Como desarmar as bombas sociais que o governo Bolsonaro deixará para Lula?

Uma análise dos impactos do benefício extraordinário do Auxílio Brasil durante e após a eleição

Apoie o lançamento do novo documentário da TVGGN sobre a ameaça eleitoral bolsonarista e os esquemas da ultradireita mundial. Saiba mais aqui!

Por David Deccache, Daniel Conceição e Fabiano Dalto

Primeiro, que bombas são essas? Não nos referimos à falsa bomba fiscal insistentemente alardeada pela grande mídia. Não faltará dinheiro para o governo Lula se sua equipe econômica, desde já, começar a articular a solução política para os dois grandes problemas que vou descrever a seguir. Dinheiro não é o problema. Nunca foi. Já as regras fiscais desnecessariamente decorrentes da legislação brasileira que impedem que o governo gaste mais dinheiro poderão ser um problema.

O desafio mais imediato é lidar com o fim do benefício extraordinário do Auxílio Brasil em dezembro de 2022, que combinado com os empréstimos consignados aprovados para transferências de renda do governo federal, tendem a causar uma queda brutal na renda das famílias mais pobres já no primeiro mês do governo Lula, o que implicará em mais fome, miséria e desemprego.

Custos

A parcela permanente do Auxílio Brasil é de R$ 400,00. Porém, o governo Bolsonaro, visando apenas às eleições, construiu uma PEC criando um adicional extraordinário, de agosto a dezembro deste ano, no valor de R$ 200,00. Há cerca de 18,5 milhões de famílias em situação de vulnerabilidade social que receberão as parcelas temporárias de R$ 600,00 que serão interrompidos a partir de janeiro próximo.

Outros benefícios temporários foram adicionados à mesma PEC, que autorizou o governo Bolsonaro a gastar R$ 41,2 bilhões neste ano para pagar o complemento extra do Auxílio Brasil, o auxílio temporário a caminhoneiros e taxistas, e parcelas adicionais de vale-gás.

Além disso, o Congresso aprovou uma medida provisória que permitiu a concessão de empréstimos consignados – aqueles cujos pagamentos de juros e amortizações são descontados automaticamente das rendas recorrentes do devedor – a beneficiários de programas de transferência de renda, o que inclui o Auxílio Brasil e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). As parcelas mensais do empréstimo poderão comprometer até 40% do valor do Auxílio Brasil e o montante que poderá ser liberado nas contratações poderá chegar em alguns casos a R$ 3.000,00.

Impactos

Nas vésperas da eleição, a expectativa do governo é que as ampliações do crédito consignado representem uma injeção de recursos na economia brasileira da ordem de R$ 77 bilhões. No curto prazo, significa uma adição, desconsiderando qualquer efeito multiplicador, próxima de 0,9% na taxa de crescimento do PIB deste ano em paralelo a um aumento considerável do poder de compra.

No médio prazo, no entanto, isso implica queda da renda disponível das famílias, superendividamento potencial e transferência automática da renda dos mais pobres para o sistema financeiro na forma dos pesados juros que incidirão sobre as dívidas familiares. Há matérias na imprensa que apontam que alguns agentes do sistema financeiro pretendem cobrar taxa de juros de 98% ao ano pelo crédito consignado para quem recebe Auxílio Brasil.

Como exemplo, nos cinco meses finais deste ano, uma família em situação de pobreza ou extrema pobreza, receberá R$ 600,00 do Auxílio Brasil e ainda poderá acessar crédito de aproximadamente R$ 3.000,00. São quase vinte milhões de famílias nesta situação, o que significa algo como 72 milhões de pessoas, aproximadamente 1/3 da população brasileira.

Objetivo eleitoral

O pacote eleitoral poderá significar uma ampliação extraordinária no poder de compra das famílias nos cinco meses finais do ano de R$ 118,2 bilhões – e no cálculo estou desconsiderando outros elementos, como os saques do FGTS. Na prática, os impactos desta injeção de recursos serão ainda maiores dado o efeito multiplicador: as famílias irão ampliar fortemente o consumo, o que aquecerá diversos setores, do comércio à indústria, multiplicando o impulso inicial. Por exemplo, considerando um efeito multiplicador de 1,5, o estímulo poderá aumentar o PIB em R$ 177 bilhões, um crescimento adicional de 2%. Os impactos eleitorais dessas medidas podem ser consideráveis, talvez suficientes para garantir Bolsonaro no segundo turno, mas ​quase certamente insuficientes para reverter a vitória de Lula em segundo turno no pleito presidencial.

Contudo, este cenário econômico será radicalmente alterado já em janeiro, primeiro mês do governo Lula. Além do fim do benefício extraordinário de R$ 200,00, algumas famílias terão descontos automáticos de até R$ 240,00 no Auxílio Brasil para pagarem pelos seus empréstimos consignados. Isto significa que milhões de famílias verão suas rendas disponíveis para o consumo de bens e serviços básicos/indispensáveis reduzidas de R$ 600,00 para R$ 160,00. Além disso, terão esgotado seus limites de crédito e não poderão seguir consumindo valores maiores que suas rendas através do endividamento consignado.

Caso nada seja feito, o governo Lula terá que lidar com a explosão da já alta e intolerável situação de fome no Brasil nas suas primeiras semanas. A desaceleração econômica ocasionada pelo choque depressivo da redução do poder de compra dos recebedores dos programas de transferência de renda será profunda. Isto não pode acontecer de forma alguma, pois minará o apoio popular do governo logo no seu início, período fundamental para determinar os rumos da governabilidade. Com uma correlação de forças desfavorável, o executivo se tornará frágil frente ao legislativo e perderá impulso para avançar na concretização das suas promessas de campanha.

Desafios

A situação exige dois passos urgentes: o primeiro é a articulação, ainda neste ano e imediatamente após a eleição, de uma PEC que revogue definitivamente o teto de gastos para a construção de um novo regime fiscal funcional, baseado no planejamento econômico democrático. Após a revogação do teto de gastos, devem ser reestabelecidas as ferramentas de planejamento, como os planos plurianuais e as diretrizes orçamentárias, conforme determinado na Constituição de 1988. O novo regime também deverá ser economicamente responsável, isto é, atento aos limites inflacionários da economia e desapegado de resultados contábeis economicamente desimportantes.

O primeiro passo é condição necessária para o presidente Lula se livrar da amarra fiscal do teto de gastos para publicar uma Medida Provisória (MP), no primeiro dia de governo, prorrogando o benefício extraordinário do Auxílio Brasil, de modo que se dê continuidade ao valor de R$ 600,00. Idealmente, o tempo e espaço fiscal conquistados pela PEC e prorrogação do Auxílio Brasil poderão ser usados para reconstruir o Bolsa Família, eliminando as graves distorções de renda per capita causadas pelo Auxílio Brasil, em que uma família de duas pessoas recebe o mesmo valor que uma família com dez filhos, fora as outras inúmeras imperfeições técnicas do programa de Bolsonaro. Entretanto, o novo Bolsa Família não pode voltar a ser simplesmente o que era. Deve mirar um benefício médio de, pelo menos, R$ 600,00, além de conter regras funcionais de reajuste anual e impedimento de formação de filas. Deve-se, também no primeiro semestre, construir um programa que perdoe as dívidas das famílias que tiverem tomado empréstimos consignados ao Auxílio Brasil, mesmo que seja necessário que o governo federal faça o ressarcimento aos bancos de empréstimos tão covardemente predatórios.

Os desafios para o próximo governo serão gigantes e as soluções devem ser construídas desde já. Não é possível esperar a eleição acabar e janeiro chegar. Se deixarmos tudo para fevereiro de 2023, enfrentaremos um dos piores inícios de governo de todos os tempos. E nossa história recente mostra que governos fracos e impopulares acabam reféns do centrão e do mercado financeiro, com seu exército de mentirosos profissionais armados de programas de televisão e grandes jornais.

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Com a modernização das sociedades ao longo do tempo em todas as suas formas de existir, foi trazido a necessidade de aumentar o grau civilizatório. Os Estados Constitucionais, aplicaram na interação de seus contratos sociais direitos e deveres, para dar ordem reduzindo a brutalidade nas correlações de força entre as partes. Incluindo aí o próprio Estado/Representante. As políticas de transferência de renda são um paliativo importante para assistir a parcela da sociedade em situação de miserabilidade e devem continuar sendo praticadas. O que não pode é dar ao Estado, ser o único meio de subsídio dessas famílias e pessoas. A renda de uma sociedade é extraída da sua produção de riqueza, ou seja, sem o crescimento da capacidade dessa produção há uma diminuição do que pode ser distribuído. Com todas as imperfeições do capitalismo, empregos e salários são o mecanismo que mantém o sistema funcionando. Tanto o Estado e suas instituições, quanto as corporações e as pessoas precisam fazer multiplicar a renda geral dentro da sociedade. A renda precisa se renovar. Se houver apenas o gasto, sem a recriação da renda ou receita, vai acontecer uma dificuldade. No decurso dos anos só tem aumentado a quantidade de pessoas ou famílias necessitadas desse socorro. Ou o País se dispõe a reduzir o contingente de excluídos, aumentando a de participantes nas atividades econômicas ou ficará inviável. É preciso envolvimento para desenvolver as soluções que permitam o progresso conjunto dessa sociedade.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador