente defensiva em termos políticos e equivocada em termos técnicos, uma vez que desarmoniza com qualquer estratégia voltada a aumentar as taxas de crescimento.  


Esse artigo reflete a opinião do autor e se insere no projeto “A inserção do Brasil no século XXI e seu desempenho macroeconômico”, resultado de parceira do Centro Internacional Celso Furtado com o CORECON/RJ.

Luciano Alencar Barros – Professor do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. A publicação do artigo dependerá de aprovação da redação GGN.

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