Reforma Agrária: política estratégica e direito difuso, por Marcelo Pedroso Goulart

Conclui-se que a reforma agrária, como instrumento de reestruturação fundiária, é essencial para a consecução dos objetivos da República.

Coletivo Transforma MP

Reforma Agrária: política estratégica e direito difuso

por Marcelo Pedroso Goulart

Pedindo antecipadamente perdão pelo trocadilho, os dados do Censo Agropecuário de 2017 continuam aterradores. A concentração fundiária no Brasil, desde sempre indecente, aumentou neste século (gráfico 1 – Índice de GINI). Causa primária e eficiente das desigualdades, do subdesenvolvimento e da hegemonia política dos reacionários, em nenhum tempo foi enfrentada pelos governos deste país, mesmo depois da consagração do princípio da função social da propriedade nas Constituições de 1934, de 1946 e de 1988. Verdade seja dita, Jango se dispôs a fazer esse enfrentamento, anunciando medidas nesse sentido, contudo não teve tempo para executá-las, pois apeado do poder no fatídico golpe burgo-militar de 1º abril de 1964.

As distorções da estrutura fundiária podem ser medidas de diversas formas, pelo Índice de GINI é uma delas. A relação entre a quantidade de estabelecimentos agropecuários com determinada dimensão e a área ocupada por eles em parcela do território nacional destinada às atividades agropecuárias é um outro critério. Com base neste, o IBGE constatou que, em 2017, os estabelecimentos com menos de 50 hectares representavam 81,4% da quantidade total, ocupando apenas 12,8% da área do território nacional de destinação agropecuária. Já o total de latifúndios com mais de 2.500 hectares representavam 0,3% do total de estabelecimentos, ocupando 32,8% da área destinada às atividades agropecuárias (gráfico 2).

Não menos impactante é o número de conflitos por terra que ocorrem anualmente no país (gráfico 3). Não é precipitada a afirmação de que esses conflitos derivam da concentração fundiária. Dados levantados pela Comissão Pastoral da Terra revelam que, na última década, esses números continuam altos. Mais: nos anos do governo Bolsonaro – não por acaso – houve um aumento significativo desse tipo de conflito (gráfico 3).

Em um país que se quer democrático, a intervenção corretiva do Estado é necessária para promover a desconcentração da estrutura fundiária. Só existe um caminho para isso: a implementação da política de reforma agrária. E é disso que a nossa Constituição trata ao afirmar, peremptoriamente, que a construção da sociedade livre justa e solidária (art. 3º, inc. I) pressupõe ordem econômica que tenha por fim assegurar a todos existência digna (art. 170, caput), fundada nos princípios da função social da propriedade, da defesa do meio ambiente e da redução das desigualdades sociais (art. 170, incs. III, VI e VII). Mas não é só: a Constituição também estabelece as diretrizes gerais da política de reforma agrária, alçando-a ao patamar de política estratégica, indispensável para a consecução dos fins mencionados. Por isso, uma política obrigatória que vincula os governantes e escapa da discricionariedade administrativa (Capítulo III do Título VII). A desapropriação, para fins de reforma agrária, é o meio a ser utilizado pelo órgão estatal competente ao constatar o descumprimento da função social de um grande imóvel rural (art. 184, caput); isto é, imóvel que não satisfaça um dos requisitos econômicos, ambientais e sociais estabelecidos no art. 186, incs. I a IV.

Podemos concluir que a reforma agrária, como instrumento de reestruturação fundiária, é essencial para a consecução dos objetivos da República. Caracteriza-se, por um lado, como política pública estratégica/vinculante e, por outro, como direito difuso. Assim sendo, os legitimados à tutela dos interesses difusos poderão tomar providências no âmbito do sistema de Justiça, mediante atividades sociomediadoras ou judiciais, para garantir a efetividade desse direito, seja nos casos de não implementação da política pública, seja nos casos de implementação insuficiente e/ou intermitente.

Marcelo Pedroso Goulart – membro do Coletivo por um Ministério Público Transformador (TransformaMP)

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