Constituição chega aos 35 anos sob ataques no Congresso Nacional

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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Das bancadas ruralista, evangélica e das armas chegam ao Congresso propostas de emendas e projetos de lei aviltantes à Constituição

Ulisses Guimarães ergue um exemplar da Constituição de 1988
Ulisses Guimarães ergue um exemplar da Constituição de 1988. Foto: Lula Marques/Câmara dos Deputados

A Constituição Federal completa 35 anos nesta quinta-feira (5) enfrentando o pior período de ataques desde a sua promulgação, em 5 de outubro de 1988, quando Ulysses Guimarães declarou que “traidores da Constituição são traidores da Pátria”. Apenas nos últimos 30 dias, é possível destacar uma ordem preocupante de eventos deturpadores daquilo definido pelo constituinte originário.

Depois de quatro anos aviltada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, cabe agora à oposição bolsonarista no Congresso, por meio de projetos de lei e emendas, a missão de atacar cláusulas pétreas e demais artigos definidos pelo constituinte originário – sendo que muitos desses artigos ainda não foram efetivados plenamente na vida da população. 

Os que organizam a ofensiva contra a Constituição possuem nomes, partidos e frentes parlamentares. Em levantamento do jornalista Hugo Souza, dos 27 senadores titulares da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), 21 integram a bancada ruralista ou a bancada evangélica, ou as duas. 

Só da Frente Parlamentar da Agropecuária, os chamados ruralistas, são 16: nada menos que 59% do colegiado. São 10 os membros da CCJ que integram a Frente Parlamentar Evangélica. Cinco senadores da comissão são membros das duas frentes, a do boi e a da Bíblia. Há os que compõem a bancada da bala. 

São titulares da CCJ do Senado, de Sergio Moro a Magno Malta; de Marcos Rogério a Marcos do Val; de Esperidião Amin a Flavio Bolsonaro. O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AM), conduz sessões com projetos de interesse desse grupo a toque de caixa, chegando a menos de um minuto para leitura e aprovação.

Logo no início deste ano, em 8 de janeiro, a Constituição Federal foi literalmente rasgada por golpistas que participaram dos atos antidemocráticos e atacaram prédios dos Três Poderes da República, instituições que têm por meta salvaguardar a Carta Magna, cumprir suas determinações e basear seus atos.  

Ataques ao STF  

Nesta quarta (4), duas propostas de emendas à Constituição (PEC) foram aprovadas na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, e seguem ao Plenário para votação, autorizando o comércio de sangue humano e determinando mudanças no Supremo Tribunal Federal (STF). 

Em face de votações encerradas e em curso na Corte Suprema, que contrariam interesses das bancadas evangélica e ruralista, sobretudo, a oposição bolsonarista acusa os ministros de atuarem sobre temas que na visão deles deveriam ser analisados pelo Legislativo.

O grupo de deputados e senadores, organizados em 16 frentes parlamentares, na semana passada, obstruíram a pauta de votações nas casas legislativas e passaram a mobilizar projetos de lei e PEC’s para tentar desfazer o que o Supremo teceu em seus julgamentos. 

A PEC 8/2021, apresentada pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que limita decisões monocráticas e pedidos de vista nos tribunais superiores, recebeu voto favorável do relator, senador Esperidião Amin (PP-SC) e agora será encaminhada para deliberação do Plenário do Senado.

Para o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, não há razão para mudanças no funcionamento da Corte, que neste último período, ao lado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), teve papel preponderante para a prevalência  da democracia e, consequentemente, da Constituição da República.  

PEC do Plasma e PL do Marco Temporal 

Também na sessão da CCJ do Senado desta quarta, foi aprovada a PEC 10/2022, que estabelece regras para coleta, processamento e comercialização de plasma humano. A PEC pretende alterar o § 4º do art. 199 da Constituição Federal, que orienta sobre as condições e os requisitos para a coleta e o processamento de sangue. 

Chamada PEC do Plasma, a intenção dos parlamentares que a propõem é a de permitir a venda de sangue, sublimando os princípios constitucionais da solidariedade e da proteção ao patrimônio genético, além de autorizar que empresas privadas nacionais e internacionais produzam e comercializem “hemoderivados”.

Ainda no Senado, a CCJ aprovou no último dia 28 de setembro o Projeto de Lei (PL) 2.903/2023 que estabelece um marco temporal para demarcação de terras indígenas. O texto altera ainda diversas políticas relacionadas aos direitos dos indígenas, distorcendo os artigos 231 e 232 da Constituição.

O PL vai de encontro a recente decisão do STF que em um julgamento histórico rejeitou, por nove votos a dois, a aplicação da tese restritiva do marco temporal na demarcação de terras indígenas. Da CCJ, o PL vai agora para sanção presidencial, onde se espera que o presidente Luís Inácio Lula da Silva o vete integralmente. 

Casamento homoafetivo 

Há casos em que as possibilidades de avanços oferecidas pela Constituição Federal vêm sendo barradas. Na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados, no último dia 27 de setembro, a proposta que inclui no Código Civil a proibição da união homoafetiva, o PL 5167/09, apensado ao PL 580/07, se movimentou.

Desde 2011, o STF já reconhece a união homoafetiva como núcleo familiar, equiparando as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. Mas parlamentares contrários ao reconhecimento argumentam que a decisão deve ser tomada pelos parlamentares. 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem confirmando por meio de normas voltadas ao Poder Judiciário a igualdade de direitos entre homens e mulheres, independentemente de sua orientação ou identidade sexual, conforme estabelecido na Constituição Federal. De modo que os projetos de lei que tramitam na Câmara Federal também buscam estrangular essa previsão.

O PL 580/07 é de autoria do ex-deputado Clodovil Hernandes (SP), que, em sentido contrário, inclui no Código Civil a possibilidade de que duas pessoas do mesmo sexo possam constituir união homoafetiva. A ele foi apensado o PL 5167, que em 2009 surgiu para se opor ao de Clodovil. 

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Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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