Vítimas da Samarco, Vale e BHP pedem Justiça!

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Foto Unifesp

Jornal GGN – Dois anos se passaram desde a tragédia em Minas Gerais e Espírito Santo, quando a lama invadiu terras e vidas com o rompimento da barragem de Fundão. Foram 19 mortes, a bacia do rio Doce foi contaminada e toneladas de peixes morreram. Foram dois anos do maior crime socioambiental da história da mineração mundial. Neste crime, estão envolvidas a Samarco, a Vale e a BHP Biliton, que são responsáveis pelo rompimento da barragem.

São dois anos de luta dos atingidos pela tragédia. Dois anos tentando garantir os direitos negados pela Fundação Renova, entidade criada a partir de um acordo das empresas com os governos estaduais de Minas e Espírito Santo, sem a participação dos atingidos.

Leia o manifesto produzido pelos atingidos, organizados no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Manifesto dos atingidos pela Samarco Dois anos de lama, dois anos de luta!

Dois anos do rompimento da barragem de Fundão. Aniversário das incertezas. Dois anos e tudo que nós, atingidos, temos de concreto são pilhas de documentos redigidos a partir de horas exaustivas de reuniões e assembleias infindáveis. As ações mitigatórias nas áreas de moradia, educação, patrimônio, entre outras, possuem ainda caráter de emergência. Até quando nossas prioridades serão vistas como emergenciais?

É lamentável estarmos como estamos dois anos depois daquilo que alguns classificaram como acidente, outros como tragédia, evento – vejam bem, quiseram atribuir a culpa até a abalos sísmicos, a fenômenos da natureza. Mas, o que todos nós sabemos é que o rompimento de Fundão foi um CRIME. Um CRIME praticado pela mineradora SAMARCO, suas acionistas VALE e BHP Billiton, e pelo poder público que não exerceu devidamente seu papel fiscalizador. Afinal, uma empresa que trabalha com a exploração mineral não funciona sem o licenciamento de órgãos ambientais – em partes, também culpados pelo rompimento de Fundão.

Esse crime nasce da ganância e da irresponsabilidade daqueles que, mesmo conhecendo os riscos da tragédia anunciada, optaram pela negligência com o meio ambiente e com os moradores das áreas de risco. Sem sirenes, sem informações sobre como agir em casos de emergências, sem conhecimento da existência de barragens à montante de nossas vidas… Quantos de nós vivíamos a tranquilidade de nossas rotinas sem calcular o perigo que corríamos?

Por mais previsível que fosse o rompimento, a verdade é que suas consequências só agora estão sendo conhecidas. Estamos falando de um CRIME anunciado que retirou a vida de 20 pessoas – entre elas, uma criança que não teve sequer a oportunidade de nascer para o mundo. Um CRIME que deixou familiares em luto e atingiu o coração de inúmeras comunidades ao longo da Bacia do Rio Doce.

Falamos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, mas também de Camargos, Ponte do Gama, Paracatu de Cima, Pedras, Borba, Campinas. Barretos, Gesteira, Barra Longa. Santa Cruz do Escalvado, Rio Doce, Sem Peixe. Governador Valadares, Colatina, Regência. Minas Gerais e Espírito Santo. Comunidades indígenas, povoados rurais, centros urbanos. Trabalhadores da cidade, do garimpo, da pesca, da terra.

Falamos das nascentes e dos rios contaminados, das matas arrancadas, dos animais que perderam e seguem perdendo suas vidas. Um sofrimento que eclodiu em Mariana, mas que corre, pelo leito do rio, de Fundão até os corais de Abrolhos, no sul da Bahia, até as águas do Oceano Atlântico, até sabe-se lá onde essa lama possa virar outra coisa que não dor e morte.

Quando se fala em um crime, espera-se que as investigações aconteçam, que os réus sejam condenados e que as vítimas possam prosseguir vivendo com dignidade. Infelizmente, não é isso que está acontecendo. Após aquele 5 de novembro, vivemos uma maratona que começou com cadastros e mais cadastros, entrevistas, reuniões e assembleias para apresentação e votação dos terrenos onde as comunidades serão reassentadas, levantamento de expectativa, visitas às áreas escolhidas, análise de maquete e projetos urbanísticos, audiências para garantir o reconhecimento das vítimas como atingidos – às vezes, em condições que se assemelham a de um réu que busca provar a própria inocência. De concreto? Estamos sem reassentamento, sem indenizações definitivas, vivendo na provisoriedade de cotidianos nos quais não nos reconhecemos.

Perdemos tanto na lama e seguimos violados em nossos direitos básicos. Ninguém está enfrentando o que cada um de nós tem passado – o constrangimento, a humilhação e a decepção de sair de uma audiência sabendo que nossos direitos estão sendo subtraídos por pessoas que não conhecem, de fato, a vida de cada comunidade. Estamos na mão de terceiros que não sabem o que perdemos, que desconhecem aquilo que nos importa. Querem nos cadastrar, mas não querem nos conhecer. Dizem que querem nos indenizar, mas não se interessam em saber o valor que damos àquilo que nos foi tirado.

O que tem marcado o dia a dia de muitos atingidos que perderam suas casas é viver na cidade, num lugar que não é seu, longe dos vizinhos e parentes. Pessoas estão adoecendo e as incertezas só aumentam. Lidamos com uma Fundação que se diz responsável pela reparação dos danos causados pelas empresas, mas que não nos passa qualquer segurança –pelos erros, pela troca constante de funcionários, pelo comportamento impositivo e restritivo de direitos, pelo uso das palavras das empresas. Fundação Renova vê atingido como impactado, crime como acidente, direito emergencial como benefício. É por isso que atingido vê Renova como Samarco, como Vale, como BHP.

Para enfrentar esta luta de Davi contra Golias, nos organizamos. Compomos Comissões, participamos de Coletivos, escrevemos e divulgamos jornais, incomodamos os que destruíram nossa paz com audiências, passeatas, marchas, ocupações. Não abrimos mão de nossa autonomia, de acreditar em nós mesmos e não nas promessas feitas em bonitos discursos de funcionários bem pagos. Com toda a nossa luta queremos também dialogar com a sociedade e reafirmar que, de norte a sul deste país, somos todos atingidos. E temos muitos amigos nas universidades, nas Igrejas, no campo da arte e da cultura que são força generosa que nos fortalece nesta caminhada.

Esperamos que um dia tudo isso tenha fim. Que os culpados sejam punidos e que a vida de cada atingido volte ao normal. Sabemos que não será do mesmo jeito, mas que tenhamos fé, sabedoria, saúde e força para recomeçar. O cenário está repleto de difíceis incertezas. Contudo, a luta, desde que nos foi dada, nunca deixou de ser travada. Aprendendo a ser atingidos, seguimos nela.

5 de novembro de 2017

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. O silêncio cúmplice de um

    O silêncio cúmplice de um país. A tragédia de Mariana (MG) – dois anos de impunidade – deveria mobilizar multidões…

    O que aconteceu em Mariana(MG) – 05 de novembro de 2015, dois anos -, deveria mobilizar multidões. O Brasil deveria se levantar e procurar respostas e exigir responsabilidades, pois delas depende seu destino e o de nossos filhos… Pego de empréstimo as palavras de Pablo Neruda, para, dentro de sua poesia, tentar descrever o que se perdeu…e o que se deve buscar…. 


    EXPLICO-LHES ALGUMAS COISAS (poema de Pablo Neruda adaptado a Mariana(MG))
    .
    Perguntarieis: E onde estão os lilases?
    E a metafísica coberta de papoulas?
    E a chuva que frequentemente golpeava
    suas palavras enchendo-as
    de buracos e pássaros?
    .
    Vou lhes contar tudo que se passa comigo.
    .
    Eu morava num bairro
    de Mariana, com sinos,
    com relógios, com árvores.
    .
    Dali era possível ver
    o rosto úmido das montanhas
    como um oceano verde 
    Minha casa era chamada
    a casa das flores, porque por todas as partes
    estalavam gerânios: era
    uma bela casa
    com cães e crianças.
    Raul, te lembras?
    ……….Te lembras Paulo?
    Frederico, te lembras?
    debaixo da terra,
    te lembras da minha casa com sacadas aonde

    a luz de junho afogava flores em sua boca?

    ……….Irmãos, irmãos!

     

    Tudo 
    eram intensas vozes, sal de mercadorias, 
    aglomerações de pão palpitante,
    mercados do bairro de Bento Rodrigues, com sua estátua
    como um tinteiro pálido entre as casas:
    o mel chegava às colheradas,
    um profundo bater
    de pés e mãos enchia as ruas,
    metros, litros, essência
    aguda de vida,
    peixes amontoados,
    contextura de tetos quentes do sol no qual
    a noite fria descansa,
    o delirante marfim fino das batatas,
    tomates em profusão até o rio
    Doce.
    .
    E uma manhã tudo estava ruindo
    e uma manhã a lama
    descia da serra
    devorando seres,
    e desde então gritos,
    mortes desde então,
    e desde então sangue.
    .
    Bandidos com plantas e máquinas,
    bandidos com diplomas e anéis,
    .
    bandidos cheios de papéis
    e mentiras
    .
    vieram juntos, guiados pela ganância
    através dos vales a matar crianças,
    e pelas casas e ruas o sangue das crianças
    corria simplesmente, como sangue de crianças.

    Chacais que o chacal rechaçaria,
    pedras que o cardo seco morderia cuspindo,
    víboras que as víboras odiariam!
    .
    Diante de vocês eu queria ter visto
    o sangue
    do Brasil levantar-se
    para afogá-los numa só onda
    de orgulho cívico
    e formidável solidariedade humana!
    .
    Exploradores
    traidores:
    vejam minha casa morta,
    vejam esta parte do Brasil destroçada:
    Vejam bem
    mas, de cada casa morta saem vozes ardendo
    em vez de flores,
    mas de cada canto do Brasil

    sai Mariana,
    mas de cada criança morta 
    sai um livro com olhos,
    mas de cada crime surgem multidões 
    que lhes encontrarão um dia 
    o lugar do coração
    .
    Vocês vão me perguntar por que sua poesia
    não nos fala do sonho, das folhas,
    dos grandes rios e praias do seu país natal?
    .
    Venham ver as crianças mortas em meio a lama,
    ……..venham ver
    o sangue e a lama pelas casas e ruas,
    .
    venham ver o sangue e a lama
    ……..pelas ruas!
    .

    Poema – España en el corazon – Explico algunas cosas – Pablo Neruda (http://usuaris.tinet.cat/elebro/poe/neruda/neruda30.html)

     

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