Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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‘Eike, Tudo ou Nada’ recicla pela segunda vez refugo midiático, por Wilson Ferreira

A produção brasileira Netflix “Eike, Tudo ou Nada” (2022) pretende descrever a vida do mito decaído Eike Batista.

‘Eike, Tudo ou Nada’ recicla pela segunda vez refugo midiático

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

O brasileiro que chegou ao oitavo lugar na lista Forbes dos mais ricos do planeta. Saudado pela grande mídia brasileira como o “empreendedor genuíno” que “compete honestamente” e que “não tem vergonha da riqueza”. Em pouco tempo, estava exposto ao vivo na TV, cabeça raspada, sendo conduzido ao presídio após mais uma operação da Lava Jato. A produção brasileira Netflix “Eike, Tudo ou Nada” (2022) pretende descrever a vida do mito decaído Eike Batista. Mas tudo o que entrega é uma confortável fábula empresarial: Eike como uma espécie de “Prometeu acorrentado” que ousou desafiar o destino de um país condenado ao fracasso. Seu erro: como nos informa o pôster promocional, repetir o mesmo gesto icônico de Getúlio Vargas e Lula. “Eike, Tudo ou Nada” recicla pela segunda vez o refugo midiático em que se tornou: a primeira vez, um condenado para ser jogado no colo de Lula e Dilma; e agora, como um suposto empresário idealista num país que teima em não dar certo.  

Muito antes de Eike Batista transformar-se em uma produção brasileira da Netflix, Eike, Tudo ou Nada, 2022, (uma dramatização do livro “Eike – Tudo ou Nada”, da jornalista Malu Gaspar), o empresário brasileiro já era um protagonista das narrativas da era do jornalismo de guerra da grande mídia dos tempos da Lava Jato.

Filho de um ex-ministro de Minas e Energia, Eike fez fortuna com mineração. Com a expansão econômica dos governos Lula ocasionado pela descoberta do Pré-Sal, Eike vislumbrou a oportunidade de ampliar o seu capital e influência no país investindo num setor politicamente arriscado, criando a petroleira OGX, dentro do seu grupo EBX. Com forte poder de persuasão, Eike contrata os melhores homens da Petrobras para trabalhar ao seu lado, iniciando assim sua meteórica ascensão, conquistando o prestígio de políticos, banqueiros e principalmente da mídia.

No auge, chegou à lista Forbes como o oitavo homem mais rico do planeta. Porém, em poucos anos tudo desmoronou: em 2017 foi preso em uma das operações da Lava Jato. Sua prisão, após uma suposta tentativa de fuga aos EUA (com um passaporte alemão, acreditava-se que fugiria para a Alemanha), foi acompanhado por uma equipe da Globo: Eike concedeu entrevista no check in do aeroporto John Kennedy (Nova York), enquanto “coincidentemente” o repórter conseguiu comprar uma poltrona no avião ao lado do empresário. Para gravar um pequeno vídeo descrevendo a tranquila noite de sono de Eike no retorno para o Brasil.

Pousando no Brasil foi submetido a um tour de force televisivo: Eike no camburão, Eike no IML fazendo exame de corpo de delito, Eike entrando no presídio, Eike com a cabeça raspada etc.

Eike passava pela primeira reciclagem, depois de ter se tornado um refugo midiático: de símbolo do empreendedorismo de alguém que “trabalha muito, gera empregos e não se envergonha da riqueza”, para um corrupto jogado no colo de Lula e do governo Dilma – junto com Petrobrás e Odebrecht na Operação Lava Jato. Mesmo sabendo-se que no Conselho de Administração das empresas de Eike estivessem a ministra do STF Ellen Gracie (indicada por FHC ao Supremo) e os ex-ministros da Era FHC Pedro Malan e Rodolpho Tourinho Neto.

Nessa primeira reciclagem, grande mídia transformou a ascensão e queda de Eike Batista em mais um prego no caixão de um governo que já estava condenado ao golpe.

Com a produção Netflix Eike, Tudo ou Nada (2022), a imagem do empresário passa por uma surpreendente segunda reciclagem midiática: ajuda a criar no Brasil um subgênero já comum nos EUA: o dos “mitos empresariais caídos” – Tucker – Um Homem e Seu Sonho (1988), Rogue Trader (1999), Fome de Poder (2016) etc.

Desde já, essa produção dirigida por Dida Andrade e Andradina Azevedo entra na lista de filmes nacionais como Mauá – O Imperador do Brasil (1999) e Chatô, O Rei do Brasil (2015). Só que, dessa vez, como uma ideologicamente confortável fábula ao mundo empresarial – procura isentar o mito empresarial de qualquer reponsabilidade numa história de meteórica ascensão e queda.

Eike teria sido apenas um “corpo estranho” (alguém com vontade de empreender, competir e dar certo num País predestinado ao fracasso), tentando se esgueirar entre as serpentes da política, do governo e da elite de banqueiros com visão de curto prazo. Ou ter que lidar com o preconceito do populacho contra bilionários.

O próprio poster promocional já mostra isso: vemos Eike repetindo o icônico gesto de Getúlio Vargas e Lula ao mostrar a mão embebida em petróleo cru – Eike foi o herói empresarial prometeico que quis dar certo em um setor sujo (pelo poster, literalmente), corrupto e arriscado. Porque regulado e controlado pelo Estado: com a permissão dele fez fortuna; e por ele teria sido traído.

O Filme

 Eike, Tudo ou Nada começa com uma “pinça” ou “gancho” de roteiro (criação de uma linha condutora subterrânea que será recuperada em um próximo ato) que já é um clichê nas produções Netflix – criar uma espécie de “Rosebud” da infância ou um leit motive interior que motivaria todas as ações do protagonista.

Só que nesse filme é risível: vemos Eike na infância, na Alemanha, mostrando como a sua mãe o submetia a um rígido tratamento da bronquite através da natação: nadar 40 piscinas três vez por semana. Então, a narração em of começa a fazer um cálculo aleatório sobre o que aconteceria se cada braçada valesse um dólar. Quantas braçadas seriam necessárias para chegar ao primeiro milhão de dólar. A partir daí, o raciocínio ad deliriumcomeça a especular quantos carrinhos de supermercado seriam necessários para carregar um milhão… e como com um milhão se compra uma Lamborghini e com 50 bilhões compra-se a própria fábrica e assim por diante… E termina, sentenciando: bem-vindos ao Capitalismo!

O que o filme quer nos dizer sobre as motivações ocultas do protagonista? Que Eike ganhava dinheiro como dava braçadas na piscina? Que sua vontade de ganhar dinheiro foi um modus operandi originado no tratamento contra a bronquite? Que no Capitalismo o desejo por lucro origina-se de motivações inescrutáveis na infância, assim como o “Rosebud” no filme Cidadão Kane?

Como numa boa estratégia de gancho no roteiro fílmico, o Eike da infância vai se reencontrar com o Eike adulto (Nelson Freitas) na cena do ápice da derrota e desespero quando vê todo o seu império despencar da noite para o dia.

Os algoritmos Netflix jamais falham! A criança é o arquétipo da inocência – o momento em que Eike Batista “morre”, purifica-se ao reencontrar-se com sua “criança interior” (os ideais de pureza da infância) e “ressuscita”: ganhou fortunas é como uma criança dando braçadas para curar a bronquite – sempre pensando no pressuposto ad absurdum sugerido pela abertura do filme.

Continue lendo no Cinegnose.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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