Lula, por meio do BNDES, financiou ditadura na Venezuela? É Fake News, entenda

Victor Farinelli
Victor Farinelli é jornalista residente no Chile, corinthiano e pai de um adolescente, já escreveu para meios como Opera Mundi, Carta Capital, Brasil de Fato e Revista Fórum, além do Jornal GGN
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BNDES, durante os governos PT, não financiou nenhuma ditadura ou governo. Entenda uma das principais Fake News de Bolsonaro

Em 2019, Bolsonaro reconheceu o golpista Juan Guaidó como chefe de Estado da Venezuela – Foto: Reprodução

Por Victor Farinelli e colaboração Patricia Faermann

Uma das principais Fake News de Jair Bolsonaro quando menciona a relação de governos do PT com outros países da América Latina é afirmar que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) financiou estes países ou governos autoritários, como a Venezuela.

A informação é falsa sob diversos aspectos, mas principalmente porque o banco brasileiro não financia ou envia recursos a qualquer país. O BNDES empresa dinheiro às empresas brasileiras, muitas delas realizando obras em diversos países no mundo, gerando empregos no Brasil com a fabricação dos produtos que são exportados e retornando em dólares para o próprio Brasil na balança comercial.

Mas além de distorcer como ocorre o financiamento do BNDES, que beneficia as empresas brasileiras e não estrangeiras, outras falsas afirmações são feitas por Bolsonaro sobre o tema. Confira alguns deles e a checagem do GGN:

O que Bolsonaro diz: “[PT] usou o BNDES para emprestar recursos para ditaduras”

Os fatos: Falso. O BNDES não empresa dinheiro a nenhum governo ou país, mas às empresas brasileiras que exportam produtos nacionais pelo mundo. Além disso, os EUA foi o principal beneficiário, seguido de Argentina, Angola, Venezuela e Holanda.

Um informe produzido pelo próprio BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), em 2019 (com dados entre 1998 e 2017), mostrou que a maior parte dos pouco mais de 38 bilhões de dólares em financiamentos concedidos a empresas brasileiras, para que estas possam prestar serviços em outros países, teve os Estados Unidos como principal destino dessas atividades financiadas, com um total de 17,7 bilhões de dólares, o equivalente a 44% dos créditos cedidos durante o período observado.

Ademais, os quatro países que completam os cinco primeiros desse ranking receberam valores bem menores. São eles a Argentina (3,5 bilhões de dólares), Angola (3,4 bilhões), Venezuela (2,2 bilhões) e Holanda (1,5 bilhão).

Embora os governos de países como Angola e Venezuela possam ser consideradas ditaduras de esquerda, acusações similares poderiam ser feitas sobre países que em seu momento foram consideradas ditaduras de direita, como a Arábia Saudita, ou governos ilegítimos de direita, como Honduras durante o período de Roberto Micheletti (entre 2008 e 2010, após o golpe contra Manuel Zelaya), Paraguai no período de Federico Franco (entre 2012 e 2013, após o golpe contra Fernando Lugo) e Bolívia no período de Jeanine Áñez (entre 2019 e 2020, após o golpe contra Evo Morales).

Ademais, o governo de Jair Bolsonaro tem se empenhado especialmente em atrair investimentos de países árabes com regime autoritários e de direita, especialmente a Arábia Saudita. Em março de 2021, o presidente do BNDES, Gustavo Montezano (nomeado por Bolsonaro), chegou a participar de um evento em vídeo conferência organizado pela ANBA Câmara de Comércio Árabe Brasileira, com o intuito de se aproximar de autoridades de países dessa região – o site da ANBA (Agência de Notícias Brasil-Árabe) destacou especialmente a conversa entre Montezano e Abdullah Alrabiah, diretor da Autoridade de Segurança Alimentar da Arábia Saudita. “Concedemos empréstimos que podem ser pagos em até 35 anos. A participação do BNDES é fundamental para o desenvolvimento do país”, afirmou o presidente do banco, no evento.

O que Bolsonaro diz: “Lula manda dinheiro [do BNDES] pra fora, pra Venezuela ter metrô – enquanto cidades brasileiras não têm – porque parte do dinheiro volta para o bolso deles.”

Os fatos: Falso. O recurso não “volta para o bolso” destes países. Investimentos do BNDES às empresas brasileiras em outros países movimentam a economia nacional para as fabricações e exportação nacionais. Ainda, investimentos do BNDES são majoritariamente no Brasil e não no exterior.

Em artigo publicado nesta quarta-feira (26), no Valor Econômico, o jornalista Daniel Rittner enumera os argumentos que derrubam a falácia de que os financiamentos concedidos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) a países estrangeiros configuram um prejuízo para o banco ou para o Brasil.

Munido de dados fornecidos pelo próprio BNDES, Rittner lembra que, além de movimentar a economia brasileira – já que eles jamais são concedidos aos países que receberão obras e sim às empresas brasileiras de engenharia civil que presta serviços fora – o banco ficou longe de ter prejuízo, pelo contrário, obteve lucro com as transações: entregou um total de 10,5 bilhões de dólares em créditos para atividades de empresas brasileiras em diferentes países, e recebeu de volta 12,7 bilhões de dólares. Obteve, portanto, um lucro de 2,2 bilhões, apesar da inadimplência em alguns casos isolados.

O artigo também afirma que: “Os recursos eram liberados, em reais e não em dólares, aqui e não lá fora, para as empresas responsáveis pelas obras. Havia a exigência de que bens nacionais também fossem exportados. Geralmente, 60% a 70% do valor dos contratos. Isso movimentava a indústria. Nos canteiros de uma hidrelétrica ou uma rodovia, encontrava-se todo tipo de produto “made in Brazil”. Caminhões e cimento. Botas e uniformes trocados a cada três meses. Carne e frango no refeitório dos trabalhadores. Em um estudo na década passada, a LCA Consultores apresentou cálculos sobre o impacto à cadeia produtiva. Mais de 2 mil empresas brasileiras – 76% pequenas e médias – faziam parte da rede de fornecedores. De cooperativas nos morros cariocas, que integravam essa rede com confecções, a uma companhia europeia como a Faveiley Transport, que elevou sua produção de portas para plataformas no Brasil, com o objetivo de ser incluída na lista de fornecedores para obras de metrôs, atendendo à exigência de conteúdo do BNDES. Fica então a segunda lição: quando se decidiu matar tal política, a vítima não foi (só) a Andrade Gutierrez ou a Odebrecht. Parte da economia deixou de girar.”

Além disso, o próprio site do BNDES corrobora o argumento do jornalista, ao explicar, em uma de suas páginas, que “nessas operações (no exterior), assim como em todas as outras que realiza, o banco desembolsa os recursos exclusivamente no Brasil, em reais, para a empresa brasileira, à medida que as exportações vão sendo realizadas. Portanto, quem recebe o dinheiro é a empresa brasileira que vende para fora e não o país. Mas quem fica com a dívida é o país estrangeiro, porque ele é o responsável por fazer o pagamento, que deve ser feito com juros, em dólar ou euro. O financiamento do BNDES não cobre, por exemplo, bens adquiridos no exterior ou gastos com mão de obra de trabalhadores locais. Ele cobre exclusivamente os bens e serviços de origem brasileira utilizados na obra.”

Finalmente, também é falsa a afirmação de que o BNDES investe mais no exterior que no Brasil: o investimento do banco em obras realizadas junto a governos estaduais e municipais no Brasil superam os 75 bilhões de reais. 

O que Bolsonaro diz: “PT entregou mais de 1 bilhão de dólares [via BNDES] para Chávez fazer metrô na Venezuela e ele deu um cano no Brasil.”

Os fatos: Falso. O BNDES não entrega recursos a um governo, os investimentos às empresas não foram de US$ 1 bi, mas US$ 380 milhões, e parte deles durante o governo FHC e não do PT.

Além de o BNDES não entregar recursos para “Chavez” ou um governo, como explicado acima, mas às empresas brasileiras, Bolsonaro também mente ao inflar os dados sobre as obras do metrô e também ao apontar o dedo “para o PT”, ou para Lula.

Os financiamentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para que empresas brasileiras de engenharia fizessem obras no metrô de Caracas começaram em 2001, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso – e quando Hugo Chávez já era presidente da Venezuela, na época em que este era elogiado pelo então deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ). Aquele primeiro crédito foi no valor de 107,5 milhões de dólares, com prazo de pagamento de 150 meses e juros de 5,56% ao ano, segundo o projeto Comprova, da CNN Brasil.

Os dois financiamentos seguintes foram durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Um em 2004, por 78 milhões de dólares, prazo de 102 meses e juros anuais de 6%. O outro foi em 2009, por 197,7 milhões, prazo de 114 meses e juros anuais de 4,63%.

Os três empréstimos do BNDES para obras no metrô de Caracas somam um total de 383,2 milhões de dólares, menos da metade do valor acusado por Jair Bolsonaro. Ademais, se contarmos só os créditos entregues durante os governos do PT, o valor é ainda menor: 275,7 milhões. Finalmente, há de se destacar que não há qualquer indício de que o BNDES ou o Estado brasileiro tiveram prejuízos com essas transações.

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Victor Farinelli é jornalista residente no Chile, corinthiano e pai de um adolescente, já escreveu para meios como Opera Mundi, Carta Capital, Brasil de Fato e Revista Fórum, além do Jornal GGN

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