Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Um rascunho à Hilda Hilst ou à Senhora D, por Maíra Vasconcelos

Um rascunho à Hilda Hilst ou à Senhora D

por Maíra Vasconcelos

É impossível recortar peixes, isso leva à morte. Peixes sempre fogem, é da sua natural sobrevivência o amor eterno pelas águas. Imaginem: sentar-se a moldar peixes – não, isso não traria bem algum. Isso é Hilda no vão da escada se chamando Senhora D. Ciao, peixe, e ele volta ao amor. Ao ver o peixe novamente tão vivo e longe em suas águas, tem-se o fracasso, mais uma vez. Necessitaria outro papel, o peixe esfarelou-se, disse. A Senhora D tentaria: mais dois peixes novos, e nada. Não temos capacidade de peixe e não podemos detê-los na tentativa de entender nossas próprias águas. Até que as águas se escapem e vivamos a seco ou inundados sem saber como, mais uma vez. Sem nunca deter as águas, exatamente. Ah. Que maldade, recortar peixes debaixo da escada. Nem subir nem descer, ficar no vão da escada confabulando a própria morte. Se apenas subisse os degraus.. mas Hilda encontraria Deus e amaria o ódio para sempre. Depois fatalmente desceria todos os degraus para desabafar e aliviar o corpo. Mas isso seria muito zonza não iria funcionar as quedas aumentariam e a o vão foi escolhido para proteção, justamente.

Ah. Não seja tão esbugalhada, Hilda, assim o cansaço aumenta. Vai aceitar o abandono do prazer ou não? A Senhora D só sabe dar ponto cheio de nó. Depois, tanto melhor. Mães do mundo não podem jorrar exasperadas todas as vezes que se deparem com um novo filho. A água escapa escapa. Isso vai acontecer até debaixo da escada. Ah, filhos que não terminam nunca de querer a mãe, a porca mãe. Bem titulado ficou assim, como porca mesmo. Você sabe como é, por isso não teve filhos, exatamente. Muito porca que és, Hilda. Foi buscar abrigo no vão da escada, como se dali recitasse ao mundo seu sôfrego adeus ao erótico, inteirinha inteirinha. Dali dizia até que nem corpo mais tinha, que estava tudo morto, coitadinha. Mas não é assim, só porque no vão da escada você não podia mais foder. Olha! que palavrão para ser dito além da sua janela, ainda mais nos dias atuais. É isso, nunca quiseste e nem pudeste alcançar o completo ser coerente e precisamente espiritualizado. A sua variação nunca foi modesta, nem as predileções. Nunca se guardando para todo o sempre, apenas um pouco, pois a porca te espiou até a morte. Não funcionaria mesmo o puro espírito em ti, o desejo da porca parece sem fim e o seu destino é o filho Édipo. Portanto, nada. Não há como deter o desespero de uma porca sem qualquer vocação ao materno individual. Hilda sempre foi inteira entregue aos olhos do mundo.

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

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