O sinistro Tony Intriago: preso nos EUA, relacionado a empresas suspeitas de Miami e a militares brasileiros

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Coletes balísticos, que ligam Intriago ao general Braga Netto, são os mesmos usados por mercenários no assassinato do presidente do Haiti

O mercenário (de boné) está preso nos Estados Unidos desde fevereiro deste ano pelo homicídio do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, em 2021. Foto: reprodução do facebook

Quando, em fevereiro de 2022, o governo dos Estados Unidos reportou às autoridades brasileiras sobre o desvio envolvendo a compra de coletes da empresa CTU Security LLC, com sede em Miami, ao investigar o atentado ao presidente do Haiti, Jovenel Moïse, em julho de 2021, o presidente da CTU e ex-militar venezuelano Antonio Emmanuel Intriago Valera, conhecido como Tony Intriago, já estava relacionado a uma série de operações paramilitares. 

O mercenário está preso nos Estados Unidos desde fevereiro deste ano pelo homicídio do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, em 2021. O Departamento de Justiça americano divulgou oficialmente o nome de Intriago como um dos assassinos, que, clandestinamente, entrou na capital Porto Príncipe em busca de Moïse, com o auxílio de policiais e militares haitianos, e o denunciou pelo crime.

Um quarto denunciado é acusado de ajudar a financiar o golpe e colaborar para enviar coletes à prova de balas da CTU para o Haiti sem cumprir com as normas americanas de exportação.

Esses coletes balísticos que são alvo de investigação da Polícia Federal e ligam Antonio Intriago também ao Brasil, mais especificamente ao gabinete da Intervenção Militar no Rio de Janeiro e a militares que deste gabinete pularam para o governo Bolsonaro, a partir de 2019.

A promotoria americana informou que os detidos pelo atentado e assassinato, entre eles Intriago, são acusados de conspiração para matar e sequestrar o político, crime pelo qual podem pegar prisão perpétua.

Este foi o momento alto, e definitivo, de uma atividade paramilitar que levou Intriago a estruturar e a prestar serviços mercenários com empresas de fachada – e, nesse meio tempo, conheceu militares brasileiros sem ainda se saber como se deu o contato, mas com suspeitas que durante a Missão de Paz do Brasil pela ONU no Haiti.  

Intervenção no Rio de Janeiro 

O general Walter Souza Braga Netto, interventor federal na segurança pública do Rio de Janeiro em 2018, pretendia comprar, sem licitação, coletes militares da CTU Security LLC. A Polícia Federal investiga crimes de contratação indevida, dispensa ilegal de licitação, corrupção e organização criminosa na contratação da empresa para a aquisição de 9.360 coletes balísticos com sobrepreço de R$ 4,6 milhões. O acordo acabou cancelado, e o valor, estornado.

A empresa de Intriago não era fabricante de coletes, mantendo fachada de empreendimento de segurança, mas em seu nome demonstrava os reais propósitos: a sigla CTU Security LLC significa Academia Federal da Unidade de Combate ao Terrorismo – ela organizava, municiava e garantia a logística de grupos mercenários a serviço da ultradireita.

Como em outros casos envolvendo empresas de extremistas conservadores, a CTU Security LLC era também um clube de tiro, empreendimento beneficiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com a liberação do acesso às armas, novamente restringido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sendo comum nesses estandes imagens de lideranças de esquerda como alvos. 

Gabinete de intervenção esteve na CTU

Documentos obtidos pela CNN mostram que uma viagem foi feita por integrantes do gabinete à sede da empresa para retirada de amostras do colete, mas não conseguiram pela falta do produto.

Em uma troca de e-mails, o CEO Intriago explicou ao gabinete que o “retardamento” nas amostras dos coletes foi devido ao atraso na abertura do crédito documentário em favor da empresa, bem como o “desapropriamento do estoque destinado à confecção dos coletes”.

O gabinete então abriu processo contra a empresa e dois meses depois, por suspeita de irregularidades, como falsificação de documentos, o contrato foi suspenso e o valor não foi pago à empresa norte-americana.

Ações paramilitares  

Miami é apontada como “caldeirão” de conspirações contra governos da América Latina, segundo a jornalista Ann Louise Bardach, que tem ampla experiência em investigações sobre os périplos do exílio latino-americano na Flórida.

“Miami é a sede mundial dos exilados. É o lugar que abriga ‘governos em espera’ de uma gama de países caribenhos e latinoamericanos, começando por Cuba, mas também Haiti, Venezuela e Nicarágua”, disse Bardach à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

Intriago, antes de ser preso, foi investigado na Flórida, Miami, pela participação no assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, dentro do palácio do governo, em 7 de julho 2021. 

A CTU Security LLC era a responsável pelo plano para derrubar o presidente haitiano Moïse. Se juntou ao complô, como financiadora, a empresa Worldwide Capital Lending Group, sediada no sul da Flórida, presidida por Walter Veintemilla.  

Além da captação de recursos, as empresas arregimentaram ex-militares de forças especiais para as ações. São profissionais bem treinados, especialistas em operações de infiltração, captura de alvos, assassinatos, golpes de estado. No caso do assassinato de Jovenel Moïse, 21 pessoas foram detidas, incluindo 18 colombianos e 3 haitianos, dois deles também com nacionalidade americana. 

O mercenário de ultradireita acumula ações criminosas e acusações do tipo. Na Bolívia, segundo forças de segurança do país, Tony Intriago foi procurado para organizar o assassinato do presidente Luís Arce

Também é apontado como parte da Operação Gédeon, cujo líder era Jordan Goudreau, um ex-militar dos EUA: o plano era sequestrar Nicolás Maduro e entregá-lo às autoridades dos EUA, que oferecem recompensa de US$ 15 milhões (R$ 86 milhões) por informações que levassem à prisão do presidente venezuelano.

O plano, comandado pela empresa de segurança americana Silvercorp, criada em 2018 em Miami, começou com meses de treinamento para ex-militares venezuelanos no deserto colombiano Guajira. Eles tinham armas, coletes, e sistema de comunicação. Goudreau trabalhou na equipe de segurança do ex-presidente Donald Trump

Ultradireita opera em Miami 

A operação que levou ao assassinato de Jovenel Moïse e tantas outras iniciadas em Miami, caso da Operação Gédeon, como foi chamada a tentativa de derrubada de Maduro na Venezuela, os múltiplos atentados em Cuba, são suspeitas de manterem vinculados à Fundação Nacional Cubano-Americana, que recebe milhões de dólares em doações, o que contribuiu para que se tornasse a principal arquiteta das políticas dos EUA para Cuba.

Muitos dos primeiros exilados eram grandes proprietários na Cuba pré-comunista que transferiram suas fortunas para Miami. Com uma história menos longeva que a da comunidade cubana em Miami, o exílio venezuelano também se inflou de capital na última década.

Quando os problemas no seu país aumentaram, muitos venezuelanos da elite escolheram Miami como refúgio. Um ciclo permanente de grupos insatisfeitos com a situação política de seus países, no geral relacionada a governos de esquerda, que encontram em Miami o lugar certo para viver enquanto financiam tentativas de golpe, assassinatos e distúrbios à distância. 

Para Miami o ex-presidente Jair Bolsonaro se dirigiu, em dezembro de 2022, antes do término de seu mandato, e por lá permaneceu durante três meses antes de voltar ao Brasil. Na Flórida também o ex-ajudante de ordens Mauro Cid vendeu joias que deveriam ter permanecido no Brasil como patrimônio da União.  

Nenhum destes vínculos seria possível sem um sentimento comum que define a maioria dos exilados no sul da Flórida. “A rejeição a movimentos de esquerda do hemisfério sul é um fator de união hoje, ainda que muitos tenham desembarcado nos EUA fugindo de regimes de direita”, diz Bardach.

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Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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