Professor negro é processado pelo Secretário da Educação de Ribeirão Preto por “racismo reverso”

Para o juiz, críticas sobre racismo só podem ser levadas adiante se o autor ou o proponente de uma política pública racista possuir condenação prévia de racismo

Professor negro é processado pelo Secretário da Educação de Ribeirão Preto por “racismo reverso”

por Igor Grabois

O professor de educação básica Leonardo Sacramento foi processado pelo atual Secretário de Educação de Ribeirão Preto, Felipe Elias Miguel. O professor o criticou quando tentou implantar escolas cívico-militares. O caso ocorreu em 2019, mas o secretário o processou apenas no final de 2021.

À época, o Secretário e o Prefeito, Duarte Nogueira (PSDB), alinharam-se com a política educacional do governo Bolsonaro, assumindo uma ampla plataforma ideológica da extrema-direita, como a aproximação com entidades religiosas para gerência de vagas na educação infantil. Um dos pontos de inflexão foi justamente a adesão ao Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (PECIM). O secretário escolheu três escolas da periferia de Ribeirão Preto. As três escolas são as que possuem a maior quantidade de alunos e famílias negras entre todas as escolas municipais, segundo georrefenciamento cartográfico feito a partir de dados dos IBGE, apresentado na peça da defesa.

O professor, diretor de uma entidade de professores, pedagago do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e pesquisador, com publicação de livros e artigos na área, criticou a tentativa em rede social. O professor escreveu em um grupo no Facebook de professores, pais e estudantes de Ribeirão Preto (Educação Ribeirão Preto):

“O racismo do prefeito, secretário e comissionados da SME. A classe média branca que adora descer a porrada em negros e pobres. Ao invés de educação, um arremedo de militarização para pobres e negros. Para isso, usa o IDEB, sem levar em consideração que qualquer índice e reproduz relações de desigualdade. A desigualdade para o prefeito e o secretário deve ser tratada com disciplina militar. Não acredito que dois privilegiados pudessem concluir outra coisa. O Nogueira trabalhou em que na vida além de ocupar cargos públicos em virtude do sobrenome e do pai? Sabem que é racismo e pobreza? Apenas reproduzem preconceito e racismo. Logo, são preconceituosos e racistas”.

“O prefeito e o secretário, racistas e preconceituosos, colocarão um policial para falar com a comunidade para defender a militarização das três escolas. Será que os cirandeiros e capitães do mato que trabalham na SME, alguns do CAAF e supervisão, declararão alguma posição, ou apoiarão pelo silêncio? Mas o importante é postar vídeo na plataforma de empoderamento… O desafio continua. Prefeito e secretário, se matricular filhos ou parentes, faço campanha. Será que farei? Ou é polícia só para pobre?”.

O trecho, visivelmente uma crítica à política, foi encarada pelo secretário como uma “acusação de racismo”, que pediu uma indenização por danos morais. O secretário também acusou o professor de ser stalking, ou seja, de o perseguir – o termo é usado para violência contra mulheres. Na prática, usou um conceito de proteção às mulheres para acusar o professor de uma nova espécie de racismo reverso.

O caso foi julgado pela 1ª Vara Civil de Ribeirão Preto, onde o juiz Ronan Severo de Araújo julgou parcialmente procedente o pedido do secretário com uma tese, no mínimo, defensiva a quem é branco: críticas sobre racismo só podem ser levadas adiante se o autor ou o proponente de uma política pública racista possuir condenação prévia de racismo: “São palavras graves e que maculam a honra contra quem são dirigidas, e não podem ser manifestadas de forma leviana. E, pelos elementos constantes dos autos, não há nenhuma informação de condenação do requerente por crime de racismo, de modo que inexiste lastro jurídico para as palavras proferidas”.

O professor, que lançou livros sobre o tema justamente no ano de 2023 – Discurso sobre o branco: notas sobre o racismo e o “apocalipse” do liberalismo (Editora Alameda) e O Nascimento da Nação: como o liberalismo produziu o protofascismo brasileiro (Editora IFSP) –, e ministra cursos de extensão sobre a temática no IFSP, recorreu. O caso ainda não foi julgado. Segundo a defesa, feita pela advogada Perla Muller, as críticas foram direcionadas ao cargo e à política pública, conforme entendimento do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo. Portanto, é uma crítica com embasamento sociológico à política, que é racista. Para tal, utilizou de publicações cientificas da área, como teses, artigos e livros, assim como reportagens mostrando casos de racismo contra alunas negras em escolas cívico-militares.

Para o professor, a persistência de tal interpretação jurídica consistiria em permitir uma censura sobre a crítica ao racismo, em que o crítico somente poderia acusar uma política pública de racista se aquele que a implanta possui uma condenação prévia. Portanto, a manutenção de tal perspectiva significaria limitar a análise a acusação pública de políticas estruturalmente racistas.

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Redação

2 Comentários

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  1. Esse obviamente não é o primeiro juiz de merda paulista. Suponho que ele não será o último, pois o TJSP provavelmente manterá sua tradição de selecionar juízes no esgoto que os desembargadores chamam de elite bandeirante.

  2. O mais doloroso nesse episódio é perceber que nem o secretário e nem o juiz são capazes de sequer interpretar um texto. Coincidência ou não, ambos em situação de poder sem merecimento, são bolsonaristas. Parece que a condição sine qua non para compor a direita é a limitação cognitiva.

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