Organizações denunciam graves violações no Chile e governo Piñera está imobilizado

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Enquanto isso, o governo de Sebastián Piñera segue reagindo com "mea culpa", sem apresentar mudanças efetivas ao enfrentamento do colapso no país

Foto: Patricia Faermann

De Santiago, Chile

Jornal GGN – Observadores internacionais vêm denunciando a repressão do aparato estatal do Chile contra manifestantes no que é hoje a maior crise sócio-política do país desde a ditadura. Somente nesta semana, duas instituições divulgaram seus relatórios e conclusões contra os números da violência das forças de segurança. Enquanto isso, o governo de Sebastián Piñera segue reagindo com “mea culpa”, sem apresentar mudanças efetivas ao enfrentamento do colapso no país.

Após a Anistia Internacional, foi a vez da Human Rights Watch (HRW) divulgar um documento, no qual denuncia as “graves violações” cometidas e solicitar uma “reforma policial urgente” no governo Piñera.

“Membros da polícia nacional do Chile (Carabineros) cometeram graves violações de direitos humanos, que incluem uso excessivo da força nas ruas e abusos em prisões”, aponta na primeira linha o relatório da Human Rights Watch, intitulado “Chile: chamado urgente a uma reforma policial diante dos protestos”.

Conclusões das observações de DDHH

Logo no início das atividades de observação em campo, o instituto internacional já havia recomendado ao presidente do país uma série de mudanças para prevenir abusos por parte das forças policiais. E as observações, com mais de 70 pessoas entrevistadas em Santiago e em Valparaíso, no mês de novembro, deram conta de outras realidades, além das já antecipadas pelos dados do Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH).

Até o dia 21 de novembro, o INDH revelava que somente entre aqueles que entraram com denúncia criminal eram 442 vítimas de agressões, tratamento cruel, torturas, estupros, assassinatos e tentativas de assassinatos cometidos pelas forças de segurança. As pessoas entrevistadas pela Human Rights Watch eram parte destas vítimas. Os policiais também foram consultados pela instituição, além de autoridades como o presidente da Suprema Corte, o Procurador Geral, o Defensor Penal Público, o Diretor Geral da Polícia e ministros de Piñera.

“A Human Rights Watch encontrou evidências consistentes de que a polícia usou força excessiva para responder aos protestos, ferindo milhares de pessoas, estivessem elas envolvidas em ações violentas ou não”, concluiu a supervisão. O Ministério da Saúde informou à entidade que entre 18 de outubro e 22 de novembro, 11.564 pessoas tiveram que ser atendidas em serviços de emergência no país. Destas, um número incerto, estimado em “mais de 1.100” eram feridos moderados ou graves.

A instituição também detectou que o chamativo número de pessoas que perderam parcial ou completamente a visão pelas forças policiais ocorreram, em grande parte, com as chamadas “escopetas anti-distúrbio”, que deixaram mais de 200 pessoas com lesões oculares. Os observadores comprovaram que o uso da arma foi “indiscriminado” e solicitou que o Chile “suspenda indefinidamente o uso desse tipo de projétil em todas as circunstâncias, até que autoridades competentes e independentes realizem um exame adequado de seus riscos”.

“A polícia também espancou brutalmente manifestantes, atirou com munições chamadas ‘bean bag’ (pequenas balas de chumbo dentro de uma bolsa de tecido), disparou cartuchos de gás lacrimogêneo e atropelou pessoas com veículos ou motocicletas oficiais”, anotou o documento.

Fora os dados não oficiais, somente a Procuradoria do Chile divulgou a investigação de 26 mortes por espancamentos, atropelo e tiros de armas de fogo por policiais ou militares durante este mês, além de um jovem que teve uma parada cardíaca e teve o seu socorro interrompido brutalmente por armas atiradas pela polícia. Outros dois casos que foram divulgados pelos policiais que teriam “se suicidado” sob custódia da polícia também estão sendo apurados.

Mais 18 mortes ocorreram em meio a incêndios durante supostos roubos em supermercados e instalações. Apesar de ter sido afastada a suspeita de envolvimento policial, os familiares denunciam indícios de fraude de motivação das mortes.

As mais de 15 mil pessoas presas também denunciaram abusos, 341 delas afirmaram terem sido torturadas e 74 abusadas sexualmente, além de mais de 400 pessoas que denunciaram ser espancadas. “Outra alegação comum foi a de que a polícia teria forçado pessoas detidas, incluindo crianças, a se despir e se agachar completamente nuas em delegacias de polícia”, diz o relatório, acrescentando: “os membros da força policial parecem ter maior propensão a forçar mulheres e meninas a se despirem que homens”.

Reforma policial e mudanças

“Fatores como o uso indiscriminado e indevido de armas e escopetas anti-distúrbios, abusos contra pessoas presas e sistemas de controle interno deficientes facilitaram que se produzissem graves violações dos direitos de muitos chilenos. É justamente por isso que as autoridades devem impulsar uma reforma policial urgente”, decretou o diretor da Human Rights Watch Américas, José Miguel Vivanco.

Abaixo, as reformas solicitadas pela instituição:

  • Fiscalizar os poderes de detenção para controle de identidade dos policiais, de modo a estabelecer garantias contra o uso arbitrário do poder de interceptar e deter pessoas, e a responsabilização pelo seu uso;
  • Garantir a existência de mecanismos de controle interno para investigar e punir abusos e uso indevido de armas menos letais por policiais;
  • Reformar o sistema de disciplina de Carabineros, para que as decisões disciplinares sejam adotadas por uma autoridade que não esteja na cadeia de comando direta da pessoa envolvida e verifique se o pessoal que trabalha nos assuntos internos não precisa trabalhar com aqueles que possui. investigado ou sancionado, ou estar subordinado a eles;
  • Adotar um protocolo junto às autoridades de saúde para que os detidos sejam submetidos a análises forenses independentes, que não são realizadas na frente dos policiais e ocorrem a uma distância em que não podem ser ouvidas;
  • Impor a proibição atual de despir os detidos em protestos e punir aqueles que continuam com essa prática;
  • Instalar câmeras em todas as áreas de todas as delegacias de polícia, tomando medidas para garantir a privacidade dos detidos e estabelecer um sistema de armazenamento de gravação que possa ser usado por autoridades judiciais ou outras;
  • Interrompa o uso de pelotas – não apenas durante as manifestações – até que autoridades competentes e independentes conduzam um estudo adequado de todos os seus riscos;
  • Estudar o uso de equipamentos alternativos menos letais que minimizem lesões;
  • Fortalecer o treinamento de todos os policiais relacionados a armas menos letais para controle de demonstrações, incluindo Forças Especiais, entre outros; e
  • Garantir que a polícia tenha equipamento de proteção adequado, descanso e compensação de horas extras.

Governo Piñera estático

Enquanto isso, do outro lado o governo de Sebastián Piñera tenta diminuir os ânimos da crise social, sem sucesso, modificando o discurso que se nas primeiras semanas de manifestações tratava de manter a salvaguarda sem ceder, agora vem aparentando gesto de diálogo e de aceitação frente a grave pressão que poderá incidir na queda de seu posto.

Sobre o relatório divulgado nesta terça (26), Piñera enviou a subsecretária de Direitos Humanos, Lorena Recabarren, rosto novo para a audiência pública acostumada a assistir discursos de ministros já rejeitados pela população, para dizer que “valoriza o informe da HRW, as recomendações que realizaram e que apontam reformas profundas em Carabineros”.

Como já vem sendo prática cotidiana do presidente do Chile, assumiu uma vez mais o “mea culpa”, posicionando-se como personagem exterior e alheio à crise atual, demonstrando por vezes “surpresa”, outras “preocupação” com as violências e repressões que ocorrem no país desde o dia 18 de outubro. “Este relatório nos entrega uma série de antecedentes que sem dúvida nos preocupam e recebemos com dor, que dão conta das vulnerações aos direitos das pessoas”, disse a subsecretária de Piñera.

“Nosso governo se comprometeu, com todos os esforços, para que estes antecedentes  sejam investigados de forma transparente pelo Ministério Público e julgados pelos tribunais de Justiça”, completou na tarde de ontem.

A declaração ocorre paralelamente à continuidade das manifestações nas ruas, desacreditada das mudanças propostas e do acordo fechado pelo Congresso Nacional, sem consulta prévia popular, para um processo constituinte, que oferece entre as opção a Assembleia, mas também uma Convenção com interferência dos parlamentares no novo texto que será redigido no próximo ano. A insatisfação das ruas, que apesar da diminuição no número total de aderidos nos protestos, ainda se mantém resistente, pede, entre outras coisas, a renúncia de Piñera.

A possibilidade de renúncia, que desde o princípio já era pauta nos diversos encontros, congressos, assembleias populares e reuniões de vizinhos, inclusive, vem aos poucos sendo levantada pelos jornais televisivos, por meio de analistas políticos e cientistas sociais convidados pelas grandes redes de comunicação.

 

Leia a íntegra do relatório da HRW (Em espanhol):

Chile- Llamado urgente a una reforma policial tras las protestas

 

E a íntegra do relatório da Anistia Internacional (Em espanhol):

LO ÚLTIMO - Amnistía Internacional Chile

 


A COBERTURA ESPECIAL NO CHILE:

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

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  1. Assim que o canalha renunciar, que seja julgado junto com seus ministros e suas milicias. Se condenados que a pena seja proporcional ao crime praticado contra seu povo, para que sirva de exemplo para os outros governantes fascistoides sul-americanos.

  2. Parabéns ao GGN por nos trazer o que anda realmente acontecendo no Chile. E não é nada tranquilizador quando se pensa o que podera vir pela frente no Brasil também.

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