Joao Furtado
João Furtado, economista, especialista em temas ligados à indústria e às políticas para o desenvolvimento. Casado, 62 anos, tem 3 filhos.
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Uma Nova Universidade, por João Furtado

Bem-vindos sejam os estudantes que decidiram fazer-se ouvir. Silenciá-los ou ignorar as suas demandas seria um erro.

Ato dos estudantes da USP – Rovena Rosa – Agência Brasil

Uma Nova Universidade

por João Furtado

Estou na Universidade há mais de 40 anos. Conheci a primeira greve em 1979, em protesto contra um governador que não apreciava a universidade, mesmo tendo um diploma da Escola Politécnica. Dois anos depois, a greve foi contra uma intervenção arbitrária na Unicamp promovida pelo mesmo governador. Nos anos 1980, muitas greves contra defasagens salariais. Em todos os casos, muitos segmentos da sociedade apoiaram as reivindicações dos docentes e os estudantes nunca deixaram de manifestar a sua compreensão dos problemas e dar a sua solidariedade às demandas de docentes e servidores. Mesmo quando isso representava um grande transtorno em suas vidas acadêmicas e por vezes também profissionais. Graças a essa solidariedade pudemos avançar e conquistar, no governo Quércia (1987-1990), com negociações muito qualificadas do secretário de Ciência e Tecnologia (Luiz Belluzzo), a autonomia financeira que desde então nos assegura condições para desenvolvermos o nosso trabalho com elevado nível de serenidade. A autonomia assegurou receitas estáveis contra a inflação, crescentes ao longo do tempo, e os legisladores paulistas foram receptivos à comunidade de ciência e tecnologia também quando elevaram a dotação da Fapesp, fundação que apoia financeiramente a pesquisa, de 0,5% para 1% da receita do estado de São Paulo. Todas essas conquistas devem muito a um projeto que uniu a comunidade da Universidade, da pesquisa e da Ciência e contou com apoios sociais amplos, que sensibilizaram os legisladores.

Mais de 30 anos se passaram desde a autonomia das universidades paulistas. Muitas transformações ocorreram, no Brasil, na sociedade paulista e nas universidades. Em boa hora –  antes tarde do que nunca – a Universidade criou novos caminhos de acesso e o nosso ambiente democratizou-se. Melhor ainda, ele enriqueceu-se. Enriqueceu-se com a presença de pessoas de todos os lugares da sociedade brasileira, em um caminho sem volta que só deve orgulhar-nos. Em boa hora, sem delongas, a gestão do atual reitor deu um passo decidido em prol desse mundo novo e criou uma pró-reitoria para tratar dos temas e ações de diversidade e inclusão e conseguiu a colaboração de uma professora com visão humanística e sensibilidade apurada para enfrentar esse imenso desafio da nossa Universidade e do Brasil. Está na hora de pensar nos desdobramentos coerentes e consistentes.

Precisamos compreender que são novos tempos e que há novas vozes, novas perspectivas, novas formas de enxergar – e sentir – o Ensino e o Conhecimento, sem dúvida, mas também a vida na Universidade. Há adaptações a serem feitas por todos nós, porque são novos tempos e são integrantes novos. Se queremos aproveitar plenamente este momento para levarmos adiante o projeto de renovação e transformação da Universidade, o esforço maior deve ser o das instituições e instâncias decisórias, e de todos nós que fomos acolhidos há muito tempo neste ambiente que sentimos ser nosso, onde temos liberdade e compromissos com o Ensino e a Pesquisa. Acolhimento, escuta, sensibilidade, diálogo, construção, apoio, tolerância, civilidade. Nós conhecemos esses valores e práticas. Deles e delas é feita a vida universitária.

As origens destes integrantes da comunidade universitária devem ser reconhecidas pelo que são, não pelo que deveriam ser para se integrarem sem ruídos e atritos aos padrões vigentes. É dessa diversidade, pluralidade e originalidade que nascerão problemas científicos, tratados com olhares, abordagens e métodos novos, alargando o alcance da Universidade e da Ciência. É assim que será possível levar conhecimentos e o método da ciência a novos lugares, criando outras interlocuções e sinergias. 

A riqueza trazida por estes novos integrantes já se nota em todos os lugares. A sala de aula já tem uma outra vida. Perguntas, exemplos, argumentos, perspectivas – tudo isso já ganhou amplitude e riqueza. Os genes novos já hibridaram os antigos, e vice-versa. Na sala, nos corredores, no campus todo há pequenos custos e ganhos imensos. Combinações de uma diversidade construtiva e de valores edificantes do Brasil que queremos.

Feliz o país que tem uma sociedade vibrante, que se manifesta e faz-se ouvir, que pensa e demanda. É graças à juventude e sua ousadia que nasce o novo. Bem-vindos sejam os estudantes que decidiram fazer-se ouvir. Silenciá-los ou ignorar as suas demandas seria um erro. Repelir os comportamentos e atitudes que podem desagradar os regramentos canônicos, pior ainda.

João Furtado, economista, especialista em temas ligados à indústria e às políticas para o desenvolvimento. Casado, 62 anos, tem 3 filhos.

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