Chile continua violando, à margem dos padrões internacionais

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Relatórios dão conta das violações: além de mortos, torturados e feridos, armas utilizadas pelas forças de Segurança superam padrões de repressão em protestos no mundo

Foto: Patricia Faermann

Jornal GGN – Depois da Anistia Internacional e da Human Rights Watch denunciarem “gravíssimas” violações aos direitos humanos pelo Estado chileno, foi a vez das Nações Unidas darem o alerta sobre “as múltiplas violações”, incluindo torturas, prisões ilegais, violências sexuais, repressões e as armas utilizadas pelos policiais para enfrentar manifestantes, além das mortes e dos resultados de graves feridos e pessoas que perderam suas visões.

“Existem razões bem fundamentadas para argumentar que, a partir de 18 de outubro, houve um alto número de violações graves aos direitos humanos. Essas violações incluem o uso excessivo ou desnecessário da força, que resultou em privação arbitrária de vidas e ferimentos, tortura e maus-tratos, violência sexual e detenções arbitrárias. Essas violações foram cometidas em todo o país, mas a grande maioria ocorreu na Região Metropolitana e em contextos urbanos”, concluiu o documento de 30 páginas [disponibilizado abaixo], divulgado nesta semana pela Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU.

A missão esteve no Chile entre o dia 30 de outubro e 22 de novembro deste ano, acompanhando todas os protestos e o tratamento das forças de Segurança do governo de Sebastián Piñera nos atos, concluindo que “a polícia [chamada Carabineros] descumpriu, de forma reiterada, com o dever de distinguir entre pessoas que se manifestavam pacificamente e manifestantes violentos”, assinalou o informe.

Aos olhos dos próprios observadores das ONU, foram detectados 113 casos de tortura e maus tratos, 24 casos de violência sexual contra mulheres, homens, adolescentes e crianças, perpetrados por membros da polícia e militares. Um total de 26 manifestantes mortos, investigados pelo Ministério Público, também foram relatados pelo documento da ONU, que acompanhou de perto 11 desses casos.

“Destas 11 mortes, quatro casos constituíram privação arbitrária da vida e outras mortes ilícitas que envolveram agentes do Estado”. Em dois deles, completa o documento, “há indicativos de uso de força letal, na forma de armas de fogo, em ausência de todo o risco para a vida de civis ou militares e contra pessoas que não estavam participando de atos de violência”.

A conclusão da ONU é que estes casos indicam a prática, por parte dos Carabineros e forças especiais de Segurança do Chile, de “execução extrajudicial”, o que é amplamente vetado por normas e padrões internacionais.

A ONU confirma o “uso desnecessário e desproporcional de armas menos letais, em especial armas de choque, durante manifestações pacíficas e/ou fora do contexto de confrontos violentos entre manifestantes e forças de segurança. Isso resultou em um grande número de pessoas feridas, incluindo espectadores e pessoas que não estavam cometendo atos violentos, mas estavam protestando pacificamente”.

Especificamente sobre a violência e o uso das armas “menos letais” pela polícia chilena, três estudos recentes deram conta do tipo de munições, fora dos padrões de segurança internacional, que estão sendo utilizadas contra os manifestantes nos atos pacíficos.

Um deles, o Departamento de Direitos Humanos do Colégio Médico do Chile comprovou que algumas das balas “não letais” disparadas eram pequenas bolsas preenchidas com plástico moído, uma composição que impede a coagulação do sangue e a cicatrização das feridas. Chamado de “projétil desconhecido”, o material foi registrado em diversos hospitais e também pelos afetados.

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No último 10 de novembro, a Justiça de diversas cidades e regiões do país chegou a proibir e limitar o uso de balas nas manifestações. Entretanto, os números de feridos e atingidos pelos policiais continuaram crescendo desde então.

No dia 16 de novembro, outro estudo do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade do Chile revelou que as chamadas “bala de borracha”, na verdade, não eram de borracha. Cerca de 80% da composição dessas balas eram de outros materiais derivados de metais e minérios, como o silicato, também conhecido como cristalizador de vidro, o sulfato de bário e chumbo [informe abaixo].

E a pesquisa mais recente mostrou que, como já adiantou o GGN nas reportagens da cobertura dos protestos no Chile [confira reportagens abaixo], a água utilizada nos tanques para dispersar os manifestantes não continha somente gás de pimenta, mas era uma composição tóxica. O Colégio de Químicos Farmacêuticos e Bioquímicos do Chile fez uma análise química da composição desta água e detectou a presença de soda cáustica, substância altamente corrosiva.

O GGN vem acompanhando, diariamente, os protestos que tiveram início no dia 18 de outubro. Nas reportagens especiais, narramos que a água continha sabor que se assemelha à pimenta, mas mais tóxico, e difícil de ser abrandado com outra substância, como o bicarbonato de sódio utilizado pelos manifestantes.

Tratamos da substância como “água tóxica”, pelo alto teor ácido e danos gerados. O pH desta água atingiu 12, altamente ácida e potencialmente fatal, capaz de provocar queimaduras e danos graves à pele, olhos ou órgãos, caso ingerido.

O documento [disponibilizado abaixo] que detectou o uso de soda cáustica nos tanques de água informa, ainda, que “os efeitos que essa mistura causa nos seres humanos são desconhecidos; ignora-se a proporção que deve existir entre a substância referida e a quantidade de água em que se dissolve. Por outro lado, também não se fiscaliza quem é o oficial encarregado de preparar a referida mistura, nem o grau de treinamento que ele possui”.

A exemplo dos demais relatórios de organizações internacionais, o Alto Comissariado da ONU também dedicou espaço exclusivo no arquivo para os danos oculares, pessoas que perderam parcial ou completamente a visão desde o início dos protestos. A ONU elencou ser “aproximadamente 350”. O último relatório do Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) dá conta de 357 pessoas com feridas oculares que denunciaram.

O total de feridos, de acordo com o último documento publicado no dia 12 de dezembro, é de 3.461 pessoas, sendo 256 deles crianças e adolescentes. Foram 1.986 atingidos por balas, as de “borracha”, de fogo, e não identificadas. Um total de 9.308 pessoas já foram presas pelos policiais e 1.434 denunciaram terem sido alvo de violações, incluindo sexuais, torturas e espancamentos.

 

 

Leia o relatório completo da Alta Comissária de Direitos Humanos da ONU sobre a repressão do Chile:

Report-Chile-2019-SP

 

O informe da Faculdade de Engenharia da Universidade do Chile sobre a composição das “balas de borracha”:

INFORME UTOSInfFinv1

 

A análise sobre a composição dos tanques de água com soda cáustica:

Analisis-AG20N-AG22N

 


A COBERTURA ESPECIAL NO CHILE:

 

 

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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